José Ricardo Gonçalves: “Valorizem as oportunidades que a Católica vos dá.”
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José Ricardo Gonçalves é advogado e sócio na RBMS, árbitro e vice-presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, é licenciado em Direito e pós-graduado em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito – Escola do Porto da Universidade Católica Portuguesa. Os principais desafios da sua profissão? “O contencioso, a negociação, a presença da inteligência artificial e manter a confiança dos clientes”. Sobre a importância da formação ao longo da vida, refere que “a permanente atualização é uma dimensão estrutural da profissão de advogado.” Um conselho para os estudantes que se preparam para ingressar na Católica no próximo ano letivo? “Valorizem as oportunidades que a Católica vos dá.”
Quando é que o Direito passou a ser um plano para a sua vida?
O Direito, ou mais precisamente o querer ser advogado, passou a fazer parte do meu plano de vida essencialmente por influência de três pessoas. Desde logo, o meu Pai, que embora não fosse jurista, dirigia o departamento de pessoal, a que hoje se chama de recursos humanos ou de pessoas, de uma grande empresa alemã. Estava, por isso, muito envolvido com questões laborais, conduzindo negociações com sindicatos como diretor da ANIMEE e eu ouvia em casa as dinâmicas e os temas que faziam parte do seu trabalho diário, como fui ouvindo ao longo da sua vida os ensinamentos que me dava. Há, também, mais duas pessoas que influenciaram o meu percurso profissional: o Dr. Rodrigues Braga e o Dr. Manuel Cavaleiro Brandão, ambos advogados e próximos da minha família. Identificava-me com o serem advogados e, ainda por cima, respeitados e também achava que tinha algum jeito para ouvir, argumentar e ajudar a resolver conflitos entre pessoas. Admito que o Perry Mason pudesse ter também dado o seu contributo (risos). Acabei, assim, por escolher ir estudar Direito para a Católica no Porto porque as referências que me davam da Faculdade eram excelentes, onde tive, tal como todos que por lá passaram e passam, a sorte de ter um anjo da guarda de seu nome Rosa Lina. Guardo muito boas memórias dos tempos em que lá estudei, não só dos momentos de pândega, mantendo uma relação próxima com muitos colegas de curso e de outros anos.
Quais são os grandes desafios da sua atividade profissional, enquanto advogado?
Há vários, para além de manter os clientes e de lidar com a presença da inteligência artificial na nossa profissão, darei outros exemplos, nos quais o sentido de responsabilidade e a sensação do risco da profissão estão sempre presentes. Começando pelo contencioso, patrocinando os clientes em litígios nos tribunais. A preparação e a intervenção nas audiências de julgamento exigem muito de nós, impulsionam, entre outros, a nossa capacidade de organização e de concentração, a paciência, a resiliência, o foco, tudo por uma questão de brio profissional, como também para retribuir a confiança do cliente ao entregar-nos o seu assunto. Vivenciamos, ainda, momentos que nos provocam os sentimentos mais díspares, nomeadamente ansiedade, desilusão, frustração, alívio, satisfação ou, ainda, a sensação de missão cumprida. É evidente que há áreas de prática mais sensíveis, como o penal, onde patrocinamos clientes que são investigados ou acusados pela prática de crimes ou que deles foram vítimas, onde em muitos deles pode estar em causa a privação da sua liberdade. Um outro desafio surge na assessoria aos clientes, designadamente na negociação de acordos, na qual tenho um especial gosto de intervir e na qual nos deparamos, também, com o carrocel de emoções que antes descrevi. É um desafio constante, podemos até interiorizar determinados comportamentos, posicionamentos e técnicas que ajudam na negociação, mas há sempre variações, situações novas e inesperadas, pormenores que marcam a diferença, surpresas, momentos de improvisação, e por aí fora, tentando-nos manter objetivos, nem sempre é fácil, na defesa do cliente, diferenciados da forma como ele vive subjetivamente o seu assunto. Mais um desafio é conseguir convencer o cliente, quando percebemos que o caminho que pretende seguir não é o que acautela os seus interesses, a confiar no nosso trabalho, experiência e intuição, com quilómetros de terreno percorrido. E quando tal não sucede, abalada a confiança, essa pedra angular da nossa relação com o cliente, mantermo-nos independentes e termos a coragem de lhe dizer “terá que procurar outro advogado”.
Requer sempre alguma capacidade de improvisação…
Claro que sim, a advocacia não se faz a régua e esquadro. Esse é um dos pontos que reforça o gosto por aquilo que faço.
Por vezes, somos mesmo desafiados na nossa capacidade de improvisação e de imaginação e, por vezes, de invenção, no bom sentido, são competências que se trabalham, que se apuram, ao longo da vida.
O que é que o realiza enquanto advogado?
Gosto de me relacionar com as pessoas, dizem que tenho jeito e bom senso, algo que herdei de meus Pais.
O que me realiza é poder, através da minha profissão, dar apoio a quem me procura, aconselhar, ajudar a encontrar soluções para os assuntos que me apresentam. Quer numa perspetiva preventiva, quer depois do “caldo entornado”, o foco estará sempre em ajudar o cliente, estar ao seu lado nos bons e nos maus momentos, ouvi-lo a ele e à parte contrária com atenção e tempo, procurando a melhor solução para os seus interesses, retribuindo a confiança que depositou em nós.
Qual é a importância da formação ao longo da vida?
Quando terminei a licenciatura fiz uma pós-graduação em Estudos Europeus, na Católica, no Porto, então, dirigida pelo Professor Ernâni Lopes, de quem tive o privilégio de ser aluno, entre outros excelentes docentes. Tomei essa decisão por entender, e também por recomendação do meu Patrono, que fazia sentido continuar a fazer formação. Ao longo da minha vida tenho realizado outras formações nas minhas áreas de prática – laboral, penal/ contraordenacional e desporto - porque a atualização permanente do saber, a formação contínua, é estruturante da profissão de advogado, como é de todas as outras. Estou a poucos dias de fazer 58 anos e continuo a procurar conhecimento. E a partilha de conhecimento, também, é fundamental. É, aliás, o que faço com os estagiários, com os colegas mais novos que comigo trabalham e com outros colegas. A vida tem duas vias: dar e receber, recebendo-se na proporção do que se dá. Como considero que é um privilégio poder aprender com os outros, também sinto o dever profissional de partilhar aquilo que sei com outros, assim retribuindo o que recebo.
Dá formação também num curso da Católica Porto Business School.
Sim, há cerca de três anos fui convidado para lecionar na Católica Porto Business School na área de compliance, concretamente sobre a temática de whistleblowing e do Regulamento Geral de Prevenção da Corrupção. Estou grato à Professora Helena Gonçalves, desde logo, por me ter permitido regressar a esta Casa. E, desde então, tenho dado formação sobre estas temáticas a outras instituições e clientes. A partilha de conhecimento é essencial, sinto-me privilegiado por poder partilhar o que sei, permitindo a quem a recebe aproveitá-lo e usá-lo em benefício próprio.
“Há aprendizagens que não se esquecem.”
Que conselhos deixaria a quem vai entrar na Licenciatura em Direito da Católica no próximo ano letivo?
Essa pergunta é-me fácil de responder, porque a minha filha Inês está precisamente a terminar agora o curso de Direito na Católica. E os conselhos que lhe dei a ela são também os que aqui posso partilhar. O primeiro é que procurem perceber, o mais cedo possível, se esta é a área com que se identificam. E se não for nunca deverão sentir qualquer constrangimento em enveredar por outro caminho. O pior que pode acontecer é alguém manter-se contrariado numa licenciatura e seguir depois uma carreira profissional com a qual não se identifica, nela não se realiza. Gostar do que se faz é essencial. Profissionalmente, todos passamos por dias difíceis. Mas é diferente levantar-me e pensar “tenho de ir para o escritório” ou “quero ir para o escritório”. O mesmo vale quando somos estudantes: é um bom sinal quando sentimos vontade e motivação para ir para a faculdade ter aulas, aprender, estudar e, claro, conviver, tanto nos magníficos espaços que a Católica do Porto criou para os alunos, como fora deles. O segundo conselho é que valorizem e aproveitem as oportunidades que a Católica vos dá. Será suspeito da minha parte dizê-lo, mas digo-o com toda a convicção, a Faculdade de Direito tem programas de estudo modernos, com uma relevante componente prática associada à teórica, ambas exigentes e de qualidade, um excelente corpo docente, ótimas instalações e um ambiente muito propício ao crescimento pessoal e académico. Estudem, divirtam-se também, ai que saudades dos fins de semana e da Queima das Fitas. Tive tempo para tudo, de nada me arrependo durante o tempo de estudante, fui um aluno médio, fiz o curso nos 5 anos e formei-me com 13. Fundamental é perceber que ao estudar estão a adquirir conhecimento para a vida, seja qual for a área que venham a seguir: advocacia, diplomacia, consultoria, magistratura, docência ou outras. Ainda hoje recorro regularmente à Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, do Professor Baptista Machado, uma referência doutrinal, pela qual estudei e que tenho abundantemente sublinhada. Há aprendizagens que não se esquecem. Aproveitem, os tempos de estudante que não se repetem e deixam memórias que jamais esquecerão. É sempre com muito orgulho que digo ser da Católica!
24-07-2025