Cristina Luísa Silva: “Gosto mais de conhecer pessoas do que lugares.”
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Cristina Luísa Silva é docente e investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Cresceu com uma inclinação natural para a Matemática e é licenciada em Engenharia Química e doutorada pela ESB em Biotecnologia com especialização em Ciência e Tecnologia Alimentar. Tem dedicado a sua vida à investigação, ao ensino e ao trabalho em rede. Em 2022, foi distinguida a nível internacional na área de engenharia e tecnologia alimentar, através da eleição para Fellow da Academia Internacional de Ciência e Tecnologia Alimentar. Gosta muito de viajar e está sempre aberta a descobrir e a fazer coisas novas: “Entusiasma-me mergulhar em áreas novas, gosto da novidade.”
Em criança, quais eram as disciplinas que mais a entusiasmavam?
Matemática! Só não segui Matemática na Universidade, porque achava que não queria ser professora e, na altura, não se sabia o que se sabe hoje sobre carreiras e diferentes saídas profissionais. Acabei por seguir Engenharia Química. Um primo mais velho que eu, estava a tirar este curso, e eu achei que podia ser também um bom caminho para mim.
Tem um perfil muito quantitativo e analítico?
Sim e acho que é genético. Toda a minha família tem esse perfil. Na família, somos maioritariamente engenheiros – mecânicos, químicas, eletrotécnicos e de computadores. A matemática é-nos muito natural.
Tem dedicado a sua vida à área alimentar. Quando é que se cruza com esta área?
Foi durante o meu mestrado aqui na Escola Superior de Biotecnologia, onde também fiz o doutoramento em Biotecnologia, com especialização na área da Ciência e Tecnologia Alimentar. Nesses tempos também já tinha começado a dar aulas. Cruzei-me com esta área, mas de facto penso muitas vezes que podia ter enveredado por muitas outras áreas. Tenho um perfil muito semelhante ao de alguns alunos que vejo hoje em dia um pouco perdidos. Gosto de lhes transmitir que isso não é um problema. Eu própria tenho ainda hoje muitas coisas de que gosto
O caminho vai-se fazendo…
Teria sido feliz noutras áreas?
Acho que sim, podia ter escolhido muitas outras. O que fiz sempre foi dar o meu melhor para poder escolher, essa foi sempre a minha preocupação. Ainda hoje me fascinam tantas outras áreas nas quais espero um dia também poder vir a contribuir. Entusiasma-me mergulhar em áreas novas, gosto da novidade, do que é novo. Gosto de me reinventar. Às vezes, as pessoas ficam tristes por perder um cargo ou uma função. Eu vejo isso como uma oportunidade.
Que disciplinas leciona? Tem também estado muito ligada a projetos e redes internacionais …
A minha área é muito multidisciplinar. Leciono as disciplinas de Tecnologias Alimentares Avançadas, Mecânica de Partículas Aplicada, Mecânica de Fluidos e Fenómenos de Transferência Aplicados. Coordenei, durante nove anos, uma rede temática Erasmus. Este projeto europeu chegou a ter mais de cinquenta países membros. Dediquei-lhe muito tempo, à sua gestão e dinamização.
Como olha para o fenómeno atual da Inteligência Artificial?
É uma área que me interessa muito, mas, de facto, não é propriamente uma realidade nova na minha vida. Algures nos anos 90, participei num projeto para uma empresa para o qual descrevi matematicamente um fenómeno. Estabeleci uma relação entre entradas e saídas e consegui organizá-lo numa fórmula. Uma só expressão matemática que resumia muitos dados e simulações. Costumo dizer que consegui "meter o elefante pelo buraco da agulha", porque eram milhares de simulações e consegui organizá-las todas. Uma vez, alguém me disse: “Isso é inteligência artificial.” E eu percebi que sim, que já nos anos 90 fazia isso.
Como é que a IA a ajuda no seu dia-a-dia?
Ajuda-me a organizar as ideias, a estruturar reflexões e redigir e-mails. Aos meus alunos tenho dito para usarem a Inteligência Artificial de forma crítica. Se usamos a IA no nosso dia-a-dia é para termos mais tempo para pensar e para refletir criticamente, nessa tarefa ninguém nos pode substituir. É importante darmos as ferramentas aos nossos alunos. Já ninguém faz cálculos à mão, usamos a máquina de calcular. Não faz sentido ir a pé até Paris, quanto temos o avião. Atualmente, a IA permite-nos ir a sítios onde, de outra forma, não conseguiríamos ir. Há pouco tempo ouvi numa formação que estamos no meio de uma revolução e nem nos apercebemos disso. A verdade é que já estamos a usar a IA sem darmos conta.
Em 2022, foi distinguida a nível internacional na área de engenharia e tecnologia alimentar, através da eleição para Fellow da Academia Internacional de Ciência e Tecnologia Alimentar.
Sinto-me sempre pequena para ter sido eu a escolhida. Fui nomeada pela contribuição para a comunidade internacional, pelo empenho na construção de redes. Curiosamente, é uma área onde entrei de alguma forma sem querer, porque não era algo que estivesse nos meus planos. Mas aconteceu e acabei por me dedicar muito à criação de redes com dezenas de países por todo o mundo.
Gosta de viajar …
Gosto muito. Sempre quis viajar muito e a investigação proporcionou-me isso.
Hoje toda a gente viaja, mas quando comecei o curso, em 1983, viajar era algo mais difícil, mas eu sentia esse desejo. Queria conhecer outras pessoas, saber como viviam.
Uma viagem marcante?
Pequim, China. Fomos até à Grande Muralha. Foi uma experiência muito diferente. Também gostei muito de ir à Islândia e gosto muito da América Latina. Sempre que lá vou, sinto uma energia especial, como se, noutra encarnação, tivesse sido de lá. Talvez seja a energia das pessoas. Gosto mais de conhecer pessoas do que os lugares. Talvez conheça os lugares através das suas pessoas…
E em Portugal, qual o seu lugar favorito?
O mar do Norte. O nosso mar é batido. Gosto do cheiro a maresia. Nós, portugueses, somos do mar.
18-06-2025