Agostinho Guedes: “Prolongar a Universidade para a vida toda”

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Agostinho Guedes é docente e investigador da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Católica. Foi aqui que se licenciou e que descobriu que aquilo que mais gostava de fazer era ensinar. Verdadeiramente apaixonado pela vida universitária, garante que a Faculdade de Direito “é aquela escola que mais investe na formação dos seus alunos”.  Mas não é só numa sala de aula que se sente feliz, mas, também, nas alturas, lá bem perto do céu. Praticante de montanhismo e alpinismo, tem a ambição de subir ao vulcão mais alto de cada continente, tendo já alguns vistos nessa lista.

 

O que é que mais gosta no Direito?

Quando se gosta de qualquer coisa, gosta-se simplesmente, não é? Desde que me lembro que sempre gostei muito de debater e discutir ideias, sempre fui muito argumentativo. Para além disto, o Direito tenta resolver um problema básico de qualquer comunidade. Como é que conseguimos viver em conjunto, sem nos matarmos uns aos outros? Como é que conseguimos interagir pacificamente e colaborarmos uns com os outros para melhorarmos a sociedade e as condições de vida? Fascina-me a possibilidade que um jurista tem em saber identificar conflitos e saber dar passos para os resolver ou até para os prevenir.

 

Como é que surge o Direito na sua vida?

A uma determinada altura, eu tive de escolher uma área para os dois anos seguintes do liceu. Direito era a área que incluía as disciplinas de História, Filosofia, Português, Introdução à Política e permitia que as opcionais fossem línguas. Foi por isso que escolhi Direito no liceu. Não foi resultado de uma revelação extraordinária, mas apenas porque no liceu era a área que reunia as disciplinas que eu mais gostava. Comecei a perceber que estava no lugar certo quando tive introdução à política e quando comecei a ter filosofia a sério. Mas, verdadeiramente, só tive noção do que era o curso de Direito quando ingressei no Ensino Superior, aqui na Católica no Porto.

 

“Fascina-me este valor acrescentado que um jurista tem em saber identificar conflitos e em saber dar passos para os resolver ou até para os prevenir.”

 

O que é que marcou a sua infância?

Marcou-me o meu primeiro dia de escola. Foi a minha mãe que me levou e lembro-me de subir uma escadaria que na altura me pareceu interminável e de pensar que ia para um lugar que devia ser próximo do inferno (risos). Passados muitos anos voltei à escola para um almoço de antigos alunos e a escadaria não passava de meia dúzia de degraus. Tenho, também, presente muitas das brincadeiras com os meus amigos. Recordo-me de fugirmos da polícia por nenhuma razão especial, simplesmente naquela altura fugia-se da polícia mesmo sem se ser culpado de nada. Enfim, talvez eu não tenha sido uma criança muito fácil, até porque me lembro de, um dia, a minha mãe me ter posto de castigo e eu ter acabado por sair pela janela e só ter regressado à hora do jantar. Depois deste episódio, evidentemente, que me esperou uma conversa a sós com o meu pai. Lembro-me, também, de os meus pais me terem comprado uma pasta nova para levar para a escola e eu utilizá-la para escorregar por um talude de terra a baixo. Divertia-me muito …

 

Gostava da escola?

Nem por isso … Achava que era um ambiente pesado e muito rigoroso. Eu nasci em 1961 e, por isso, estamos a falar de tempos antes do 25 de abril. Quando fui para a escola preparatória, as coisas acabaram por melhorar um bocadinho, até porque depois as turmas passaram a ser mistas e, embora eu tivesse 11 anos, era um incentivo especial ter raparigas na turma (risos). Fui um aluno razoável e as disciplinas que não gostava especialmente eram as ligadas às tecnologias e às ciências da natureza. Recordo-me que gostei de Canto Coral e, também, gostei de Moral e Religião, porque não se falava de moral, nem de religião, mas sim de todas as coisas que queríamos falar e que não podíamos com os outros professores. Eu gostava muito dos meus professores e, agora, vendo à distância, acho que eles tinham uma paciência inesgotável para nos aturar!

 

“A sensação de liberdade era indescritível e a consciência política do que estava por trás disto só veio depois.”

 

Tem memórias muito presentes dos tempos do 25 de abril …

Sim, eu tinha treze anos quando se deu o 25 de abril e foi uma mudança brutalmente disruptiva … Passamos de um ambiente rígido para a rebaldaria geral. Lembro-me que no dia 25, os meus pais não me deixaram sair de casa, mas no dia seguinte, fui ao liceu ver como é que estava tudo e numa rua à direita estava um soldado com uma G3 na mão que estava a explicar aos transeuntes como é que funcionava uma espingarda e eu, também, fui ouvir a lição. Lembro-me que nos tempos que se seguiram havia a sensação de que tudo era permitido. Nós entravámos e saíamos da sala de aula pela janela, subíamos pela calha até ao segundo andar. Lembro-me que o reitor do liceu tinha um laranjal e os alunos iam para lá comer as laranjas do reitor até ficarem doentes. Havia alguns que comiam dois a três quilos de laranja de uma vez. Escusado será dizer que com este ambiente, as minhas notas caíram verticalmente! A sensação de liberdade era indescritível e a consciência política do que estava por trás disto só veio depois, quando já toda a sociedade passa a estar muitíssimo politizada.

 

O que é que o fez querer ser professor?

Há um livro de Machado de Assis onde diz a certa altura que gostava de prolongar a Universidade para a vida toda. Acho que foi isto que aconteceu comigo! Eu gostava das aulas, mas gostava particularmente do ambiente académico. Fiz parte da direção da Associação de Estudantes, trabalhei na organização da Queima das Fitas, participava nos jogos de futebol e voleibol. Nesse tempo, não havia internet e, por isso, passávamos muito tempo juntos, o convívio entre todos era imenso. Mal o tempo começava a melhorar, lá íamos nós até à praia durante as horas de almoço ou então durante aquelas aulas que eram menos interessantes (risos). Paralelamente, percebi no início que tinha jeito para o Direito, por isso, sentia que as matérias nem me eram assim tão difíceis. Como corria bem, acabava por ajudar outros colegas. Com o tempo acabei por dar por mim a explicar a matéria com regularidade e a perceber que era a melhor forma de estudo.

 

“Esta é aquela escola que mais investe na formação dos seus alunos!”

 

Como é que define um bom professor?

Um excelente professor é um professor que faz com que os alunos se apaixonem pelo conhecimento, é aquele que, além de transmitir conhecimento, é capaz de dotar os seus alunos de ferramentas para que eles possam criar o seu próprio conhecimento.

 

De que forma é que a Faculdade de Direito da Católica se distingue das demais Escolas de Direito?

Esta é aquela escola que mais investe na formação dos seus alunos! Nós somos uma escola que de facto faz com que o potencial dos seus alunos seja levado até ao limite. Creio que o principal motivo para isso acontecer reside no facto de a maior parte do corpo docente ser composto por pessoas que estudaram cá e, portanto, sabem exatamente o que é que gostaram de ter e o que é que não gostaram quando andavam aqui. Para além disto, a grande maioria dos professores não se limita a dar aulas para garantir o seu emprego, mas trabalha de forma dedicada e apaixonada. É, por isso, que somos capazes de atrair os melhores alunos e é isso que faz de nós uma universidade de primeira linha.

 

“Se não houver reflexão acerca dos vários assuntos, corremos o risco de andar atrás das circunstâncias ou a legislar em função delas.”

 

Quais são, atualmente, os grandes desafios do Direito?

Toda a gente diz que vai ser a questão da inteligência artificial, mas eu tenho as minhas dúvidas, tal como, também, tive as minhas dúvidas quando foi o aparecimento da internet e, como se sabe, toda a gente de adaptou rapidamente. Acho que a inteligência artificial vai trazer a simplificação de algumas tarefas. Aquilo que é mais repetitivo poderá ser muito bem feito por uma máquina e disto vai resultar uma maior disponibilidade de tempo para realizar coisas mais criativas e isso vai ser positivo! Aquilo que receio verdadeiramente e que é um desafio grande é a forma como tudo, atualmente, é mais superficial, tanto na área do Direito, como em tudo o resto. Se não houver reflexão e pensamento acerca dos vários assuntos, corremos o risco de andar atrás das circunstâncias ou a legislar em função delas. Sem reflexão e sem ponderação, e isso requer tempo, acaba por se adotar soluções inconvenientes e injustas. Assusta-me vivermos neste ambiente da espuma dos dias. Estamos demasiado focados naquilo que acontece à superfície e não aprofundamos as questões…

 

“É isto que me move, é ter coisas para fazer e como vê não me faltam coisas para fazer nos próximos 60 anos.”

 

Como é que ocupa os seus tempos livres?

Fiz 60 anos há pouco tempo e costumo dizer que tenho planos para os próximos 60 anos e, por isso, precisava de poder viver até aos 120. Uma das coisas que me faz gastar mais dinheiro e tempo é o contacto com a natureza: faço montanhismo e alpinismo. Já participei em expedições em quatro continentes. Antes da pandemia fui à Tanzânia, subi o Kilimanjaro que tem uma altitude de 6000 metros. Adoro fazer caminhadas na montanha e faço isso com muita regularidade. Para o fazer tenho de me manter bem fisicamente, não é? Treino cinco a seis dias por semana. Gosto, também, muito de música. Cheguei a compor e gosto muito de ler. A minha mulher diz que eu não leio, diz que finjo que leio (risos). Chego a ler livros de 400 ou 500 páginas em dois ou três dias na praia, enquanto oiço música.

 

Que planos tem para o futuro?

Uma coisa que está nos meus planos é subir aos sete vulcões mais altos dos 7 continentes. Já subi dois: já subi o vulcão mais alto da Europa, que é também a montanha mais alta da Europa, que é o Elbrus na Rússia; já fui ao Kilimanjaro, em África; estou a planear ir ao Irão para subir o Damavand. Na pandemia tinha bilhetes para o México, para subir o Orizaba, mas acabou por ficar cancelado. Na América do Sul conto ainda subir aquele que é o mais alto de todos, tem quase 7 mil metros, que é o Ojos del Salado no Chile. E, também, espero subir a umas montanhazinhas de vez em quando. É isto que me move, é ter coisas para fazer e como vê não me faltam coisas para fazer para os próximos 60 anos (risos).

 

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06-04-2022