Continuamos Próximos - Entrevista a Ana Côrte-Real

As marcas, independentemente de um contexto de crise, representam funções relevantes para os consumidores: são uma referência, uma garantia, permitem a otimização das decisões, a sensação de personalização, tornando o consumo mais hedonista e assumem, também, uma função ética.

O grande objetivo das marcas é o de conseguir que os seus clientes lhe atribuam um forte significado, que lhe atribuam um valor único (podendo ser unicamente emocional) e diferenciador. Quando tal acontece, passa a existir um vínculo forte e duradouro entre o cliente e a marca.

E é esta a oportunidade que as marcas têm em momentos de crise: tornarem-se relevantes através da sua atuação, criarem um valor percebido único (junto dos consumidores, e não só dos clientes), e criarem um vínculo de longo prazo.

Qual o valor que, hoje, os consumidores procuram nas marcas?
Neste momento, as marcas são chamadas a ajudar e não a vender. É tempo de transparência, de inter-ajuda e de foco no bem comum. É tempo de as marcas alterarem a forma e o conteúdo da sua comunicação com o mercado. As marcas têm de alterar o seu storytelling, a sua narrativa, que deve centrar-se no benefício nuclear “Como ajudar os stakeholders da nossa marca”.

O que devem as marcas comunicar? O que querem os consumidores ouvir?
Num contexto como o atual, as marcas devem comunicar através da sua gestão de topo (nomeadamente, dos seus CEOs), assumindo um tom sério, que transpareça autenticidade, que inspire e que transmita confiança aos seus públicos. Não é tempo de recorrer ao humor ou a outras formas mais lúdicas de comunicar com o mercado. É preciso gerar confiança, esperança, serenidade e perspetiva de um futuro melhor.

As marcas têm de mostrar respeito pelos seus colaboradores, pelos seus fornecedores, pelos seus clientes e para com a sociedade.

As marcas têm de ser aliadas nas iniciativas que visam dar resposta à crise. E devem fazê-lo de forma autêntica e não focada no eventual retorno.

Tudo isto exige mudança.

Como podem as marcas mudar?
Fomos todos impelidos a mudar, a repensar a organização da gestão familiar, do trabalho, da forma como nos relacionamos com os outros, de tudo. Numa palavra: tudo em nós mudou.

Por isso, os consumidores também esperam que as marcas mudem: que mudem a forma como comunicam, o seu propósito, o seu storytelling; que mudem no sentido de deixarem de estar focadas na venda dos seus produtos, para se centrarem na forma como os seus produtos, as suas matérias primas, as suas máquinas e o seu know-how podem ajudar no combate à crise, dando resposta às necessidades mais imediatas e prementes da sociedade.

Numa pesquisa realizada pela empresa de comunicação global Edelman junto de 1200 consumidores, em 12 países (não incluiu Portugal), com o objetivo de perceber o que os consumidores esperam das marcas, verificou-se que 86% dos consumidores veem as marcas como uma segurança, disponíveis para ajudar e a ultrapassarem a linha entre o setor público e o privado.

O desafio é grande: as marcas devem mudar, adaptar-se, mas sem perder o seu ADN.

E as marcas mudaram. E as marcas portuguesas mudaram. E é um enorme orgulho vermos estas mudanças acontecerem.

Muitas empresas mudaram as linhas de produção e passaram a produzir máscaras, viseiras, óculos, fatos de proteção, desinfetantes e até ventiladores. Passaram a produzir os materiais cuja escassez agudizaria o impacto do vírus (na pesquisa acima referida, 90% dos inquiridos esperam que as marcas aceitem sofrer perdas financeiras com o objetivo de promover o bem estar da sociedade). E participaram neste movimento, nomeadamente, marcas do setor da indústria, de tecnologia, do têxtil, do calçado e destilarias. Um movimento ao qual aderiram desde as micro-empresas até aos grandes grupos. Entidades físicas ou jurídicas e todas as marcas que perceberam o apelo da ajuda e juntaram a vontade de dar resposta. E são já inúmeros os exemplos: cervejeiras artesanais (26 micro cervejeiras) que fabricaram 80 mil litros de desinfetante; hotéis e proprietários de alojamentos locais, que cederam estadias aos profissionais de saúde (só no Norte, são mais de 150 quartos disponibilizados por hotéis); empresas de velas náuticas que passaram a produzir viseiras de proteção; empresas do sector têxtil que passaram a produzir máscaras e fatos de proteção.

E não haja dúvidas: o que as marcas fizerem hoje, durante este difícil período, fará a diferença na resposta dos consumidores a médio e longo prazo. O que significa também que, neste contexto extraordinário, uma marca poderá perder muito rapidamente o respeito e a confiança dos seus clientes e, assim, perder todo o seu valor (no mesmo estudo, 71% dos consumidores inquiridos assumem que, se as marcas colocarem o lucro à frente das pessoas, perderão a sua confiança para sempre). A opção será das marcas e da sua visão estratégica ser de curto ou de médio e longo prazo.

pt
16-04-2020