José Luís Moreira da Silva: “Os grandes vinhos são feitos no risco.”

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José Luís Moreira da Silva é enólogo e integra o Conselho de Administração do Esporão. É licenciado em Microbiologia e pós-graduado em Enologia pela Escola Superior de Biotecnologia. Dos seus anos na Católica, destaca a investigação como tendo tido um grande impacto na sua carreira profissional. No Esporão, cuja missão é produzir os melhores produtos que a natureza proporciona, lidera uma equipa de muitas pessoas e gere as operações não só do vinho, mas, também, do azeite e da cerveja. Sobre o vinho? Destaca os grandes desafios do setor e partilha que “o vinho tem o poder de elevar qualquer momento”.

 

O momento da vindima é sempre especial?

Acima de tudo, é muito intenso. O tempo de vindima é sempre exigente e implica também um grande esforço físico. O meu primeiro contacto com o mundo dos vinhos acaba por coincidir precisamente com um momento de vindima. Essa vindima foi especial por esse motivo. Foi uma descoberta total para mim.

 

Vai para o curso de Microbiologia, longe de pensar que o vinho viria a ser a sua vida.

Eu queria ser médico. Na altura, entrei para Microbiologia com a ideia de depois conseguir pedir transferência de curso. Contudo, no final do primeiro ano da licenciatura eu comecei a ter dúvidas sobre se o meu caminho passaria mesmo pela Medicina ou se deveria continuar na Microbiologia. Fui-me deixando ficar. Eu estava a gostar do curso e fui adiando a minha decisão sobre se ainda queria ou não Medicina. No fim do curso, acabei por ter uma oportunidade de estágio na Casa Ferreirinha. Comecei em plena vindima – a tal! - na emblemática Quinta da Leda. Eu não tinha qualquer ligação com a área, mas foi esse estágio que acabou por determinar o meu percurso profissional. Foi marcante na minha vida. Lembro-me de me apanharem no Porto e de cair desterrado na Quinta da Leda. Aquilo fica mesmo num buraco (risos). Foram dois meses praticamente sem contacto e a viver inteiramente aquela vindima. Foi uma experiência incrível. Percebi logo que o meu caminho era por ali.

 

“A investigação marcou-me imenso.”

 

Para além de ser licenciado pela Escola Superior de Biotecnologia, também é pós-graduado em Enologia e também fez investigação na Escola.

Sim, a uma dada altura, falaram-me da Pós-Graduação em Enologia da Católica e eu candidatei-me e entrei. A pós-graduação era ao fim-de-semana, por isso, à semana eu estava livre. Foi quando fui convidado por dois professores da Católica para integrar o laboratório de Química que já estava há muito tempo ligado a projetos de vinhos. Acabou por surgir a oportunidade de ter uma bolsa de investigação científica onde estudei o vinho da Madeira em ligação com a Symington. Foi um ano muito intenso onde andei sempre entre a ESB e a Madeira Wine Company.

 

Que importância teve na sua carreira este período de investigação?

Foi, talvez, o período que teve mais impacto na minha carreira profissional. Principalmente pela exigência que implicou. A investigação marcou-me imenso. A forma como, hoje, olho para aquelas que podem ser as soluções para os desafios do meu trabalho e a curiosidade constante e vontade de procurar respostas – tudo isto vem da investigação. 

 

Com a investigação aprende-se a ser paciente?

Aprende-se a ser resiliente. A investigação exige uma grande capacidade de resiliência. Acho mesmo que há um padrão nas pessoas que passam pela investigação. Do meu percurso na Católica foi a investigação aquilo que mais me marcou.

 

Trabalha no Esporão há 10 anos. Atualmente, integra o Conselho de Administração.

Integro o Conselho de Administração do Esporão e tenho sob a minha responsabilidade tudo o que é operações - vinho, cerveja e azeite. Sou, também, o diretor de Enologia.

 

Como é gerir uma equipa de tantas pessoas?

Tenho a sorte de ter uma posição muito abrangente. Tenho a possibilidade de trabalhar com diferentes áreas e com pessoas com perfis muito diferentes. É um privilégio e um grande desafio. Possibilitam-me uma aprendizagem enorme a todos os níveis.

 

O que é que é mais fascinante na sua profissão?

Sem dúvida, as pessoas. Acaba por ser transversal em várias áreas, mas é mesmo aquilo que mais me prende à minha profissão. É impressionante podermos trabalhar com tantas pessoas respeitando a maneira de ser e a liberdade de cada um e conseguirmos integrar isso naquele que é o objetivo maior de uma empresa. É um desafio enorme conseguir esse alinhamento.

 

“Somos responsáveis por quase 20% da vinha biológica em Portugal.”

 

Como é que se formam equipas fortes?

Tendo a consciência de que juntos seremos muito melhores e muito mais fortes do que cada um de nós sozinho.

 

O que é que distingue o Esporão?

Em primeiro lugar, as pessoas. O Esporão tem uma equipa muito particular e diferente e que traz uma energia muito própria. A missão do Esporão é produzir os melhores produtos que a natureza proporciona e essa ligação à natureza, que tem 50 anos, tem trazido mudanças muito significativas. Há quase 20 anos, o Esporão começou a sua transição para o biológico. Hoje em dia, temos toda a nossa área certificada em produção biológica. Somos responsáveis por quase 20% da vinha biológica em Portugal. Somos os maiores em Portugal e dos maiores na Europa.

 

Para quem trabalha na área dos vinhos, ainda é possível desfrutar de um copo de vinho sem o estar a avaliar profissionalmente? 

Eu não sou capaz (risos).

 

O paladar e o gosto educam-se?

Sim, definitivamente. Ao contrário do que a maioria das pessoas diz que gostos não se discutem, eu não concordo. Acho mesmo que o gosto se educa. Eu mesmo fiz uma evolução do meu gosto. Aprende-se a gostar de coisas diferentes. Faz parte do processo de aprendizagem. Quando eu comecei, era muito mais técnico. Lembro-me muito bem de um dia estar com um amigo e dei-lhe a provar um vinho que tinha feito. Eu estava muito orgulhoso. Esse meu amigo disse-me que o vinho estava tecnicamente perfeito, mas que não tinha energia nenhuma. Enfiei a viola no saco e fui para casa. Foi um momento que me marcou muito e hoje em dia percebo exatamente o que é que ele queria dizer. Um bom vinho tem de ser muito mais do que tecnicamente perfeito. Muitas vezes até são as imperfeições que lhe dão a energia que falta. É preciso saber lidar com as imperfeições e isso aprende-se e educa-se. Hoje em dia, não faço vinhos da mesma forma, não provo da mesma forma. Os grandes vinhos são feitos no risco. Com o tempo vai-se percebendo que se vai podendo correr mais riscos e esticar um bocadinho mais a corda. É nesse esticar da corda que vamos conseguindo descobrir ou encontrar outros caminhos e outras expressões nos vinhos.

 

“A cultura do vinho é a cultura do encontro.”

 

Quais os principais desafios para o setor dos vinhos?

As alterações climáticas e a alteração dos hábitos de consumo. Sobre as alterações climáticas temos de garantir que estamos a respeitar ao máximo o ecossistema. O que fazemos tem impacto, mas temos de procurar que esse impacto seja o menor possível. É um desafio técnico enorme. Quanto aos hábitos de consumo, estão a mudar. Hoje em dia, as pessoas bebem menos vinho. Há grandes stocks e muita vinha plantada. Parece-me a mim que temos pela frente uma grande transformação daquilo que é o setor vitivinícola. Adaptar a oferta à procura tendo em conta as novas tendências, perceber esta preocupação do álcool e da saúde. Como é que vamos lidar com tudo isto? A indústria do vinho já está a entrar numa fase de grandes mudanças.

 

Olha para o futuro com otimismo?

Sou um otimista. Não acho que o vinho vá acabar. Temos que ter a capacidade de nos adaptar e de saber integrar no setor todas estas novas tendências. Estes momentos também são momentos de oportunidades. Temos de saber encontrá-las.

 

O vinho é muito mais do que só vinho?

Completamente. A cultura do vinho é a cultura do encontro. O vinho é uma bebida social. É uma bebida ótima para pôr as pessoas sentadas a conversar sobre o que quer que seja. O vinho cria uma atmosfera especial. O vinho tem o poder de elevar qualquer momento.

 

pt
28-11-2024