Rui Lourenço-Gil: "Que tamanho calça?"

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Rui Lourenço-Gil: "Que tamanho calça?"
Segunda-feira, 15 de Fevereiro de 2021 in Jornal Económico Online (O)

Que comprimento tem a sua pegada social doméstica? O confinamento profilático prolongado pode acentuar a ocorrência de conflitos. São alguns fatores de contexto facilitadores da sua eclosão: longos períodos em circunscrição a espaços fechados que em casas pequenas e sem área externa se agrava; densidade humana colocada com simultaneidade de uso dos recursos; correlata extensa exposição aos outros associada a dificuldade de espaço e tempo de cada um para si; balancear difícil de momentos e ritmos entre mundos de vida e de trabalho; repartição de tarefas de apoio aos mais dependentes; enfim, solicitação recorrente a esforços de ajustamento mútuo com a gestão de tensões a que o desiderato de convivialidade tolerante recomenda.

Este cenário é agravado por certos padrões de comportamento: louças a aguardar senha de banho, camas em novelo de lençóis, sofás afogados em desalinho de mantas, roupas em trilhos de sapato e em casulo amarfanhadas, papéis e brinquedos em diáspora das gavetas, garrafas e copos de companhia ao tapete da sala, lago no quarto de banho, autoclismo em espera, lavatório e banheira em cabelos engasgados, difusão televisiva ou musical invasiva... E, quando assim se passa, amiúde há um carola - não raro no feminino - que se agasta porque invariavelmente colado ao papel de fada: enche, satura e lá vem a hora da desanca, e, mesmo que adiada, a sua contenção (com tensão) devora paciência.

Sucede ter recentemente passado pela experiência de acolher familiar: homem cinquentão, de sempre experimentado na dependência de almas gentis, a lidar com agravos domésticos efervescentes por tão displicente pauta de conduta, desanimado por em si não descortinar talentos a que recorrer para melhor atuação.

Em desespero de vítima, eu, inspirado pela metáfora associada aos desafios da sustentabilidade ambiental, ocorreu-me, com insuspeito sucesso, federar o que ele via no campo da omissão das virtudes pessoais, e de que se achava por natureza desprendado, no conceito de pegada social doméstica.

Esta desconfortável marca convoca à profilática filosofia prática de estar em fluída leveza relacional, garantindo harmonia de interesses e que tudo esteja impecável para quem vem depois. Em retrospetiva estimo que explicam o sucesso da transformação, subsequentemente sustentada e louvada pela surpreendida consorte, a confluência circunstancial, num intelecto marcadamente racional no qual o conceito de pegada social fez muito sentido, de: crispação recursiva no lar - a que breve retornaria; vontade de autossuperação para à filha se dar como exemplo; e a consideração pelo anfitrião.

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