Jurisprudência

Abuso de Posição Dominante

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2013

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2013

    PROCESSO: 178/07.2TVPRT.P1.S1

    RELATOR: SERRA BAPTISTA

    DATA: 20/06/2013

    TEMÁTICA: Abuso de Posição Dominante

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 4º E 7º DA LEI 18/2003 | ARTIGO 81º E 82º DO TRATADO CE (ATUAL 101º E 102º TFUE)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “1. Não obstante a regra do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional, a verdade é que o Regulamento CE nº 1475/95, de 28/6/95, já substituído pelo Regulamento CE nº 1400/2002, de 31/7/2002, regulando a aplicação do art. 85.º, nº 3 do Tratado da União Europeia a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pósvenda de veículos automóveis, aplica-se apenas, como direito comunitário, quando estiverem em causa relações transfronteiriças. Sendo certo que as regras do Direito Comunitário da Concorrência, de acordo com os arts 85.º e 86.º do Tratado, só regulam as restrições da concorrência derivadas de certas práticas se forem suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados Membros. Não se aplicando tais normas quando se trate de um contrato para valer apenas numa área territorial nacional.

    2. Se o Tribunal nacional considera que o litígio deve ser decidido só em conformidade com o direito interno, não fica obrigado, nos termos do Tratado, a utilizar o reenvio prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, solicitando-lhe interpretação de norma comunitária que, em seu entender, se não aplica ao caso vertente.

    3. O contrato de concessão comercial, contrato consensual (art. 219.º do CC) e assim assente na autonomia privada, oneroso, atípico e inominado, modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente de contratos de distribuição, pode ser entendido como um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprarlhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes – sujeitandose, ainda, a um certo controlo e fiscalização do concedente. Sendo, pois, os seguintes os traços caracterizadores de tal contrato: (i) estabilidade do vínculo; (ii) dever de venda dos produtos a cargo do concedente; (iii) dever de aquisição impendente sobre o concessionário; (iv) dever de revenda; (v) atuação do concessionário, em nome e por conta própria; (vi) autonomia; (vii) exclusividade; (viii) zona de atuação.

    4. Tem vindo a entender-se que o contrato de concessão comercial, como atípico que é, sem beneficiar de um regime jurídico próprio, pese embora a tipicidade social de que goza, deve ser regulado pelas cláusulas que nele sejam acordadas pelos contraentes, e, por analogia, pelas normas do regime de agência, que é o mais vocacionado, à partida, para se lhe aplicar.

    5. A resolução é uma forma de extinção da relação contratual validamente constituída que tem lugar por um ato posterior de um dos contraentes, podendo os seus fundamentos estar fixados em convenção das partes. A parte que pretende exercer esse direito tem de alegar e provar o respetivo fundamento que justifica a extinção unilateral do contrato. Devendo a resolução, embora possa efetivar-se extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte, de ser motivada. Não podendo uma das partes fazer uso ao direito de resolução do contrato, afinal entre todas acordado, se não tiver resultado, previamente ao seu exercício, uma situação de rutura da relação contratual. A tal se opondo, desde logo, o princípio da boa-fé, ínsito em todos os contratos, bem como, até, o abuso do direito.

    6. A resolução ilícita do contrato implica, à partida, o dever de indemnizar em relação, por via dela, aos prejuízos causados.

    7. Pode entender-se por abuso de dependência económica a prática que decorre da utilização ilícita por parte de uma empresa do poder ou ascendente de que dispõe em relação a outra empresa, que se encontra em relação a ela num estado de dependência, por não dispor de alternativa equivalente para fornecimento dos bens ou prestação dos serviços em causa.

    8. O abuso de dependência económica, sem consagração expressa no Direito da União Europeia, embora existam figuras similares nos ordenamentos jurídicos de alguns dos seus Estados Membros, é uma prática restritiva da concorrência, prevista na Lei da Concorrência (art. 7.º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, entretanto revogada pela Lei nº 19/2012, de 8 de Maio), referindo-se a situações em que é explorada abusivamente a ascendência (dominância) de uma empresa em relação a outra, no domínio das relações bilaterais entre ambas, sempre que esse comportamento seja suscetível de afetar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência.

    9. A indemnização da clientela constitui uma compensação a favor do agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela por aquele angariada ou desenvolvida. O que conta, para ela, são os benefícios proporcionados pelo agente à outra parte, que, na vigência do contrato eram de proveito comum e que, após o seu termo, irão apenas aproveitar, unilateralmente, ao principal.

    10. Não obstante a clausulada renúncia da parte a direitos indemnizatórios que possam ter lugar pela extinção do contrato, deve entender-se a mesma como nula, como renúncia antecipada à indemnização de clientela

    11. Cremos ser hoje essencialmente maioritária a jurisprudência deste STJ respeitante à admissibilidade da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual. Sendo, ainda, possível acolher a causação de tais danos em relação às sociedades comerciais.“

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA: Durante o processo está em causa um contrato de concessão. A Autora alega uma resolução ilícita do contrato por parte de uma das Rés, abusando da dependência económica. Esta resolução causou prejuízos à Autora e esta vem reclamá-los perante o Tribunal. Em Primeira Instância o Tribunal considerou os factos provados e condenou as Rés, solidariamente, a compensarem a Autora pelos vários prejuízos causados. Inconformadas, Autora e Rés, interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente a apelação das Rés e parcialmente improcedente a da Autora, elevando o montante fixado devido à Autora a título de indemnização de clientela. Ainda assim inconformadas, pedem, Autora e Rés, revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    (1) A VALIDADE DAS NORMAS DE DIREITO COMUNITÁRIO DA CONCORRÊNCIA EM SITUAÇÕES QUE NÃO AFETAM O COMÉRCIO ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS

    (2) DEFINIÇÃO DE ABUSO DE DEPENDÊNCIA ECONÓMICA E A ANÁLISE DA SITUAÇÃO SUB JUDICE

    (1) O Tribunal, tendo presente anteriores decisões, confirma o primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional, reafirmando, contudo, que o Regulamento (CE) n.º 1475/95, de 28 de junho, agora substituído pelo Regulamento (CE) 1400/2002, de 31 de julho que regula a aplicação do artigo 81.º, n.º 3 do TFUE a certas categorias de acordos verticais e práticas concertadas no sector automóvel, como direito comunitário apenas se aplica quando estiverem em causa relações transfronteiriças.

    (2) O Tribunal entende como Abuso de Dependência Económica “a prática que decorre da utilização ilícita por parte de uma empresa do poder ou ascendente de que dispões em relação a outra empresa, que se encontra em relação a ela num estado de dependência, por não dispor de alternativa equivalente para fornecimento dos bens ou prestação dos serviços em causa”, considerando assim esta prática como restritiva da concorrência, de acordo com o exposto no artigo 7º da Lei n.º 18/2003.

    O Tribunal enumera assim vários elementos caraterizantes da figura do abuso de dependência económica: “(i) o abuso de dependência apenas se pode verificar numa relação vertical entre duas empresas; (ii) a empresa “vítima” tem que se encontrar num estado de dependência económica da empresa “dominante”, atendendo à inexistência de alternativas equivalentes. Considerandose que a empresa “vítima” não dispõe de alternativa equivalente quando o fornecimento do bem ou serviço em causa for assegurado por um número restrito de empresas e a empresa “vítima” não puder obter idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais num prazo razoável; (iii) a empresa dominante tem que ter adoptado comportamentos em relação à empresa “vítima” que, no âmbito daquela relação de dependência, sejam considerados abusivos. Exemplificando a lei alguns desses possíveis comportamentos abusivos, tais como a recusa de fornecimento, o corte abrupto de relações comerciais, tendo em conta as relações comerciais anteriores ou os usos do ramo de actividade económica, entre outros; e, finalmente, (iv) a exploração abusiva da situação de dependência económica tem de ser susceptível de afectar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência”. Face ao exposto, o Tribunal considerou ilícitos os comportamentos da Ré.

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de abril de 2002

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de abril de 2002

    PROCESSO: 01B4170

    RELATOR: FERREIRA DE ALMEIDA

    DATA: 24/04/2002

    TEMÁTICA: Abuso de Posição Dominante

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGOS 6.º, N.º 1, 7.º, N.º 1, 13.º E 14.º, N.º 1 E N.º 3 DO DECRETO-LEI N.º 422/83, DE 3 DE DEZEMBRO; ARTIGOS 2.º, N.º 1, 4.º, 7.º, N.º 2 E 14.º, N.º 2 E 3 DO DECRETO-LEI N.º 371/93 DE 29 DE OUTUBRO.

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    I- Não pode servir como declaração de denúncia a carta em que o subscritor manifesta expressamente o propósito de resolver o contrato de fornecimento, invocando como motivo o facto de a outra parte praticar preços inferiores para com outros clientes, relativamente aos mesmos serviços.

    II- A "equivalência", para efeitos do disposto no artigo 7, n. 1, DL 422/83, de 3/12, não se restringe à existência no mercado de bens e serviços substituíveis, já que tal noção possui um alcance global, definindo ela própria, a existência ou não de dependência económica.

    III- Só é relevante o erro essencial, isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio em si mesmo, e não apenas nos termos em que foi concluído.

    IV- Os deveres de informação e de lealdade pré-contratual respeitam ao negócio que se prepara e não a outros negócios que uma das partes tenha antes celebrado com terceiros.

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Reuters e a Mundiglobo celebraram um contrato de fornecimento de serviços, versando o provimento de informação financeira. Contudo, a Mundiglobo deixou de pagar a contrapartida pecuniária convencionada, o que levou a Reuters a instaurar uma ação judicial tendente ao seu ressarcimento.

    A Ré foi condenada ao pagamento de uma indemnização, tanto pelo Tribunal de Primeira Instância, como pelo Tribunal da Relação, tendo apresentado recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Para tal, alegou a Ré, inter alia, a nulidade do contrato aludido, comunicada por carta de denúncia, consubstanciada no abuso de posição dominante e à prática restritiva da concorrência levada a cabo pela Autora, aquando da negociação do contrato, de acordo com os artigos 14.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 422/83, de 3 de Dezembro.

    De acordo com o alegado pela Ré, esta cessou o pagamento do valor acordado porque a Autora teria, alegadamente, contratualizado o fornecimento dos mesmos serviços com outros clientes a um preço inferior ao que havia negociado consigo, fundamento bastante à nulidade do contrato.

    A Autora contra-alegou que da factualidade assente não permitia concluir nem que a sua atuação consubstanciava abuso da posição dominante, nem a existência de uma prática restritiva da concorrência.

    Desde logo, porque considerava que nada impedia um operador económico de aumentar os preços pelos quais fornece os seus serviços a clientes futuros.

    Ademais, o alegado erro quanto aos negócios celebrados não poderia enfermar a vontade da parte contratante, dado a Recorrente sempre ter tido conhecimento do preço negociado inter partes.

    O Tribunal entendeu, quanto ao suposto abuso de posição dominante suficiente à declaração de nulidade do contrato celebrado entre a Autora e Ré, que os argumentos apresentados pela Recorrente não eram procedentes.

    De facto, o Supremo Tribunal de Justiça subsumiu o presente caso à figura do “estado de dependência económica” ou “abuso da posição dominante relativa”, com recurso à doutrina francesa, explicou reportarem-se a situações em que uma empresa se opõe “(…) a fornecedores ou a clientes, isto é empresas situadas a montante ou a jusante no processo de produção ou distribuição de bens, (…) tanto num plano de relações horizontais – isto é entre empresas produtoras ou distribuidoras do mesmo ramo ou segmento de mercado, como num plano de relações verticais, traduzido este em sentido ascendente ou descendente (empresas distribuidoras relativamente a fornecedores ou produtores e/ou fabricantes ou de empresas fornecedoras ou clientes relativamente a produtores ou fabricantes).”, conforme resultava do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 371/93 de 29 de Outubro.

    Destarte, um operador económico encontrar-se-ia proibido de abusar da dependência económica em que se encontre outra empresa ou cliente face a si, por esta não dispor de alternativa equivalente no mercado relevante, nomeadamente quando o abuso se subsuma a uma das situações previstas no artigo 2.º, n.º 1 do diploma legal supra referenciado.1

    Neste âmbito, a expressão “prestações equivalentes”. Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do DecretoLei 422/83, respeitariam a bens ou serviços idênticos ou similares, de tal modo que seriam similares nas caraterísticas tidas por comercialmente essenciais - por outras palavras, passíveis de substituir outros bens ou serviços sem que tal se repercutisse nos custos de produção ou de comercialização.

    1A fixação, seja ela direta ou indireta, de preços de compra ou de venda, ou a interferência na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo-os artificialmente, constitui um desses comportamentos proibidos (artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei 371/93). No mesmo sentido, quando a fixação do preço, seja ela sistemática ou ocasional, implicar a estipulação de condições discriminatórias de preço em situações equivalentes, vide artigos 13.º e 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/83, de 3 de Dezembro.

    No entendimento do Tribunal, “Torna-se, por isso, necessário verificar se existem ou não alternativas suficientes, bem como avaliar se essas alternativas são ou não razoáveis segundo critérios aferidores de carácter objectivo.

    A detecção da «solução equivalente» terá (…) de resultar de múltiplos factores, tais como a reputação e notoriedade da marca, a quota de mercado do fornecedor, a extensão das relações que este mantém com o cliente, o lapso de tempo necessário para encontrar alternativas e também, a existências de produtos permutáveis em certo mercado, tudo permitindo avaliar o custo resultante da alteração de fornecedor, em ordem a saber se existe ou não a sobredita… «solução equivalente».”

    Ademais, relembrou que, nos termos artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei 422/83, os produtos ou serviços não são considerados equivalentes se ocorrer uma alteração duradoura do seu preço ou das condições de venda entre as datas de conclusão de cada um.

    Destarte, impendia sobre a Ré o ónus da prova da existência dos requisitos necessários à verificação do abuso de posição dominante (relativa) que ela própria invocou (mercê do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil).

    Assim, cabia à Ré comprovar que as empresas às quais a Recorrida fornecia os seus serviços eram suas concorrentes, bem como que essas relações comerciais firmadas eram objetivamente equivalentes à que ela mantinha com a própria Autora.

    O Tribunal considerou a prova produzida insuficiente à conclusão da referida equivalência objetiva – só assim seria admissível a comparação das caraterísticas essenciais comerciais dos contratos –, da mesma forma que se mostrava exígua à tese de a Ré e as demais empresas com que contratou a Autora serem concorrentes2 . Contrariamente, ficou demonstrado que a Autora já prestava os referidos serviços às outras empresas antes de contratar com a Ré.

    Deste modo, concluiu o Tribunal não ter sido definido o mercado relevante comprovado, nem que a Autora detinha uma posição dominante relativa no presente caso, nem que esta tenha agido de forma discriminatória face à Ré. Desde logo, face à falta de contemporaneidade entre os contratos firmados. Depois, e na decorrência desta consideração, porque o funcionamento e as próprias regras do mercado possibilitam à Autora aumentar o preço pelo qual se obriga a fornecer os seus serviços.

    2De acordo com o Tribunal, não é suficiente referir que a Autora prestava os mesmos serviços às várias empresas para concluir que eram concorrentes entre si.

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de outubro de 2011

    Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de outubro de 2011

    PROCESSO: 107/2001.L1

    RELATOR: TOMÉ GOMES

    DATA: 04/10/2011

    TEMÁTICA: Abuso de Posição Dominante

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 4.º DO DECRETO-LEI 371/93, DE 29 DE OUTUBRO, SUBSTITUÍDA PELA LEI 18/2003, DE 11 DE JUNHO [ATUAL LEI 19/2012, DE 8 DE MAIO]; ARTIGO 102.º DO TFUE

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    1. No âmbito de transacções comerciais de compra e venda sucessivas, registadas em processo contabilístico de conta-corrente, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 e 2, do CC, incumbe ao autor provar cada uma dessas transacções, como factos constitutivos do direito peticionado, bem como provar posteriores alterações desses valores a seu favor, veiculadas através de notas de débito; enquanto que incumbe à R. provar os factos extintivos desse direito, como seja o pagamento parcial ou total daqueles créditos, e os factos modificativos que se traduzam na redução dos preços estipulados, nomeadamente por via de notas de crédito sobre as respectivas facturas.

    2. Os acordos de distribuição comercial, indirecta integrada, apresentam como traços caracterísicos comuns a independência jurídica do distribuidor em relação ao fornecedor e a vinculação daquele às instruções e orientações deste na execução da respectiva política comercial, sujeitando-se ao seu controlo ou fiscalização, num quadro de colaboração estável ou duradoura; a obrigação típica do distribuidor integrado é a de promover os negócios do fornecedor, com autonomia mas obedecendo aos objectivos e directrizes definidas por este.

    3. Todavia, a integração do distribuidor na rede comercial do fornecedor pode assumir formas e densidades diversas, consoante os modos e o grau de colaboração estipulados pelas partes, em que se inclui o contrato-quadro de concessão comercial.

    4. Sendo o contrato de concessão comercial um contrato de distribuição normativamente atípico, deve aplicar-se-lhe, por analogia, o regime do contrato de agência, já que aquele envolve uma actividade e um conjunto de tarefas similares às deste, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por uma relação de estabilidade e de colaboração, na mira dum objectivo comum, embora essa equiparação deve fazer-se de forma casuística, dadas as diferenças que podem ocorrer entre um e outro.

    5. À parte que pretenda exercer o direito de resolução do contrato de concessão incumbe invocar e provar, como fundamento, factos que se traduzam na F... de cumprimento, não necessariamente culposo, de obrigações contratuais, principais, secundárias ou até acessórias, imputáveis à parte contrária, mas especialmente qualificados como graves ou reiterados em termos de comprometer a subsistência do vínculo negocial, o mesmo é dizer que o exercício do referido direito depende da existência de justa causa aferível em função do fim contratual; a razão de ser desse condicionamento prende-se com a natureza tendencialmente duradoura do contrato e com a sua função económico-social.

    6. Na aferição da gravidade da F... de cumprimento relevante deve atender-se, designadamente: “à importância do incumprimento em si mesmo no conjunto da relação contratual concreta; à persistência ou repetição do incumprimento; ao tempo já decorrido desde a celebração do contrato; à forma como decorreram anteriormente as relações entre as partes.

    7. A F... de cooperação do credor com o devedor na efectivação da prestação, nos termos do art.º 813.º do CC, constitui causa legítima para o devedor suspender o pagamento.

    8. Tendo a autora omitido esse dever de cooperação, ao não esclarecer a ré sobre quais as facturas que, dentre muitas, estavam por liquidar, bem como os seus exactos montantes, e tendo a ré feito tudo o que estava ao seu alcance para apurar os valores em dívida, era lícito à mesma ré suspender os pagamentos.

    9. Perante uma situação de resolução ilícita do contrato de concessão, por parte da concedente, não se verificando a justa causa invocada como seu fundamento, ao abrigo da alínea a) do artigo 30.º do Dec.-Lei n- 178/86, de 3-7, aquela resolução acaba por se traduzir numa situação irreversível de extinção do contrato, evidenciando deste modo a consolidação de um não cumprimento definitivo do contrato com a consequente obrigação de indemnizar, tornando-se equiparável à cessação por denúncia sem observância de pré-aviso, nomeadamente para efeitos do direito de indemnização de clientela previsto no artigo 33.º do mesmo diploma.

    10. Segundo o nosso regime legal, a “indemnização de clientela” não tem por função ressarcir o concessionário pelos danos que lhe advenham da cessação do contrato resultantes da perda das comissões que auferiria, mas sim proporcionar-lhe uma compensação pela mais-valia obtida pelo concedente através do aproveitamento futuro da clientela angariada, à custa da actividade anteriormente desenvolvida pelo concessionário nessa angariação.

    11. A determinação do montante indemnizatório, nos termos do artigo 34.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3-7, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 118/93, 13-4. seguirá um critério de equidade, balizado por um limite máximo (plafond) equivalente ao valor de uma indemnização anual calculada a partir da média das remunerações recebidas pelo agente - a que deve ser equiparada a média da margem de lucro obtida pelo concedente -, durante os últimos cinco anos ou, tendo o contrato durado menos tempo, durante o período em que estiver em vigor.

    12. Trata-se de um critério formal de decisão, segundo a equidade, o que nos remete para a ponderação das circunstâncias específicas do caso, não à luz dum critério puramente subjectivo, mas dum critério directivo de ponderação e valoração das circunstâncias concretas.

    13. Considerando que a indemnização de clientela visa uma compensação do concessionário pela mais-valia obtida pelo concedente à custa do esforço desenvolvido com angariação da clientela pelo concessionário durante a vigência do contrato, o referido limite máximo funciona como um tecto que visa travar o custo que ela representa para a capacidade financeira do concedente, por sua vez, refletida na média dos ganhos efectivamente obtidos pelo concessionário durante o contrato.

    14. O referido limite não deverá operar, no cálculo da indemnização, como um ponto de partida descendente, mas só intervir quando o montante apurado à luz da equidade ultrapassar a cifra correspondente à aplicação da fórmula legal, ou seja, através do método de apuramento prioritário da mais-valia obtida, à data da cessação do contrato pela concedente, ponderada com os respectivos custos da actividade desenvolvida pela concessionária, para só depois se confinar o seu resultado ao limite máximo estabelecido na lei.

    15. O instituto da exploração abusiva do “estado de dependência económica”, também designado por “posição dominante relativa”, releva do Direito da Concorrência, tendo em vista sancionar as práticas restritivas da concorrência que se traduzam na exploração abusiva por parte de uma empresa que se encontre perante outra numa posição de supremacia no circuito de produção ou de distribuição de bens, inscrevendo-se portanto no plano das relações verticais, seja no sentido ascendente (v.g. distribuidor/ fornecedor), seja no sentido descendente (v.g. fornecedor /distribuidor).

    16. O Direito da Concorrência visa garantir, no quadro do sistema de livre economia de mercado, a igualdade de oportunidades dos agentes económicos, condição elementar da livre expressão da personalidade na vida sócio-económica, desde logo, reconhecida nos artigos 2.º, 61.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 99.º, alínea a) a c) e e) da Constituição da República.

    17. Tanto na ordem jurídica portuguesa como na ordem jurídica da União Europeia prevalece o modelo da concorrência eficaz ou praticável (workable competition), por sua vez, inspirado na ideia de concorrência-meio, não como valor absoluto mas como instrumento de um desenvolvimento económico equilibrado; assim, a exploração abusiva de dependência económica só releva quando seja susceptível de desvirtuar o jogo concorrencial de determinado mercado, nos termos do pelo artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 371/93, de 29-10 - entretanto revogado e substituído pela Lei n.º 18/2003, de 11-6 (Lei da Concorrência).

    18. Na generalidade dos contratos de dependência, a dependência económica poderá resultar da conjugação de três factores: a existência de uma relação contratual; a importância que esta reveste para a continuação em actividade do contraente mais débil; a constância da ligação entre as partes, em função da qual um dos contraentes organiza as respectivas actividades.

    19. Têm sido utilizados como critérios de dependência económica: a) - a notoriedade da marca; b) - a quota de mercado do fornecedor; c) - a parte representada pelos produtos do fornecedor no volume de negócios do distribuidor; d) – a possibilidade que este tem de obter, junto de outros fornecedores, mediante a “avaliação de alternativa equivalente”.

    20. Apesar da autonomia jurídica do concessionário perante o concedente, poderá, ainda assim, existir dependência económica para efeitos de aplicação do instituto da exploração abusiva do “estado de dependência económica”.

    21. Todos os elementos integrativos do tipo legal do abuso da dependência económica configuram factos constitutivos da proibição estatuída e da correspondente sanção civil, recaindo o respectivo ónus probatório sobre a parte que desta se pretenda valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, ainda que o possa conseguir através da prova de factos indiciários.

    22. No âmbito do contrato de concessão comercial, para efeitos de determinação do grau de dependência económica, a relevância da notoriedade da marca será tanto maior quanto maior for a reputação e notoriedade da mesma, mas tal factor não pode ser visto isoladamente, devendo ser aquilatado em função do peso que essa marca tenha no volume de negócios do concessionário.

    23. Relativamente à quota de mercado do fornecedor, embora se trate de um critério de grande relevância, em sede de domínio absoluto, para efeitos de caracterização da dependência económica perde tal relevância, importando saber em que medida é que essa quota de mercado torna o fornecedor “parceiro obrigatório” dos seus distribuidores concorrentes.

    24. No que respeita ao peso dos produtos do fornecedor no volume de negócios do distribuidor, tudo está em avaliar a importância que o produto em causa têm na gama de negócios do concessionário e na consequente organização da sua estrutura mercantil dirigida ou confinada à promoção desse produto no mercado.

    25. Quanto à “avaliação de alternativa equivalente”, em que pesam fundamentalmente as condições de que o concessionário disponha para encontrar no mercado uma solução alternativa e os custos que terá de suportar com a adaptação da sua organização empresarial a novas soluções, essa avaliação terá de ser equacionada em função do regime de cessação do contrato, mormente mediante a ponderação dos prazos de pré-aviso da denúncia do contrato por parte da concedente.

    26. No caso presente, não se provando que a ré não dispusesse, no mercado, de uma alternativa equivalente ao tipo de produtos fornecidos pela A., terá de concluir-se pela não verificação do alegado estado de dependência económica.

    27. Ainda que a ocorrência de dependência económica não reúna os requisitos de relevância em sede de Direito da Concorrência, pode mesmo assim relevar no âmbito da responsabilidade contratual ou da responsabilidade extracontratual, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    O presente processo tem como peça central um contrato de concessão comercial em que a Ré se obrigou a comprar uma determinada quota de bens à Autora para fins de revenda em território nacional. A Ré assumiu, no mesmo contrato, obrigações para a promoção do produto e de serviços de assistência pós-venda.

    A Ré, alegando a existência de uma cláusula de exclusividade, teria solicitado, por diversas vezes, a revisão dos preços praticados pela Autora no fornecimento desses bens, dado existirem outras empresas concorrentes retalhistas a vender os mesmos produtos, através de mercado paralelo. Não tendo obtido qualquer resposta, e entendendo que à Autora era possível, face às margens de lucros por esta apresentava, redefinir os preços dos produtos, entendeu suspender o pagamento das faturas.

    Tal posição culminou na denúncia do contrato por parte da Autora, pelo que esta incorreu, de acordo com a Ré, em abuso do estado de dependência económica da Ré, violando o estipulado no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro (posteriormente revogado e substituído pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, o qual, por sua vez, foi substituído e revogado pela Lei 19/2012, de 8 de Maio).

    O Tribunal Cível de Lisboa considerou o pedido de indemnização formulado pela Autora totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido. Ao invés, julgou parcialmente procedente a reconvenção, condenando a Autora a pagar à Ré uma indemnização no montante global de 579.720,96 $ pela resolução ilícita do contrato, a título de indemnização de clientela, a título de despesas suportadas pela Ré com as reclamações apresentadas pelos clientes, a título de encargos com os transportes dos produtos F… e a título de encargos relativos à publicidade promovida pela Ré, sem prejuízo de juros de mora desde a notificação da contestação/reconvenção até integral pagamento.

    Insatisfeita, a Autora apresentou recurso, denegando a existência de qualquer cláusula de exclusividade de distribuição e comercialização dos produtos F… à Ré, visto que esta também comercializava outros produtos de outras marcas.

    Ademais, relativamente à margem de manobra para baixar preços, alegou a Autora que não ficou comprovada em sede da decisão recorrida que não tinha baixado os referidos preços deliberadamente, com vista a levar a Ré a desistir da venda dos pneus F… e para concentrar, em si, a venda desses mesmos produtos.

    A Ré alegou, também em sede de recurso, que foi o seu prestígio que possibilitou a introdução e desenvolvimento a venda da marca dos pneus F… por todo o território português, fidelizando clientes fiéis à marca.

    Além disso, alegou que a Autora sempre se mostrou indisponível para discutir a questão da violação da cláusula de exclusiva. Além disso, após o término do contrato, a Autora teria realizado uma campanha de redução de preços junto do mercado retalhista português, após ter levado a cabo um aumento desmesurado do preço dos produtos que fornecia à Ré, conduzindo à expulsão desta da relação comercial, face aos prejuízos económicos que teve de suportar.

    Pelo que, face à notoriedade mundial da Autora no mercado dos pneus, dado a Ré depender economicamente da distribuição da Autora (esta representaria 1/3 do volume de negócios da Ré, logo, grande parte dos seus resultados contabilísticos dependiam dos preços que a Autora fixava) e de não possuir dentro da sua estrutura empresarial, nem fora dela, alternativa equivalente (para o qual teria concorrido a resolução do contrato sem respeito pelo período de pré-aviso mínimo), a Autora teria explorado abusivamente a situação de dependência económica da Ré.

    O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    (1) DEFINIÇÃO DE ABUSO DE DEPENDÊNCIA ECONÓMICA – POSIÇÃO DOMINANTE RELATIVA

    (2) PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS DE ABUSO DE DEPENDÊNCIA ECONÓMICA

    (1) O instituto do Abuso de Dependência Económica, também conhecido como abuso de “posição dominante relativa”, existe no âmbito do Direito da Concorrência com o objetivo de sancionar práticas que possam ser restritivas à Concorrência e que se traduzam na “exploração abusiva por parte de uma empresa que se encontre perante outra numa posição de supremacia no circuito de produção ou de distribuição de bens, inscrevendo-se portanto no plano das relações verticais, seja no sentido ascendente (v.g. distribuidor/fornecedor) ou no sentido descendente (v.g. fornecedor/distribuidor).”

    Ainda que o instituto de Abuso de Dependência Económica não se encontre expressamente previsto no Tratado da União Europeia ou no Tratado de Funcionamento da União Europeia, este surgiu na ordem jurídica portuguesa inspirado no direito francês, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro – entretanto revogado e substituído pela Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho e, posteriormente, pela Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (Lei da Concorrência). O seu âmbito de aplicação compreende as situações não subsumíveis aos casos de abuso de posição dominante (“posição dominante absoluta”, previsto no artigo 3.º do mesmo diploma legal).

    Ou seja, o referido instituto será aplicável quando uma empresa, apesar de não deter o domínio do mercado específico de um bem ou serviço, detém uma prevalência relativa sobre outro agente económico no mesmo mercado, explorando abusivamente de tal posição de forma a deturpar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência.

    (2) É relevante para efeitos de análise da situação, esclarecer que neste contrato de concessão a concessionária (Ré) “age em nome e por conta própria, adquirindo a mercadoria e correndo o risco da sua comercialização, auferindo como lucro a diferença entre o preço da compra dos bens ao concedente e o preço de revenda ao público, deduzidos os custos de comercialização.” Tendo esta nota em consideração, interessou ao Tribunal determinar se, apesar da autonomia jurídica do concessionário, há ainda lugar à aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 371/93, que regula sobre a dependência económica.

    Destarte, o primeiro requisito a verificar, na verificação da existência ou não de uma situação de violação do Direito da Concorrência por exploração abusiva da situação de dependência económica por parte de uma empresa face a outra, é a existência de uma situação de dependência económica de uma empresa face a outra.

    Sendo que o preceito legal não estabelece quais deverão ser as caraterísticas presentes para estarmos perante uma situação de dependência económica, o Tribunal socorreu-se da doutrina para os determinar:

    “a) a notoriedade da marca;

    b) a quota de mercado do fornecedor;

    c) a parte representada pelos produtos do fornecedor no volume de negócios do distribuidor;

    d) a possibilidade que este tem de obter, junto de outros fornecedores, ‘produtos equivalentes’”

    Estes critérios já estariam implícitos no dispositivo legal, através de uma interpretação teleológica e sistemática (junto das práticas proibidas que sejam suscetíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado).

    a) Quanto ao requisito da notoriedade da marca, a avaliação a ser levada a cabo não se pode cingir a um mero espectro objetivo, que se bastaria com a conclusão de que o grau de dependência económica seria tanto maior quanto a reputação e notoriedade da marca em causa. Ao invés, o tribunal considerou que deve ser levada a cabo uma avaliação relativa, aferindo o relevo que essa marca tem no volume de negócios da empresa que, supostamente, se encontra em estado de dependência económica face a ela.

    b) Relativamente ao critério da quota de mercado do fornecedor, entendeu o Tribunal que deve ser aferido, no seio do mercado relevante, se a quota de mercado que o concedente detém o torna “fornecedor obrigatório” dos seus distribuidores concorrentes.

    c) No que concerne ao requisito do peso dos produtos do fornecedor no volume de negócios do distribuidor, deve ser avaliado o relevo que o produto em causa tem na gama de negócios do concessionário e na consequente organização da sua estrutura mercantil dirigida ou confinada à promoção do produto no mercado.

    d) Finalmente, quanto à avaliação da alternativa equivalente, devem ser sopesadas as condições que o concessionário dispõe para encontrar, no mercado, uma solução alternativa e os custos que haverá de suportar para moldar a sua estrutura organizativa empresarial a novas soluções.

    Ademais, tendo em conta existência de um contrato de concessão comercial, terá de ser tida em conta o regime de cessação do mesmo, dado um contrato a termo determinado importar, em regra, tempo para que o concessionário considere as opções que tem ao seu dispor no caso de rutura do contrato. Ao invés, quando o contrato é realizado por tempo indeterminado (como é o caso), terá de ser tido em conta a razoabilidade com que a denúncia é realizada para permitir essa mesma adaptação, não obstante o concessionário não poder contar com a subsistência do contrato ad eternum.

    Assim, o tribunal entendeu que “(…)tudo aponta para que o produto objecto da concessão se encontrava protegido por uma marca de reconhecida notoriedade no segmento de mercado relevante (o mercado de pneus, de marca “F...”), sendo que tal produto representava cerca de 1/3 do volume de negócios da R. e que a R. era a representante exclusiva daquela marca no território da concessionado (…)

    Constata-se também que os produtos “F...” fornecidos pela A., apesar de representarem apenas 1/3 do volume de negócios da R., eram essenciais para a sua imagem no mercado, a ponto de levarem esta a não desistir da respectiva comercialização, mesmo com o sacrifício dos respectivos resultados, o que era do conhecimento da própria A.. Acresce que a F... era a única marca que produzia pneus para jiipes e para camiões de construção radial, que a R. comercializava, mas que deixou de dispor com a cessação do contrato (…)

    Ante a inflexibilidade da A. em não rever os preços praticados, a R. mantinha o seu interesse na concessão, não obstante a insistência feita para conseguir tal revisão (…)

    Provou-se também que estavam a ser praticados no mercado, por outras empresas, preços de produtos “F...” bastante inferiores aos preços que a R. conseguia da A., do que esta teve conhecimento prestado pela R., sem que se dispusesse a rever tais preços, não obstante dispor de margem para tanto. No entanto, dos factos provados não resulta qual o envolvimento da A. nessa distribuição paralela.

    Nestas circunstâncias, a questão que se coloca é saber se a R. dispunha, no mercado, de alternativa equivalente ao negócio que vinha mantendo com a A., ou seja, se a R. podia aceder ao tipo de produtos fornecidos pela A., junto de outros fornecedores, em condições equiparadas ou até mais favoráveis sem necessitar de grande esforço de investimento de adaptação em prazo razoável.

    Neste particular, o que se colhe da factualidade provada é que a R. não estava impedida de comercializar marcas concorrentes da A. e que, mesmo depois de cessação do contrato, obteve fornecimentos de outras marcas, (…). Não consta também que a R. tivesse de efectuar relevante adaptação da sua estrutura empresarial para o efeito, já que 2/3 da sua actividade era destinada a outras marcas. E, não obstante a essencialidade dos produtos “F...” para a imagem da R. no mercado, não se provou que essa imagem tenha sido afectada (…)

    Assim sendo, tudo aponta no sentido de que a R., face a distribuição paralela dos pneus “F...”, optou por uma estratégia de pressão sobre a A. para conseguir a revisão de preços, em vez de procurar uma solução alternativa no mercado, que nada nos diz que não se existisse, pelo menos desde o momento em que foi confrontada com a quebra nas vendas, ou seja, a partir de 1997.”

    Deste modo, tribunal concluiu que não se verificava a existência de um estado de dependência económica, pois a Ré não havia logrado comprovar que não dispunha, no mercado, de uma alternativa equivalente ao tipo de produtos fornecidos pela Autora e, por conseguinte, que o comportamento da Autora não constituiu exploração abusiva restritiva da concorrência, nos termos previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 371/93.

    Por todo o exposto, acordaram os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação da Autora e totalmente improcedente a apelação subordinada, operandose a compensação dos créditos reconhecidos à Ré sobre o crédito total da Autora.

  • Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – 1ª Secção Cível – J20 de 03 de outubro de 2016

    Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – 1ª Secção Cível – J20 de 03 de outubro de 2016

    PROCESSO: 1774/11.9TVLSB

    DATA: 03/10/2016

    TEMÁTICA: Abuso de Posição Dominante

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central de Lisboa – 1ª Secção Cível – J20 de 03 de outubro de 2016

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    I - “[I]mpõe-se concluir que a A. não logrou provar os elementos necessários à demonstração de uma margem negativa entre o preço grossista e o preço retalhista ou sequer uma margem positiva, mas insuficiente para fazer face aos custos de um OIE à Telepac, seja com base nos preços e custos da Telepac, seja com base nos preços e custos da Clixgets, pelo que não logrou demonstrar que a prestação do preço ( grossista) estabelecido na cláusula 7 do contrato estabelecido entre a PTC e a Novis traduzia uma compressão de margens e, deste modo, a A. não logrou demonstrar que o objecto imediato da referida cláusula viola as normas imperativas de direito da concorrência, improcedendo deste modo a pretendida nulidade da cláusula 7 da versão 11 da Oferta Rede ADSL PT.”

    II- “[C]arece de fundamento jurídico pretender-se que o dever de não abusar de uma posição dominante é um dever contratual pelo que a sua violação nunca poderá dar lugar a uma acção de incumprimento, tal como previsto no art.º 798º do CC.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    "Optimus Comunicações, SA", agora denominada "Nos Comunicações, SA", pediu a condenação de "Portugal Telecom, SGPS, SA", agora denominada "Pharol, SGPS, SA" e "PT Comunicações, SA" De Comunicações e Multimédia, SA ", no montante de € 11.273.000,00 acrescido de juros, por danos causados por alegado abuso de posição dominante no mercado.

    Em 2000, a Ré "Portugal Telecom" lançou uma oferta contratual de acesso a serviços e rede básica de telecomunicações (transmissão de dados de banda larga através das suas linhas telefónicas) para outros operadores, denominada "Rede ADSL PT". Em Março de 2001, a Autora, após celebração de um contrato não escrito de prestação do serviço "Rede ADSL.PT" com a "Portugal Telecom", começou a utilizar este serviço de acesso à rede.

    Em Julho de 2002, o Grupo “Portugal Telecom”, através da “Telepac”, lançou a primeira oferta de banda larga sob a marca "SAPO ADSL.PT" e, a partir desse momento, a Autora começou a perder clientes e decidiu lançar em setembro de 2002 uma oferta comercial de banda larga para clientes residenciais ("Clix Turbo"), utilizando o novo serviço de acesso oferecido pelo réu "Portugal Telecom".

    Embora o preço cobrado pela "Portugal Telecom" à Autora fosse superior ao preço que este cobrava à “Telepac” (em virtude de descontos que apenas "Telepac" beneficiava), a Autora foi obrigada a aceitar estas condições, caso contrário desapareceria do mercado. Segundo a Autora, as suas margens negativas eram consequência das condições contratuais impostas pelas Rés, pelo que esta prática deveria ser considerada abuso de posição dominante por compressão de margens, o que foi corroborado pela Autoridade da Concorrência Portuguesa que, em Agosto de 2009, impôs sanções à Réus pela prática de lícito jus-concorrencial culposo que causou graves prejuízos.

    A Autora pediu a declaração de nulidade das cláusulas relativas sobrepreço do acesso à rede, tal como o reembolso deste sobrepreço pago entre Setembro de 2002 e Abril de 2005, no montante de € 2.761.000,00 acrescido de juros, e uma indemnização pelos danos causados pelo abuso de posição dominante, no montante de 8.603.000,00 euros acrescido de juros.

    Do ponto de vista da matéria relevante para o Direito da Concorrência, o Tribunal analisou, essencialmente, as seguintes questões:

    (1) A identificação da Cláusula do preço (Cláusula 7 - "Preços do serviço" e Anexo 6 - "Preços e descontos" da "Rede ADSL PT" Oferta);

    (2) A compatibilidade do objeto imediato da cláusula do preço com as normas sobre o abuso de posição dominante por compressão de margens;

    (3) Sendo a cláusula do preço nula, se haveria lugar à restituição do valor do preço pago em excesso pela Autora à Ré pelo acesso grossista à rede entre setembro de 2002 e abril de 2005;

    (4) Se do contrato emergiam deveres de não alterar ilicitamente o contrato e de não usar o contrato como veículo para abusar da posição dominante que a Ré “Portugal Telecom” tinha nos mercados de banda larga e se a violação desses deveres gera o dever de indemnização da Autora pelos danos causados; e

    (5) Em caso de resposta negativa à questão anterior, se haveria lugar a responsabilidade extracontratual das Rés pelos danos causados à Autora.

     

    (1) Relativamente à cláusula do preço, o Tribunal considerou, primeiramente, que os descontos previstos na oferta contratual da "Rede ADSL PT" (e de que apenas a “Telepac” beneficiava) dependiam do número de clientes finais do operador, do período de vigência do acordo com a Ré "Portugal Telecom" e da celebração desse acordo por escrito, o que não era o caso da recorrente. Assim, declarou o Tribunal que “[s]e não fazia parte do concreto acordo celebrado (…) os descontos, se os mesmos não integravam o contrato, os mesmos não têm, na relação entre as partes, qualquer existência jurídica, pelo que não tem qualquer cabimento pretender-se a sua declaração de nulidade.”

    (2) Quanto à compatibilidade desta cláusula com as normas de direito da concorrência, o Tribunal fez as seguintes considerações:

    a) Tendo em consideração que "Portugal Telecom, SA" e "PT Comunicações, SA" eram detidas a 100% pela Portugal Telecom, SGPS SA "e" Telepac, SA "era detida a 100% pela" PT Comunicações, SA ", estas quatro empresas eram uma única empresa, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º, n. ° 2, conjugado com a primeira linha da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.°, ambos da Lei n.º 18/2003 (Lei da Concorrência vigente à data dos factos);

    b)Esta única empresa estava verticalmente integrada no mercado, uma vez que a “Portugal Telecom” operava no mercado grossista e operava a “Telepac” operava no mercado retalhista;

    c) O mercado de produto relevante da Ré “Portugal Telecom” estava delimitado da seguinte forma: (i) por um lado, o mercado a montante/ grossista de acesso à rede da “Portugal Telecom” e, concretamente, à plataforma “Rede ADSL.PT”, que visava permitir que outras empresas pudessem oferecer os serviços de acesso à Internet em banda larga aos consumidores finais; e (ii) por outro lado, o mercado a jusante/ retalhista de prestação de serviços de acesso à Internet em banda larga, com base na rede básica de telecomunicações e, mais concretamente, na plataforma “Rede ADSL.PT”.

    d) O mercado geográfico relevante da Ré “Portugal Telecom” estendia-se a todo o território nacional, na medida em que a rede básica de telecomunicações da Ré tinha cobertura nacional;

    e) A Ré “Portugal Telecom” era uma empresa em posição dominante no mercado grossista, dado que era a única fornecedora de serviços de acesso grossita em banda larga aos operadores e os termos e condições comerciais da oferta “Rede ADSL.PT” foram, até junho de 2003, conformados livremente pela Ré, sem intervenção do regulador setorial.

     

    Perante esta factualidade, impôs-se ao Tribunal afirmar que a Autor não teve outra alternativa senão recorrer à plataforma “Rede ADSL.PT”, para poder entrar no mercado retalhista de prestação de serviços de acesso à Internet em banda larga.

    (3) Após a análise das receitas e custos da Autora, o Tribunal concluiu que esta não logrou provar a margem negativa entre o preço grossista e o preço de retalho, nem uma margem positiva, mas insuficiente para cobrir os custos, pelo que não ficou demonstrado que o objeto imediato da referida cláusula violava as normas de direito da concorrência. Consequentemente, o Tribunal julgou improcedente o pedido de reembolso do preço que a recorrente alegou ter sido pago em excesso pelo serviço.

    (4) No que diz respeito à responsabilidade contratual, o Tribunal declarou que o dever de não abusar de uma posição dominante no mercado é um dever geral de abstenção e respeito e não é um dever contratual. Por esse motivo, a sua violação não pode conduzir à responsabilidade contratual, nos termos do artigo 798.º do Código Civil.

    (5) O Tribunal considerou, igualmente, que não haveria lugar a responsabilidade extracontratual, uma vez que o abuso de posição dominante por compressão das margens não ficou demonstrado pela Autora.

    Assim, o Tribunal considerou totalmente improcedente ação por não provada, absolvendo as Rés de tudo o peticionado.

Auxílios Estaduais

  • Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de fevereiro de 1999 e Apêndice de 04 de maio de 2001

    Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de fevereiro de 1999 e Apêndice de 04 de maio de 2001

    PROCESSO: 028316

    RELATOR: AZEVEDO MOREIRA

    DATA: 10/02/1999

    TEMÁTICA: Auxílios Estaduais

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    DECRETO-LEI N.º 422/83, DE 3 DE DEZEMBRO (ATUAL LEI N.º 19/2012, DE 8 DE MAIO), ARTIGOS 85.º, 87.º, 90.º E 92.º DO TRATADO DE ROMA (ATUAIS ARTIGOS 101.º, 103.º, 106.º E 108.º DO TFUE)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    O carácter “privativo” do entreposto de vinhos Generosos do Douro de Vila Nova de Gaia, ou seja, a sua afectação exclusiva à armazenagem e exploração deste tipo de vinhos consagrado no art. 1 do Dec. n. 12.007 não sofreu alteração com a entrada em vigor da legislação ulterior, nomeadamente os Decs.-Leis ns. 422/83 de 3 de Dezembro e 86/86 de 7 de Maio e o Tratado de Roma.

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Butler Nephew, Autora, ora Recorrente, havia requerido ao Réu, ora Recorrida, o Secretário de Estado da Alimentação, a determinação de inexistência de obstáculo à utilização das instalações das quais era proprietário no Entreposto de Vila Nova de Gaia para o armazenamento, engarrafamento e comercialização de vinhos de pasto.

    O requerimento foi indeferido por aquele espaço haver sido legalmente instituído como único e privativo dos vinhos do Douro em Vila Nova de Gaia destinado à armazenagem e exportação dos vinhos da Região Demarcada do Douro, nos termos previstos no Decreto n.º 12 007 de 31 de Julho de 1926.

    A Autora apresentou recurso, no qual defendia, inter alia, que a manutenção da proibição de instalação de armazéns de vinhos de pasto na zona do Entreposto de Vila Nova de Gaia, consubstanciada no seu caráter privativo e único, era ilegal, dado violar tanto a legislação nacional sobre concorrência (especificamente, o Decreto-Lei n.º 422/83 de 3 de Dezembro), como regras comunitárias sobre a concorrência (designadamente, os artigos 85.º, 87.º, 90.º e 92.º do Tratado de Roma.

    Ora, a Recorrente alegava a existência de uma situação de desigualdade consubstanciada no facto de haver sido permitido a outros operadores económicos (que já possuíam instalações comerciais de vinhos de pasto dentro do Entreposto à data da publicação do Decreto n.º 12 007), continuar a comercializar os seus produtos através do regime excecional previsto no artigo 2.º do Decreto n.º 16 330.

    O STA, reconhecendo, não obstante, que as posteriores alterações legislativas conduziram ao término do caráter único do Entreposto de V. N. Gaia, concluiu que as mesmas não beliscaram a feição privativa do mesmo, contrariamente ao entendido pela Recorrente.

    O Tribunal explicou que o Decreto-Lei n.º 422/83 em nada proibia a existência de uma zona reservada a um tipo de comércio ou indústria – sendo o Entreposto in casu, conforme estabelecido pelo Decreto n.º 12 007, um exemplo disso mesmo. Acrescentou que a interdição, ditada por razões de interesse público, não coloca em causa o respeito pelo princípio da livre concorrência, desde que a todos os operadores económicos sejam conferidas as mesmas condições para desenvolver a sua atividade.

    Assim, concluiu o STA pela inaplicabilidade da legislação nacional e comunitária de Direito da Concorrência, pois a sua aplicação “(…) apenas haveria de impor, por motivo de ordem lógica, a abolição do privilégio fundado naquele Decreto n.º 16 330 gerador da referida desigualdade e nunca a revogação tácita ou a caducidade do regime privativo como pretende a recorrente.” De facto, “(…) a alegada perturbação da liberdade de concorrência tem a sua causa, segundo a descrição dos factos oferecida pela recorrente, não no regime privativo ou de exclusividade em que juridicamente se funda o despacho contenciosamente impugnado, mas justamente na excepção normativa contraposta a que aquele acto é completamente alheio.”

    Em conclusão, ao passo que o artigo 85.º do Tratado de Roma não era simplesmente aplicável, o Tribunal decidiu que, no que concerne o artigo 90.º, que a lei em questão não concedia qualquer tipo de direito exclusivo ou especial a qualquer operador económico, dado que o Entreposto tratava-se somente de uma zona em que qualquer empresa pode desenvolver a sua atividade económica, desde que preencha os requisitos legais necessários a respeitar o objetivo específico do Entreposto.

Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de abril de 2014

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de abril de 2014

    PROCESSO: 627/09.5TVLSB.L1.S1

    RELATOR: BETTENCOURT DE FARIA

    DATA: 03/04/2014

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 4º, N.º 1 DA LEI 18/2003, DE 12 DE JUNHO E ARTIGO 81º, N.º1 DO TCE (ATUAL ARTIGO 101º DO TFUE)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    I - A livre concorrência pode ser definida como a competição de mercado em que existe a igualdade de oportunidades para todos os produtores e a irrestrita possibilidade de opção para todos os consumidores.

    II - Esta definição é válida, quer face ao direito europeu, quer face ao direito interno.

    III- Consequentemente, constituem práticas violadoras das regras de mercado aquelas de que resulte a diminuição das oportunidades de um ou mais produtores, ou das possibilidades de escolha dos consumidores.

    IV - A cláusula do contrato de concessão que determina que o concessionário apenas pode comercializar o produto numa determinada área territorial não viola os princípios de livre concorrência, por não integrar uma partilha de mercado.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    Durante o processo esteve em causa um contrato de concessão entre a Autora e a Ré, no qual estaria estabelecida um cláusula de exclusividade que obrigaria a Autora a reservar a compra de bens para revenda à Ré. No mesmo contrato, estaria estabelecido que a Autora apenas podia praticar a sua atividade numa determinada área geográfica. A Autora veio também a considerar esta prática discriminatória pois o contrato não impedia a Ré a contratar com outra concessionária na mesma área geográfica.

    O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    (1) DEFINIÇÃO DE CONCORRÊNCIA

    (2) CONSIDERAÇÕES SOBRE A TAXATIVIDADE DAS PRÁTICAS PROIBITIVAS DA CONCORRÊNCIA NA LEI DA CONCORRÊNCIA E NO TFUE

    (3) DEFINIÇÃO DE PARTILHA DE MERCADO E ANÁLISE DA SITUAÇÃO SUB JUDICE

     

    (1) O Tribunal compreende que o objetivo da regulação da concorrência está intrinsecamente conectado com a manutenção de uma concorrência livre, em que sejam proibidas as atuações que a visem restringir. Compreende-se assim que “ [a] competição de mercado em que existe a igualdade de oportunidades para todos os produtores e a irrestrita possibilidade de opção para todos os consumidores”, seja a definição teórica aceite face ao direito português (Lei n.º18/2003, de 11 de junho, em vigor à data da resolução do contrato analisado no processo, e revogada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) e face ao direito europeu, tendo presentes o preceito do artigo 81º do Tratado da CE (atual artigo 101º TFUE). (2) As práticas proibitivas previstas nos ordenamentos jurídicos nacionais (Artigo 4.º da Lei 18/2003) e no ordenamento europeu (Artigo 81.º do Tratado da CE, atual artigo 101º da TFUE) não são taxativas, mas meramente indicativas, i.e., serão consideradas práticas proibidas todas aquelas que colocarem em causa a liberdade de concorrência. No caso sub judice devem considerar-se como proibitivas as práticas que resultaram na diminuição de oportunidades de um ou mais produtores ou das possibilidades de escolha dos consumidores. (3) Considerando a alínea d), número 1 do artigo 4.º da Lei 18/2003 assim como a alínea c), do número 1, do artigo 81.º do TCE (atual artigo 101º, número 1, alínea c) TFUE) estamos perante uma prática ilícita: uma situação de partilha de mercado – quando os produtores se conluiam por forma a separar as respetivas ofertas, de modo que, num determinado ponto, os consumidores só encontram o produto de um deles, eliminando-se, portanto, a sua possibilidade de escolha e, consequentemente, a competição entre produtores. Coube ainda ao Tribunal estabelecer se constitui partilha de mercado a situação perante a qual no colocamos que se baseia numa contrato de concessão. De acordo com o estabelecido no artigo 2º, número 2 da Lei 18/2003 (e atualmente no artigo 3º, da Lei 19/2012) “[c]onsidera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica (…)”, assim o tribunal considerou que a ré e cada um dos seus concessionários formam uma única oferta do mercado, não sendo possível concorrerem entre si. Desta forma, não será procedente a alegação de que a cláusula limitadora da área geográfica é ilícita por integrar uma partilha de mercado, por não estarmos num cenário de concorrência.

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005

    PROCESSO: 04B4031

    RELATOR: ARAÚJO BARROS

    DATA: 13/01/2005

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    DECRETO-LEI N.º 371/93 DE 29 DE OUTUBRO (REVOGADO E SUBSTITUÍDO LEI N.º 18/2003 DE 11 DE JUNHO, POSTERIORMENTE REVOGADO E SUBSTITUÍDO PELA LEI N.º 19/2012, DE 8 DE MAIO) E REGULAMENTO 1984/83

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “1. Como decorrência do princípio do contraditório, consagrado, entre outros, no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

    2. A violação do princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, não constituindo nulidade de que o tribunal conhece oficiosamente, pelo que se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do mesmo diploma).

    3. A decisão proferida pela Relação, nos termos do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, por mera remissão para os fundamentos da sentença recorrida, não pode significar o afastamento, puro e simples, do dever constitucional que o tribunal tem de fundamentar as decisões.

    4. Assim, o acórdão não pode fundamentar-se na decisão recorrida quando sejam suscitadas questões que a recorrente deduz pela primeira vez porque, nomeadamente, apenas resultantes da aplicação do direito na sentença recorrida, aquela o não pôde fazer ou se não justificava que o fizesse em momento anterior.

    5. Em tais casos, o acórdão é nulo por omissão de pronúncia (al. d), 1ª parte, do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil).”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Autora, Central de Cervejas, processou o seu vendedor (relação baseada num contrato de concessão) por violação da cláusula de exclusividade e da cláusula de compra mínima.

    Em primeira instância o vendedor invocou a violação do artigo 101.º do TFUE e de uma exceção prevista no Regulamento (CEE) 1984/83. O tribunal considerou o contrato nulo mas não aos olhos da legislação europeia, mas sim sob a égide da legislação nacional.

    Em recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa validou a decisão de 1ª instância.

    Já o Supremo Tribunal de Justiça considerou que “ao não se debruçar sobre as questões que a apelante suscitou, o acórdão recorrido omitiu a pronúncia, violando o comando do artigo 660.º, n.º2 do Código Processo Civil”.

    Em concreto, o Supremo Tribunal de Justiça aponta a omissão de pronúncia do seguinte argumento: «“os contratos deste tipo, atento o pouco peso que têm no mercado relevante, são insusceptíveis de afectar as regras da concorrência;” e que “nenhum vício pode existir que torne nula a cláusula de venda exclusiva inserida no conteúdo do contrato dos autos, uma vez que esta não é susceptível de impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado relevante”.»

    Assim, o Supremo Tribunal de Justiça anulou o acórdão recorrido e determinou “a baixa aos autos do Tribunal da Relação de Lisboa para, se possível, com os mesmos juízes, proferir novo acórdão em que conheça as questões suscitadas pela apelante cuja apreciação omitiu”.

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2012

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2012

    PROCESSO: 3855/05.9TVLSB.L1.S1.

    RELATOR: GRANJA DA FONSECA

    DATA: 17/05/2012

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 85º, N.º 1 DO TRATADO CEE [ATUAL ARTIGO 101.º DO TFUE]; LEI N.º 18/2003, DE 11 DE JUNHO [ATUAL LEI N.º 19/2012]; ARTIGOS 6.º E 8.º DO REGULAMENTO (CEE) 1984/83

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I - Tendo sido definitivamente julgada, em sede de despacho saneador, a eventual caducidade do contrato, objecto dos presentes autos, por despacho transitado em julgado, encontra-se esgotado o poder jurisdicional relativamente a esta matéria.

    II - Mas mesmo que assim se não entendesse, o Regulamento (CE) 1984/83, da Comissão, de 22/06/1983, não seria aplicável aos presentes autos, uma vez que o contrato aqui em causa não tinha a virtualidade de afectar, quer pela sua natureza, quer pelo volume de negócios envolvidos, o mercado entre os Estados-Membros da União Europeia, restringindo-se a sua influência ao mercado nacional.

    III - Por outro lado, o contrato dos autos, bem como todos os outros, com teor semelhante, que a recorrida celebrou com pontos de venda do sector “XXX”, não se subordinam à aplicação da Lei n.º 18/2003, de 11-06, porquanto, para que esses acordos ou práticas se subsumam às imposições do citado diploma legal, têm de ter por objecto ou por efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência em todo, ou em parte, do mercado nacional de cerveja, o que não acontece com os contratos do tipo dos autos celebrados pela autora, atento o pouco peso que têm no mercado nacional de cerveja, não sendo, consequentemente, passíveis de afectar de forma relevante a concorrência desse mercado.

    IV - No entanto, ainda que se entendesse que o contrato, objecto dos presentes autos, estaria sob a égide do Direito Comunitário, não ficou demonstrado que tal contrato se pudesse traduzir numa restrição à livre concorrência, pelo que o mesmo não padece de qualquer nulidade.

    V - A prova produzida pela autora, relativamente ao incumprimento pela não aquisição dos litros contratados, não pode ser censurada pelo STJ, porquanto não existe nenhuma disposição que expressamente exija um meio de prova específico para o facto em causa, muito menos que a prova tenha de ser feita documentalmente.

    VI - Por outro lado, também nenhum dos factos que a ré pretende ver reapreciados ofende disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova.

    VII - Também se não encontra razão, para que o processo seja reenviado para o tribunal a quo, pois não se verificam quaisquer contradições na decisão sobre a matéria de facto.

    VIII - Encontrando-se o contrato em vigor no momento em que a ré deixou de adquirir a cerveja de barril da autora e passou a adquirir cerveja de barril da marca “Y”, a autora procedeu à resolução válida e eficaz do contrato.

    IX - Sendo devida indemnização pela resolução efectuada, e tendo a autora concedido à ré um prazo de dez dias, a contar do recebimento da carta de resolução do contrato, para que esta procedesse ao pagamento da cláusula penal devida, a ré encontra-se em mora desde o terminus desse prazo suplementar concedido.

    X - Tendo em conta os termos em que a autora configurou a acção, isto é, invocando a resolução do contrato e o pagamento da indemnização correspondente, devida a título de cláusula penal, conforme fora acordado pelas partes, não se percepciona que a ré tenha de forma directa pedido a redução da cláusula penal, nem que o tenha feito de forma indirecta ou mediata, isto é, de alguma forma se insurgindo contra o seu valor, reputando-o elevado, terá de se entender como questão nova a invocação, em sede de alegações de recurso, da desproporcionalidade da cláusula penal, na medida em que se possa entender como um pedido de redução.

    XI - Se a alegada desproporcionalidade da cláusula penal constituía uma questão nova perante a Relação, não deixará de constituir também uma questão nova perante o STJ, pelo que não cabe apreciar se a referida cláusula penal é manifestamente excessiva ou desproporcionada, não havendo, por isso, fundamento para a redução da indemnização a que a ré foi condenada.

    XII - Deste modo, não se conhecendo da aplicabilidade do artigo 812.º do CC ao caso em apreço, não se poderá pretender que a interpretação que foi dada a este artigo viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.º da CRP.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A sociedade “CC”, atualmente incorporada na sociedade “AA” 1 (Autora e Recorrida nos presentes autos), celebrou com a “BB” (Ré e Recorrente nos presentes autos), em 21/04/1995, um contrato pelo qual se obrigou, por um lado, a comprar a qualquer que fosse o fornecedor determinados produtos, fabricados ou comercializados na “CC”, para revenda nos estabelecimento de venda de bebidas ao público denominado “O Difícil da Alameda” e, por outro lado, a não adquirir, não colocar à venda nesse estabelecimento produtos similares, não permitir que terceiros o fizessem, nem fazer publicidade aos mesmos. Do contrato decorria, ainda, a obrigação de, em caso de trespasse ou cessão da exploração, inserir uma cláusula no contrato do trespassário ou cessionário, nos mesmos termos, obrigando-se a “CC” a entregar-lhe certa quantia e 24 barris de cerveja por ano e de forma gratuita (dois por mês). Este acordo vigoraria até que a Ré adquirisse 100.000 litros dos produtos estipulados.

    No entanto, a Ré deixou de comprar, a partir de setembro de 2003, os produtos da CC e da Autora, passando a comercializar produtos similares aos contratos, mas comercializados por empresas concorrentes, antes de perfazer os tais 100.000 litros que foram contratados. Em consequência, a Autora declarou resolvido o contrato em fevereiro de 2004.

    O presente processo correu termos pelo Tribunal de 1.º Instância, tendo sido interposto recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa e, por fim, para o Supremo Tribunal de Justiça que teve a oportunidade de proceder, nomeadamente, à apreciação da cláusula de exclusividade que constava do referido contrato.

    1 “Sociedade Central de Cervejas”.

    O STJ considerou que não era aplicável aos presentes autos o Regulamento (CEE) n.º 1984/83, que veio estabelecer os critérios de aplicação do artigo 85º, n.º 1 do Tratado CEE [atual artigo 101.º do TFUE] visto que “o referido Regulamento aplicava-se apenas aos contratos que estivessem sob a égide do Direito Comunitário da Concorrência, o que não será o caso do presente contrato, dado que o mesmo não tem a virtualidade, quer pela sua natureza, quer pelo volume de negócios envolvidos, de afectar o mercado entre os Estados-Membros da União Europeia, restringindo-se a sua influência ao mercado nacional.”

    O STJ acrescentou que “[n]o âmbito da concorrência, as únicas normas que, potencialmente, seriam aplicáveis ao contrato em causa seriam as que regulam o mercado português, nomeadamente, a Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho [atual Lei n.º 19/2012], sem prejuízo dos princípios a aplicar e da interpretação normativa serem comuns.” Contudo, concluiu o STJ que, também, essa legislação nacional não seria aplicável, uma vez que o acordo em apreço nestes autos não teria por objeto ou por efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência em todo, ou em parte, do mercado nacional de cerveja, atento o “pouco peso”, que este e outros acordos com teor semelhante celebrados pela Ré, “têm no mercado nacional”, não sendo, porquanto, passíveis de afetar de forma relevante a concorrência desse mercado.

    Além disso, como a Autora apenas invocou a violação do Direito nacional e europeu da Concorrência, não tendo feito qualquer prova do preenchimento dos pressupostos para aplicação dessa legislação, o STJ declarou que o contrato não sofria de qualquer nulidade.

    Ainda assim, veio o STJ esclarecer que, ainda que se entendesse que o contrato em causa estaria sob a égide do Direito da atual União Europeia, tal não significaria que este constituísse uma prática anticoncorrencial. Na verdade, o artigo 6.º do Regulamento (CEE) 1984/83 dispunha que, nos acordos de fornecimento de cerveja, não era aplicável o n.º 1 do artigo 85º, do Tratado CEE, aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais o revendedor se obriga perante o fornecedor, em contrapartida da concessão de vantagens económicas e financeiras especiais, a comprar só a este, a uma empresa a ele ligada ou uma terceira empresa que ela haja encarregado da distribuição dos seus produtos, para fins de revenda numa loja de bebidas designada no acordo, certas cervejas ou bebidas especificadas no acordo.

    Contudo, por força do artigo 8.º, c) e d) do mencionado Regulamento, ficaria afastada tal inaplicabilidade se o acordo for celebrado por tempo indeterminado ou por um período que exceda cinco anos, na medida em que a obrigação de compra exclusiva diga respeito a certas cervejas e outras bebidas determinadas, ou se o acordo for celebrado por tempo indeterminado ou por um período de mais de dez anos e obrigação de compra só diga respeito a certas cervejas. Assim, concluiu o STJ que o facto da cláusula de exclusividade ultrapassar, em virtude de renovações tácitas, o prazo de cinco anos, não se traduz necessariamente numa prática anticoncorrencial e, por esse motivo, a mesma não será nula. Consequentemente, o STJ considerou totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré (“BB”).

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 janeiro de 2012

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 janeiro de 2012

    PROCESSO: 39/2000.L1.S1

    RELATOR: FONSECA RAMOS

    DATA: 24/01/2012

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    REGULAMENTO (CE) Nº1475/95, DA COMISSÃO, DE 28.06.95; ARTIGO 85º, Nº3 DO TRATADO CEE [ATUAL ARTIGO 101.º DO TFUE]

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I) - Sendo o contrato de concessão comercial um contrato de cooperação comercial e de distribuição, pressupondo uma integração e conjugação de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o seu cariz continuado, duradouro – sem o qual a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável.

    II) – A indemnização de clientela tem como pressuposto basilar a cessação do contrato de concessão (por aplicação analógica do regime legal do contrato de agência) e, como requisitos legais cumulativos, os que constam do art. 33º,nº1, als. a), b) e c) do DL.178/86, de 3.7, exigindose que o concessionário tenha angariado novos clientes para o concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; o concedente venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário e que o concessionário deixe de receber qualquer retribuição por contrato.

    III) – O que está na base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça [repare-se que o critério da sua fixação, pese embora o “travão legal”, é o da equidade], assente na consideração de que se o concessionário proporcionou, pela sua actividade, incremento significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando “substancialmente” para o futuro, em termos de volume de negócios, deve ser compensado pelo esforço despendido.

    IV) No contrato em causa foi acordada a Cláusula 17ª que consagra o direito potestativo de denúncia pelo concedente que, como é inerente a esse instituto, é um direito que pode ser exercido ad nutum, sem prejuízo, todavia, do seu exercício dever salvaguardar a regra da boa-fé, mormente, tratando-se de contrato duradouro, devendo obedecer tal direito a um prazo com pré-aviso razoável. Tal cláusula exclui qualquer indemnização, tendo sido acordado que o prazo de denúncia – dois anos – poderia ser prorrogado por mais um ano, no condicionalismo previsto no seu nº2.

    V) - O Regulamento (CE) nº1475/95, da Comissão, de 28.06.95, já substituído pelo Regulamento (CE) nº1400/2002 de 31.07.2002, regulava a aplicação do nº3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, sempre que estejam em causa relações transfronteiriças, prevendo-se, no seu artigo 5º, o direito do fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição.

    VI) – Aquelas normas comunitárias sobre o sector da distribuição automóvel, não são aqui aplicáveis, desde logo, porque não se trata de relações comerciais transfronteiriças, mas, antes, de um contrato para valer numa muito restrita área territorial portuguesa. Por outro lado, aquela legislação comunitária visa, essencialmente, regular e disciplinar a concorrência e, acima de tudo, a protecção dos concessionários.

    VII) – A Cláusula 17ª do contrato que faculta ao concedente a cessação do contrato, em qualquer caso, e sem nenhuma indemnização, é uma cláusula que acentua a já congénita fragilidade contratual do concessionário, com o gravame de desconsiderar a análise a posteriori duma situação que pode bem ser infractora das regras da boa-fé, pelo que se deve considerar inválida (nula) por violar preceitos cogentes, analogicamente aplicáveis a partir do contrato de agência, e, objectivamente, equivaler a uma renúncia antecipada do direito do concessionário (credor), independentemente de qualquer grau de culpa, violando o art. 809º do Código Civil.

    VIII) – Tendo em conta que a indemnização de clientela se faz com recurso à equidade, que é a justiça do caso concreto, haverá que ponderar o longo tempo de cooperação da concessionária na estrutura e organização comercial do concedente, cerca de 18 anos que, como é objectivo, atravessou períodos de maior ou menor fulgor consumista, com a inerente repercussão no nível de vendas de veículos automóveis, nos investimentos feitos pela concessionária para obter os objectivos visados pelo contrato, e, sobretudo, a consideração do incremento económico (clientela) que, cessada a relação contratual, poderá advir para concedente.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Autora, “AA -Sociedade de Automóveis da Maia, Lda.”, dedica-se à comercialização de veículos automóveis, peças e acessórios dos mesmos e ainda à sua reparação e a Ré, Renault Portuguesa – Sociedade Comercial, S.A.”, é fabricante e importadora de veículos automóveis, peças e acessórios daquela marca Renault.

    A Autora adquiriu instalações e equipamentos e admitiu pessoal no âmbito de um contrato de concessão celebrado com a Ré em 1981. Após esse contrato, foram celebrados outros entre as partes, por força dos quais a Autora procedia à comercialização de veículos da marca Renault e peças e acessórios para os mesmos, adquiridos à Ré, e à prestação de serviços de assistência aos veículos, operando, de forma exclusiva, na zona da Maia (Porto). A Autora podia ainda proceder a vendas na zona do Porto.

    O último contrato foi celebrado entre Autora e Ré, por tempo indeterminado, com possibilidade de resolução a todo o tempo, desde que com um ano de antecedência.

    Em 30 de Julho de 1997, a Ré comunicou, por carta, à Autora a cessação do contrato com efeitos a partir de 31 de Julho de 1999 e em 10.4.2000, intentou, nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa (2ª Vara), uma ação contra Ré, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização de clientela (na quantia de cerca de 2.564.392,23€, acrescida de juros de mora), nos termos do artigo34 do Decreto-Lei n.º 178/96, de 3 de Junho, ou, se assim não se entendesse, a condenação da Ré na mesma quantia por enriquecimento sem causa.

    As Varas Cíveis de Lisboa julgaram improcedentes o pedido da Autora, que, inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este último, por sua vez, revogou a decisão recorrida e condenou a Ré no pagamento da quantia de 1000.000,00€, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da decisão.

    Deste Acórdão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), quer pela Autora por considerar que a Ré deveria ser condenada no pagamento de quantia superior, quer pela Ré por considerar que nenhuma indemnização de clientela é devida, por as partes terem acordado que nenhuma indemnização seria devida aquando da cessação do contrato e por esta indemnização ser contrária ao Direito da atual União Europeia.

    O STJ analisou, no contexto do Direito da Concorrência, a aplicação do Regulamento (CE) nº1475/95, da Comissão, de 28 de junho de 1995 (vigente à data dos factos), sobre a aplicação do nº3 do artigo 85º do Tratado CEE [atual artigo 101.º do TFUE] a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, sempre que estejam em causa relações transfronteiriças. No artigo 5º desse Regulamento dispunha que o fornecedor tinha o direito de fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos, um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição. Pelo que, alegou a Ré que a exclusão da indemnização estava em conformidade com esta legislação.

    Não obstante, o STJ salientou que “[a]s normas comunitárias sobre o sector da distribuição automóvel, não são aqui aplicáveis, desde logo, porque não se trata de relações comerciais transfronteiriças, mas de um contrato para valer numa muito restrita área territorial portuguesa, a Maia (Porto)”.

    Além disso, declarou o STJ que aquele Regulamento que permitia a isenção de proibição de determinadas regras e procedimentos, em princípio não admitidos, em nome da defesa da concorrência no mercado comum, tinha com objetivo a regulação da concorrência e a proteção dos concessionários.

    Assim, “porque não estão em causa regras de concorrência e a indemnização de clientela não poder ser previamente excluída, por virtualmente poder afectar a parte contratualmente mais débil, e, por tal, ter potencial lesivo das regras da boa-fé e do equilíbrio contratual, do ponto em que poderia proporcionar ao concedente um enriquecimento sem causa”, concluiu o STJ que a referida legislação de Direito da União Europeia não era aplicável no presente processo e manteve a condenação da Ré no pagamento da quantia fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de novembro de 2012

    Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de novembro de 2012

    PROCESSO: 1/08.0TBVNC.G1

    RELATOR: FERNANDO FERNANDES FREITAS

    DATA: 20/11/2012

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 81º TRATADO DA CE (ATUAL ARTIGO 101º TFUE)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I - Corolário do princípio da lealdade, que decorre do compromisso dos países aderentes (ou admitidos) à (na) Comunidade Europeia, o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o direito nacional implica a não aplicação do direito nacional que seja incompatível com o Direito da União.

    II – Os artigos 101º. e 102º. do Tratado de Funcionamento da União Europeia visam proteger a concorrência no mercado, impedindo que as empresas restrinjam a concorrência entre si ou relativamente a terceiros mediante a coordenação entre elas.

    III – Assim, uma “troca de informações” que constitua «prática concertada» susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, é proibida pelo artigo 101º., do TFUE pelo que, atento o primado do Direito Europeu, esta proibição, prevalecendo sobre o direito interno, torna inoperante o direito à informação invocado pelo accionista da sociedade anónima que, no mercado, é um concorrente desta mesma sociedade.

    IV – O dossier dos preços de transferência contém informações precisas sobre os custos de produção, pelo que quem a ele aceder fica igualmente com acesso à informação sobre a margem praticada pela sociedade. Assim, atenta a confidencialidade destas informações, e à sua essencialidade para a actividade da empresa, é legítimo que esta vede a um accionista seu concorrente o acesso a tais informações, recusando-lhas, ao abrigo do disposto no nº. 2 do artigo 290º., do CSC.”

     

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Autora propôs em Tribunal uma ação de anulação de uma deliberação social da 1ª Ré, da qual é sócia, alegando que não lhe foram transmitidas as informações solicitadas, que esta seria instada a transmitir a pedido da Autora. A Ré recusou o pedido da Autora pois ambas concorrem no mesmo nicho de mercado e a troca de informações poderia trazer prejuízo para esta. A Autora pediu também a condenação da 2ª Ré a pagar-lhe um valor indemnizatório que eventualmente resultaria de um cálculo dos dados apurados em execução de sentença e que deveria corresponder à diferença dos lucros que a Autora não recebeu pela sua participação social.

    O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    (1) PRIMAZIA DO DIREITO CONCORRENCIAL EUROPEU SOBRE O DIREITO NACIONAL

    (2) ENQUADRAMENTO DA SITUAÇÃO NA FIGURA DE ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE

    (3) TROCA DE INFORMAÇÕES COMO “PRÁTICA CONCERTADA” PROIBITIVA NO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

     

    (1) O Tribunal começou por afirmar a primazia do Direito Comunitário da Concorrência sobre o direito interno. Isto significa que quando existir divergência entre a Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (Lei da Concorrência) e o direito comunitário, prevalecerá este último. O Tribunal esclareceu também que o Regulamento (CE) 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.º e 82.º do Tratado da CE (atuais artigos 101.º e 102.º do TFUE), vem uniformizar a aplicação destes artigos, nos ordenamentos jurídicos nos EstadosMembros, o que não significa que a legislação nacional não aplique medidas mais restritivas, proibindo, e.g., atos unilaterais de empresas. (2) O Abuso de Posição Dominante está prevista no artigo 82º do Tratado da CE (atual artigo 102º do TFUE) contudo, não podemos enquadrar a situação sub judice nesta figura pois, de acordo com as averiguações da Comissão Europeia, as empresas-parte nos procedimentos, apesar se serem importantes no seu nicho de mercado, não são dele líderes. (3) Relativamente à questão “se a troca de informações entre concorrentes, mesmo quando é ‘unidireccional’, ou seja, quando apenas um concorrente proporciona informação ao outro, deve considerar-se um ‘acordo’ segundo o disposto no artigo 81.º do Tratado” a Comissão respondeu que “se um intercâmbio de informação ‘unidireccional’, ocorre no âmbito de contactos contínuos decorrentes da participação de uma empresa no capital social da outra empresa concorrente e se tal intercâmbio permite que a empresa utilize a informação recebida para coordenar o seu comportamento com o da empresa que fornece a informação, esta prática pode constituir um ‘acordo’ ou uma ‘prática concertada’ no sentido do artigo [101.º do TFUE]”. A troca de informações considera-se incluída no artigo 101º do TFUE na medida em que dela resulte, através de causalidade adequada, a obtenção de condições diferentes das normais, i.e., basta que “daí resulte a diminuição do grau de incerteza em que se baseia a concorrência”. Desta forma, o Tribunal avaliação a afetação da concorrência em fatores objetivos. Assim sendo, o conhecimento da estrutura de custos de produção das Rés, por se considerar matéria sensível que deve ser rodeada do maior secretismo por constituir um elemento essencial para a definição da estratégia da empresa. É certo por isso que se a Autora tivesse conhecimento da estrutura dos custos de produção das Rés poderia alterar os seus próprios preços em função desta informação, utilizando a informação para seu benefício. Com base em informação do estudo de mercado feito pela Comissão, o Tribunal conclui que neste caso em particular, a troca de informações requerida pela Autora, constitui prática concertada suscetível de afetar o comércio entre os Estados-Membros, que se enquadra no elenco do artigo 101º do TFUE, prevalecendo sobre o direito nacional (concedia à Autora um direito à informação por força do previsto nos artigos 21º e 58º do Código de Sociedades Comerciais).

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05 de março de 2009

    Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05 de março de 2009

    PROCESSO: 686/2009-6

    RELATOR: GRANJA DA FONSECA

    DATA: 05/03/2009

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 1.º, N.º 1 E N.º S 1 E 2 DO DECRETO-LEI N.º 370/93, DE 29 DE OUTUBRO; ARTIGO 4.º, N.º 1, ALÍNEA E) DA LEI N.º 18/2003 DE 11 DE JUNHO.

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    1ª –A “C”, tendo por escopo a prestação duma determinada actividade (o abate de animais, industrialização e comercialização de derivados), com vista à obtenção de lucro, é uma sociedade comercial por quotas, e foi isso mesmo que os sócios fundadores pretenderam, o que demonstra a inconsistência de que a “C” seja uma cooperativa.

    2ª – Os acordos parassociais são convenções celebradas entre todos ou alguns dos sócios relativos ao funcionamento da sociedade, ao exercício dos direitos sociais ou à transmissão das quotas ou acções.

    3ª – Assim, a administração e a fiscalização duma sociedade ficam fora do universo aberto aos acordos parassociais, pelo que as cláusulas neles apostas que pretendam determinar a conduta dos administradores duma sociedade, bem como a sua fiscalização, não são permitidas por lei, pelo que, contrárias à lei, devem considerar-se nulas.

    4ª – Para se saber se uma dada cláusula de um acordo parassocial condiciona, limita ou determina actos que sejam da competência exclusiva da administração e assim aferir da sua conformidade ou não com o artigo 17º, n.º 2 CSC, importa determinar a competência entre os órgãos sociais.

    5ª – No que respeita às sociedades por quotas, a administração e a representação da sociedade competem aos gerentes, os quais devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, o que significa que a gerência da sociedade abrange o conjunto de actuações materiais e jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam por lei reservadas a outros órgãos.

    6ª – A cláusula 1ª do acordo parassocial, visando a determinação das tabelas de preços é nula, quer por violar a legislação da livre concorrência, quer por invadir uma área de competência exclusiva do órgão de administração.

    7ª – Pela mesma razão – invasão duma área de competência exclusiva do órgão de administração – é nula a cláusula 2ª do acordo parassocial.

    8ª – A cláusula 9ª do mesmo acordo é igualmente nula, por manifesta violação do preceituado no artigo 17º, n.º 2 e artigo 64º, ambos do CSC.

    9ª – Não constitui abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, a conduta das autoras que, apesar de terem outorgado como partes no contrato parassocial, vieram, volvidos alguns anos, invocar a nulidade de algumas das cláusulas desse contrato.

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A presente ação judicial teve como base a celebração de um acordo parassocial entre sócios de um matadouro e uma empresa de processamento de comida. Do referido acordo emanavam regras que visavam disciplinar o direito de voto dos sócios em assembleias gerais quanto a questões de variada ordem.

    Uma dessas questões prendia-se com a tabela de preços a praticar pela sociedade no que concernia o serviço de abate de animais. O objetivo último dessa regra, constante da cláusula 1.ª, era criar um sistema de cálculo que garantisse o respeito por um princípio de igualdade entre a sócia maioritária, que abatia um elevado número de animais, e os sócios minoritários, que abatiam um menor número de animais.

    Assim, através dessa regra, foi determinada uma margem máxima dos preços a pagar pelos diferentes sócios referentes aos serviços prestados pelo matadouro, ao mesmo tempo que lhes conferia um tratamento preferencial em relação a outros clientes em relação a serviços equivalentes.

    No entender das Autoras, tal cláusula violava não só a legislação nacional da concorrência, como invadia uma área de competência exclusiva do órgão de administração.

    Destarte, as Autoras pretendiam que várias cláusulas constantes do mencionado acordo parassocial (do qual também foram signatárias) fossem declaradas nulas (entre elas, a cláusula 1.ª), além de pedirem a condenação das Rés a absterem-se da prática de qualquer comportamento previsto nas cláusulas, mesmo no caso de serem declaradas nulas.

    Uma das Rés contestou, invocando a falta de interesse em agir e ilegitimidade processual das Autoras, além de que a instauração da presente ação consubstanciava uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    Tendo a ação sido julgada procedente, a Ré apresentou competente recurso, defendendo, no que releva à nossa análise, que a cláusula primeira e as demais impugnadas não violavam qualquer preceito legal, pelo que considerava que o Tribunal de Primeira Instância havia aplicado incorretamente os artigos 17.º, n.º 2, e 64.º do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 335.º do Código Civil.

    Face às conclusões formuladas pela Ré e à demais matéria probatória assente, considerou o Tribunal que “(…) o mecanismo criado no acordo parassocial para a determinação dos preços a serem praticados pela C aos sócios [poderia] implicar a existência de preços diferentes entre sócios e não sócios para a mesma prestação de serviços”.

    Destarte, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa foi que tal situação configurava uma violação do Direito da Concorrência, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 370/93 de 29 de Outubro, assim como do artigo 4.º, n.º 1, al. e) da Lei 18/2003, de 11 de Junho, por haverem sido estabelecidas condições de venda discriminatórias relativamente a prestações equivalentes (definida pelo n.º 2 do mesmo artigo como “(…) aquelas que respeitem a bens ou serviços similares e que não defiram de forma sensível nas características comerciais essenciais (…)”), não justificadas por diferenças correspondentes no custo de fornecimento ou serviço – ou seja, uma violação da norma nacional equivalente ao artigo 101.º do TFUE.

    Face ao exposto, o Tribunal declarou a cláusula 1.ª do aludido acordo parassocial nula, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 da Lei 18/2003, dado o preço determinado à luz dessa cláusula poder conduzir a preços diferenciados em relação a prestações equivalentes, violando o princípio da igualdade regente no Direito da Concorrência.

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07 de junho de 2011

    Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07 de junho de 2011

    PROCESSO: 3855/05.9TVLSB.L1-7

    RELATOR: ANA RESENDE

    DATA: 07/06/2011

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 85.º, N.º 1 E 3 DO TRATADO CEE (ATUAL, ARTIGO 101.º, N.º 1 E 3 DO TFUE); REGULAMENTO DO CONSELHO (CE) N.º 1/2003 DE 16 DE DEZEMBRO; DECRETO-LEI N.º 371/93 DE 29 DE OUTUBRO (REVOGADO E SUBSTITUÍDO LEI N.º 18/2003 DE 11 DE JUNHO, POSTERIORMENTE REVOGADO E SUBSTITUÍDO PELA LEI N.º 19/2012, DE 8 DE MAIO)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I - Na reapreciação da matéria de facto, com a realização do necessário exame crítico dos elementos probatórios, não sendo despicienda a exigência que os meios de prova indicados pelo recorrente sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, deverá a Relação conduzir-se com uma acrescida prudência, tendo em conta a falta da imediação, bem como da oralidade, das quais, em princípio, não pode usufruir na formulação do seu juízo, quanto aos factos impugnado.

    II -A mera aposição de uma cláusula de exclusividade num contrato, que por renovações tácitas, face à intenção de se obter determinado objectivo, ultrapassa o prazo de cinco anos, não se traduz necessariamente numa prática anticoncorrencial, ferindo de nulidade o convencionado.

    III -O direito à resolução configura-se como um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, faltando legitimidade resolutiva ao contraente faltoso ou em não cumprimento, nos contratos bilaterais.

    IV - O juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir, a cláusula penal manifestamente excessiva, exigindo-se, para a intervenção judicial, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada, não podendo o tribunal de oficio realizar tal operação, pelo que deverá o devedor solicitar a redução, de forma directa ou mediata, contestando o seu montante, reputando de manifestamente excessivo.“

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A presente ação judicial teve a sua origem no alegado incumprimento contratual da D, Lda. (Ré), pelo que a S, SA (Autora) pediu que o contrato fosse declarado resolvido por esse facto, peticionando ainda que a Ré fosse condenada ao pagamento de indemnização. Alegou, para tanto, existir entre as partes um contrato de fornecimento (após cessão da posição contratual de C para a Autora, enquanto fornecedora), no qual a Ré se havia vinculado à compra dos produtos fabricados ou comercializados pela Autora para posterior revenda no estabelecimento comercial de que era proprietário, independentemente de quem fosse o fornecedor. Ademais, na vigência desse contrato, à Ré não era permitido adquirir ou colocar à venda, por si mesma ou por interposta pessoa, produtos similares aos produtos objeto do contrato, nem tão-pouco promove-los.

    Tendo tal em consideração, defende a Autora que a Ré passou a adquirir e comercializar produtos similares a outros fornecedores, deixando de cumprir o contrato firmado com a Autora. Após interpelar a Ré, a Autora procedeu à resolução do contrato através de carta registada.

    A Ré contestou que só havia deixado de adquirir um dos produtos da Autora por esta haver deixado de prestar a assistência técnica aos equipamentos necessários, mantendo, não obstante, a venda dos restantes produtos por esta fornecidos.

    A sentença julgou procedentes as pretensões formuladas pela Autora, deste modo declarando o contrato resolvido desde 2004 e condenando a Ré ao pagamento de uma indemnização, em respeito pela cláusula penal prevista no contrato firmado entre as partes, acrescida de juros de mora.

    A Ré interpôs recurso de apelação, alegando, no que ao Direito da Concorrência concerne, que a decisão recorrida havia aplicado erradamente o Regulamento CEE n.º 1984/83, da Comissão, de 22 de junho de 1984, relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 85.º do Tratado a certas categorias de compra exclusiva, por não ter tido em conta o prazo de vigência do contrato.

    Em resposta, a Autora alegou que o Regulamento invocado não era aplicável ao caso vertente, por que a natureza e volume de negócios não eram suscetíveis de influenciar o mercado entre os Estados-Membros da União Europeia.

    A Autora alegou ainda que também não seria aplicável a Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (Lei da Concorrência), pois o contrato sub judice não tinha por objeto ou efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência do mercado relevante a nível nacional. Deste modo, o Tribunal considerou o Regulamento CEE n.º 1984/83, de 22 de junho de 1983 inaplicável relativamente à questão da caducidade do contrato.

    Abordou, ainda, a suposta nulidade do regime de venda em exclusividade, à luz da referida legislação comunitária. Neste contexto, relativamente ao regime de isenção previsto no artigo 85.º, n.º 3 do Tratado CEE (atualmente, artigo 101.º, n.º 3 do TFUE), o Regulamento CEE 1984/83 estabelecia, mais concretamente no seu artigo 6.º, “não ser aplicável o n.º1, do art.º 85, do Tratado CEE, aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se obriga perante a outra, o fornecedor, em contrapartida da concessão de vantagens económicas e financeiras especiais, a comprar só a este, a uma empresa a ele ligada ou uma terceira empresa que ela haja encarregado da distribuição dos seus produto, para fins de revenda numa loja de bebidas designada no acordo, certas cervejas ou bebidas especificadas no acordo, afastada ficando, contudo, tal inaplicabilidade se, como dispõe, o art.º 8, o acordo for celebrado por tempo indeterminado ou por um período que exceda cinco anos, na medida em que a obrigação de compra exclusiva diga respeito a certas cervejas e outras bebidas determinadas, considerando-se por tempo indeterminado, por um período de dez anos, quando a compra só diga respeito a certas cervejas, alíneas c) e d).

    Do exposto ressalta que a mera aposição de uma cláusula de exclusividade, que por renovações tácitas, face à intenção de se obter determinado objectivo, ultrapassa o prazo de cinco anos, não se traduz necessariamente numa prática anticoncorrencial, ferindo de nulidade o convencionado.”

    Assim, ainda que se verificasse a existência de um acordo entre duas empresas, em que constava uma cláusula de exclusividade, os demais requisitos cumulativos não resultavam dos elementos probatórios carreados ao processo, mormente a afetação do comércio entre Estados-Membros e a restrição da concorrência, de acordo com o artigo 81.º do Tratado CE (anterior artigo 85.º do Tratado CEE e atual artigo 101.º do TFUE) e com o Regulamento (CE) 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.º e 82.º do Tratado (Texto relevante para efeitos do EEE).

    Da mesma forma, o Tribunal considerou os factos carreados para o processo insuficientes à conclusão de que a cláusula invocada era passível de restringir sensivelmente a livre concorrência dentro do mercado relevante nacional, nos termos tanto do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro, como do artigo 4.º da Lei da Concorrência.

    Como defendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, impende um ónus probatório sobre a parte processual (no caso vertente, a Ré) que pretende ver comprovada a existência de uma situação de violação do Direito da Concorrência. Ou seja, é ela que tem de, em sede processual própria, apresentar factos que permitam concluir pelo preenchimento dos requisitos cumulativos necessários à constatação de uma qualquer situação restritiva da concorrência no mercado relevante.

    Por todo o exposto, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação da Ré improcedente.

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de novembro de 2009

    Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de novembro de 2009

    PROCESSO: 4292/1999.L1-7

    RELATOR: ABRANTES GERALDES

    DATA: 10/11/2009

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGO 101.º, N.º 1 E 3 DO TFUE

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    1. A UEFA é uma organização privada regida pelo ordenamento jurídico suíço cujo poder regulamentar apenas é susceptível de vincular pessoas singulares ou colectivas que integram tal organização.

    2. O art. 14º dos Estatutos da UEFA, na redacção vigente em Setembro de 1997, sobre transmissão televisiva de jogos de futebol, assim como o Regulamento de Transmissões Televisivas elaborado em aplicação de tal normativo estatutário, não são vinculativos para terceiros, designadamente para empresas que exercem a actividade de transmissão televisiva.

    3. Por isso, a transmissão por uma empresa de televisão de um jogo de futebol fora do condicionalismo previsto em tal regulamentação não constitui facto ilícito, não podendo servir de fundamento para outro clube prejudicado pela referida transmissão invocar o direito de indemnização.

    4. Para efeitos de sujeição às regras da concorrência decorrentes do Tratado CE, a UEFA é de qualificar como “empresa”.

    5. A regulamentação da UEFA sobre transmissão televisiva de jogos de futebol que vigorava em Setembro de 1997 e que foi comunicada às Federações Nacionais e aos clubes de futebol que integram tal organização violava as regras de concorrência então definidas pelo art. 85º, nº 1 (actual art. 81º, nº 1) do Tratado CE, estando, por isso, afectada de nulidade.

    6. A nulidade de tal regulamentação sempre impediria que o clube prejudicado pela transmissão televisiva fundasse uma pretensão indemnizatória contra a empresa de televisão. (Sumário do Relator - A.S.A.G).

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    O Vitória Sport Clube (VSC) e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) instauraram um processo judicial contra a Rádio Televisão Portuguesa (RTP), tendo em vista dirimir uma querela relativa a direitos de transmissão televisiva. Os Autores pediam que a Ré fosse condenada ao pagamento de uma indemnização por este ter transmitido uma partida de futebol entre as equipas do Benfica e do Bastia no dia 16 de Setembro de 1997, cuja conclusão somente distou 15 minutos do início do encontro (a regra eram 45 minutos) entre o Autor VSC e a Lazio, ainda que a Ré não tivesse obtido a autorização necessária para transmitir esse encontro, conforme obrigavam os Regulamentos da UEFA, o que levou a que algumas pessoas não fossem ao Estádio do VSC.

    Em sede de contestação, a Ré alegou que esses regulamentos não a vinculavam e que violavam o disposto no Tratado da CE e o Acordo da EEA, no que concerne as regras da concorrência.

    Tendo sido condenada ao pagamento de uma indemnização aos Autores pelo Tribunal de Primeira Instância, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando que o artigo 14.º dos aludidos Estatutos (que regulava as transmissões televisivas e radiofónicas dos jogos de futebol que decorrem no espaço da UEFA) violava o previsto no Tratado da CE e o Acordo EEA, por restrição da concorrência.

    A Ré alegou que, para efeitos de concorrência, a UEFA deveria ser considerada uma empresa, pois a atividade económica que pratica que visa o lucro. Assim, a Ré socorreu-se do entendimento jurisprudencial emanado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, e sustentou que a UEFA estaria sujeita ao Direito da Concorrência.

    No entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa qualquer regulamentação emanada pela UEFA, enquanto organismo associativo e sujeito de direito privado, só vincula sujeitos que a integrem e que, a partir do momento em que visavam regulamentar atividades económicas desenvolvidas no seio da União Europeia, essa regulamentação deveria respeitar as regras da concorrência vigentes.

    Assim, as regras daquele Estatuto são nulas e não produzem efeitos relativamente ao Direito da Concorrência da União Europeia, incluindo o aludido artigo 14.º, o qual foi sido considerado pela Comissão Europeia como passível de restringir a concorrência, de acordo com o artigo 81.º, n.º 1 do Tratado CE (atual artigo 101.º, n.º 1 do TFUE), pelo que não lhe pode ser aplicada a isenção prevista no n.º 3 desse artigo, por não se reportar indispensável ao prosseguimento do objetivo de salvaguarda da qualidade dos jogos de futebol e a afluência ao vivo.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, recorrendo a decisões da Comissão Europeia, demonstrou que as regras da concorrência eram aplicáveis à venda de direito de televisão, enquanto atividade comercial que possibilitava às associações nacionais de futebol, ligas filiadas e clubes obter proveitos económicos consideráveis, fomentando a concorrência entre si.

    Assim, o tribunal entendeu que a UEFA (assim como as Federações Nacionais ou os clubes que as integram) é um agente económico ou “empresa” para efeitos de sujeição ao Direito da Concorrência, mormente no que concerne aos regulamentos por si emanados, que deveriam ser considerados verdadeiros “acordos de empresas”.

    Além disso, considerando o “relevo comunitário” das transmissões televisivas de desporto, não podia deixar de se entender, como defendeu o Tribunal, que se tratava de um “mercado relevante”, sujeito às regras de concorrência, dado os significativos interesses económicos envolvidos.

    Assim, perante a verificação destes três requisitos (“acordo de empresas”, “interesse comunitá- rio” e “mercado relevante”), considerou o Tribunal que o Regulamento da UEFA referente à difusão colocava em causa o funcionamento da concorrência na União Europeia, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, do Tratado CE, dado que para uma entidade poder transmitir um jogo de futebol tinha de solicitar a autorização a uma outra entidade, à UEFA.

    Perante tal factualidade, acordou o Tribunal em julgar procedente a apelação da Ré, dada a regulamentação não lhe ser vinculativa, além do facto de a mesma se revelar vitimada de nulidade, pro violação das regras de concorrência comunitária, pelo que não poderia ser fundamento legal quaisquer pretensões das aduzidas.

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2005

    Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2005

    PROCESSO: 6882/2005-8

    RELATOR: ANTÓNIO VALENTE

    DATA: 24/11/2005

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    ARTIGOS 2.º, N.º 1 E N.º 2, E 5.º DO DECRETO-LEI N.º 371/93, DE 29 DE OUTUBRO; ARTIGO 4.º-A, N.º 1 E N.º 2 DO DECRETO-LEI N.º 370/93, DE 29 DE OUTUBRO.

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    Constitui prática negocial abusiva a que consiste em impor a um fornecedor prestações que não tenham contrapartida ou serviço que as justifique, ou que justifique o seu elevado montante. É assim nulo o contrato em que uma grande superfície exige do fornecedor diversos pagamentos que não tenham ligação objetiva aos fornecimentos.

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DA APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    No âmbito de dois contratos de fornecimento celebrados entre a Carrefour (Portugal) Sociedade de Exploração de Centros Comerciais, S.A. e a Orex Dois – Comércio e Representações, Lda., veio a primeira instaurar uma ação judicial tendente ao pagamento de uma indemnização contra a segunda.

    A pretensão fundava-se no alegado incumprimento por parte da Ré do pagamento de serviços promocionais acordados, além de uma remuneração pelos serviços integrados no Pagamento Centralizado do Carrefour.

    A Ré apresentou pedido reconvencional, alegando que a Autora nunca emitiu notas de débito referentes a essas ações promocionais, além de que esta teria passado a recorrer a uma empresa concorrente da Ré para o fornecimento dos produtos enquanto ainda vigorava o segundo contratado assinado pelas partes. Assim, considerava que não eram devidos os valores alegados, visto o contrato de fornecimento, contrapartida do serviço prestado pela Ré, não se haver mantido em vigor.

    Da mesma forma, os descontos, um esforço de investimento exigido pela Autora para que os fornecedores lograssem colocar os seus produtos nesses espaços comerciais, pressupunham que a Autora não encomendasse produtos a outros fornecedores, o que não aconteceu.

    O Tribunal de Primeira Instância julgou ambos os pedidos parcialmente procedentes , condenando a Ré ao pagamento de cerca de € 85,00, ao passo que a Autora foi condenada ao pagamento de cerca de € 50.000,00.

    No recurso apresentado pela Autora, esta alega que não se encontrava obrigada contratualmente a encomendar produtos à Ré. Algo que o Tribunal rejeitou, acrescentando que o facto de a Autora haver passado a encomendar produtos do mesmo tipo e natureza a uma concorrente direta da Ré consubstanciava um ilegal comportamento unilateral revogatório do contrato, dado haver inviabilizado inequivocamente a prossecução do objeto do contrato, nos termos do artigo 236.º do Código Civil.

    O Tribunal acrescentou ademais que a Autora havia agido de forma abusiva da boa-fé contratual, na medida em que solicitou o pagamento de uma verba referente à abertura de uma loja em que iam ser vendidos produtos fornecidos por uma concorrente direta da Ré, ao mesmo tempo que terminava o contrato em vigor.

    Quanto à nulidade do contrato, invocado pela Ré, fundava-se em obrigações de pagamento de verbas de “Referenciação” de “Rapel de Abertura”. Ficou provado que a Autora fez depender a celebração do contrato da aceitação dessa cláusula, ainda que não estivesse contemplada qualquer contrapartida ou serviço que as justificasse e o valor exigido fosse muito elevado.

    Perante estes factos, entendeu o Tribunal serem aplicáveis os artigos 2.º, n.º 1, ponto 7 do Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro, e 4.º-A, n.º1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 370/93 de 29 de Outubro (o equivalente ao artigo 101.º, n.º1 do TFUE) pelo caráter abusivo dos contratos firmados, mormente por haver sido imposto à Ré o cumprimento de diversas obrigações sem qualquer tipo de retribuição ou contrapartida.

    Destarte, os contratos foram considerados, de facto, nulos, de acordo com o artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 371/93 (sem prejuízo no estatuído no artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil), visto a Autora haver sido incapaz de demonstrar que se verificava uma das circunstâncias justificativas constantes do artigo 5.º do mesmo Decreto-Lei. Assim, mercê do efeito retroativo da declaração de nulidade do contrato, e de acordo com o artigo 289.º, n.º1 do Código Civil, a Autora foi condenada ao pagamento de indemnização que contemplasse todos os montantes pagos pela Ré na pendência dos contratos.

  • Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03 de novembro de 2009

    Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03 de novembro de 2009

    PROCESSO: 572/07.9TBVLC.P1

    RELATOR: RODRIGUES PIRES

    DATA: 03/11/2009

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    LEI N.º 18/2003 DE 11 DE JUNHO (POSTERIORMENTE REVOGADO E SUBSTITUÍDO PELA LEI N.º 19/2012, DE 8 DE MAIO)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I- Se num contrato de mútuo o mutuário cumpre a obrigação a que estava vinculado, procedendo à restituição da quantia mutuada e respectivos juros, não pode haver lugar a qualquer dever de indemnizar, o que, desde logo, exclui a aplicação da cláusula penal;

    II- Tendo-se inserido num contrato de mútuo uma cláusula pela qual o mutuário se obrigava a vender toda a sua produção de leite ao mutuante, esta infringe o disposto nas alíneas c) e g) do n° 1 do artigo 4 da Lei n° 18/2003, de 11.6, que aprova o Regime Jurídico da Concorrência e, assim sendo, deve ser considerada nula, face ao que se dispõe no n°2 do mesmo preceito legal.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    A Autora apresentou perante o Tribunal uma ação declarativa de condenação, peticionando pelo pagamento de €5000, acrescidos de juros de mora. A Autora e a Ré tinham uma relação comercial há mais de 10 anos, através da qual a Ré compraria leite à Autora. Na petição inicial, a Autora alega que vendeu leite à Ré no valor de €8263,12, mas que apenas recebeu €2923,10 de pagamento respetivo. Em sede de contestação a Ré alegou a existência de um contrato de mútuo entre si e a Autora pelo qual a Ré concedeu à Autora um empréstimo de €15000 a ser pago em 20 prestações de €750. No mesmo contrato, estabeleceu-se na possibilidade da Autora não cumprir a prestação estipulada deveria vender toda a produção de leite à Ré. Na falência desta obrigação, a Autora ficaria obrigada ao pagamento de €5000.

    O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE PORTO ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    - A VALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE EXCLUSIVIDADE FACE À LEI 18/2003, DE 11 DE JUNHO QUE APROVA O REGIME JURÍDICO DA CONCORRÊNCIA

    O tribunal começa por analisar o previsto no artigo 4.º, n.º 1, alíneas c) e g) - “São proibidos os acordos entre empresas (…) que tenham como objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:

    (…)

    c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

    (…)

    g) Subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos.” – e o artigo 7.º, n.º 1 – “É proibida, na medida em que seja suscetível de afetar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer empresas fornecedora ou cliente por não dispor de alternativa equivalente”.

    Considerando a cláusula de exclusividade inserida no contrato de mútuo entre a Ré e a Autora, esta implica uma restrição temporária à autora de obter o melhor preço para o seu leite no mercado, assim como “os outros compradores […] ficam impossibilitados de concorrer na compra da produção leiteira da autora.”

    Nesta análise, o tribunal esclareceu também que esta cláusula de exclusividade não se relaciona, de todo, com o objeto do contrato de mútuo em apreço e que, assim sendo, a cláusula de exclusividade referenciada viola o disposto no artigo 4.º, n.º1, alíneas c) e g) da Lei 18/2003, de 11 de junho, devendo por isso considerar-se nula.

    Consequentemente é considerada nula a cláusula penal do contrato de mútuo, que seria ativada aquando do incumprimento da cláusula de exclusividade.

    A Ré alegou, com o objetivo de sustentar, a validade das cláusulas referidas, a liberdade contratual em vigor por força do artigo 405.º, n.º1 do Código Civil e também que a questão em apreço apenas tendo sido suscitada na fase de recurso não deveria ser apreciada por esse tribunal quando não existiu possibilidade de pronúncia pelo tribunal de primeira instância.

    Ambos os argumentos foram descartados pelo tribunal. - Sobre a liberdade contratual referida, o tribunal elucidou que esta se estabelece nos limites permitidos pela lei, assim, as regras limitativas constantes no Regime Jurídico da Concorrência em consonância com o direito europeu, impedem que num contrato de mútuo se insira uma cláusula de exclusividade sem relação com o objeto contratual. - Relativamente à apreciação da alegação pelo Tribunal da Relação quando não foi suscitada no tribunal de primeira instância o tribunal observou que “o regime dos recursos é o da revisão e da reponderação, daí decorrendo que o tribunal ‘ad quem’ não se pronunciar sobre matérias não submetida à apreciação do tribunal ‘a quo’.” Contudo, existem exceções previstas na lei nas quais esta situação se enquadra. O facto da cláusula de exclusividade ofender o previsto no artigo 4.º da Lei 18/2003, significa que se trata de uma alegação de matéria de conhecimento oficiosa e que por isso deve ser apreciada pelo Tribunal da Relação.

  • Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09 de março de 2004

    Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09 de março de 2004

    PROCESSO: 0326904

    RELATOR: ALBERTO SOBRINHO

    DATA: 09/03/2004

    TEMÁTICA: Cartéis | Acordos, práticas concertadas e decisões de associação de empresa

    LEGISLAÇÃO EM CAUSA:
    DECRETO-LEI N.º 371/93 DE 29 DE OUTUBRO (REVOGADO E SUBSTITUÍDO LEI N.º 18/2003 DE 11 DE JUNHO, POSTERIORMENTE REVOGADO E SUBSTITUÍDO PELA LEI N.º 19/2012, DE 8 DE MAIO)

    SUMÁRIO DA DECISÃO:

    “I - O contrato de concessão comercial é um contrato juridicamente inominado segundo o qual um comerciante independente (o concessionário) se obriga a comprar a outro (o concedente) determinada quota de bens de marca para revender ao público em determinada área territorial e normalmente com direito de exclusividade.

    II - A legislação ou regulamentação restritiva das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.446/82, de 22 de Outubro) só é aplicável em relação a cláusulas que não sejam previamente negociadas e aceites por ambas as partes, limitando-se uma das partes a aderir a algo previamente elaborado e sem possibilidade de interferir na sua feitura.”

    RELEVÂNCIA DO PROCESSO PARA EFEITOS DE APLICAÇÃO DE DIREITO DA CONCORRÊNCIA:

    Está em causa um contrato de concessão comercial, entre a Autora, enquanto concessionária e a Ré, que se obrigou “a vender em exclusivo, no seu estabelecimento, determinada marca de café e a consumir certa quantidade mínima mensal, mediante algumas contrapartidas”. Para a Autora, o incumprimento por parte da Ré sustenta a resolução do contrato e a ativação da cláusula indemnizatória acordada.

    Em primeira instância, o Tribunal decidiu pela procedência da ação, sendo a Ré condenada a pagar à autora a quantia equivalente a €5932,80 (à altura ainda em Escudos), acrescida de juros de mora.

    O recurso suscitado pela Ré fundamenta-se num argumento de alteração da matéria de facto e alega a nulidade do contrato e consequentemente a revogação da sentença.

    O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE PORTO ABORDOU AS SEGUINTES QUESTÕES DE APLICAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA; NO ÂMBITO DA NULIDADE DO CONTRATO:

    (1) ANALISA SE ESTAMOS PERANTE UM ACORDO OU PRÁTICA CONCERTADA ENTRE EMPRESAS

    a. ATRAVÉS DA ANÁLISE DA CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE

    b. ATRAVÉS DA ANÁLISE DA CLÁUSULA DE QUOTA DE CONSUMO MÍNIMO

    Tanto no tribunal judicial como sede de recurso podemos encontrar um consenso no que toca à rejeição do argumento de violação da lei da concorrência.

    O Tribunal esclarece que a lei da concorrência (Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de outubro, em vigor à data da celebração do contrato in casu), proibe os acordos e práticas concertadas entre empresas que possam “impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional”. A proibição das práticas restritivas visa “contribuir para a liberdade de formação da oferta e da procura de acesso ao mercado para equilíbrio das relações entre agentes económicos, para o reforço da sua competitividade e para salvaguarda dos interesses dos consumidores”.

    Esclarecidos os objetivos do direito da concorrência, como previstos na legislação nacional, o tribunal observou que os contratos e respetivas cláusulas, em abstrato, podem constituir práticas anticoncorrenciais, contudo será necessária uma avaliação concreta para compreender se estamos perante um desses casos.

    O Tribunal da Relação do Porto definiu que a quota de consumo mínimo definida contratualmente (mínimo de consumo mensal de 100 kg) não afetava a concorrência de parte do mercado de café pois não implica a exclusão da criação de outros distribuidores e assim, não estaria em causa uma violação da lei da concorrência. No que diz respeito, à nulidade do contrato alegada pela Ré, o Tribunal entendeu que o contrato deve permanecer válido, pois quando a Ré o assinou, obrigou-se a consumir apenas o produto da contraparte, consequentemente, colocando em si a obrigação de não vender produtos concorrentes.

    Sobre as questões concorrenciais o Tribunal concluiu que: “Nem aquela cláusula de exclusividade nem esta cláusula de quotas são impeditivas ou mesmo limitativas do livre jogo de mercado, ou seja, que tenham qualquer repercussão anticoncorrencial”.

Advertência: A jurisprudência disponibilizada não substitui a consulta do texto integral da mesma nas fontes oficiais.