Rúben Correia da Cunha: “Deus quer-nos livres.”
Pessoas em Destaque
Chama-se Rúben Correia da Cunha, é natural da Mealhada e tem 44 anos. É seminarista e estudante de Teologia da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. É licenciado em Geologia, tendo trabalhado na área da qualidade e, mais tarde, da segurança e saúde no trabalho e ambiente. Aos 39 anos entra para o Seminário. Sobre a Faculdade de Teologia, destaca o “cariz familiar”. Desafio de estudar Teologia? “É preciso saber transportar aquilo que lemos na Bíblia para os dias de hoje”.
Quando é que começou a questionar a sua vocação?
Foi numa altura em que tinha mudado de trabalho há pouco tempo. Eu licenciei-me em Geologia, mas trabalhei alguns anos na área da qualidade e depois na segurança e saúde no trabalho e ambiente, área da minha pós-graduação. Mais tarde, ingresso também no curso de Engenharia Civil, tinha 30 anos quando comecei o segundo curso. Estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Até aqui nunca me tinha passado pela cabeça descobrir esta vocação do sacerdócio. Aliás, se há uns 10 anos, me dissessem que eu iria entrar no seminário nunca acreditaria e diria claramente que essa pessoa estaria maluca e a delirar (risos). Eu estava muito afastado da Igreja.
Como é que se dá essa aproximação?
A minha irmã e o meu cunhado convidaram-me para ser padrinho da minha sobrinha. Tive de ir à minha paróquia e a verdade é que fui muito bem acolhido pelo pároco. Na altura, fez-me a proposta de integrar o curso Alpha. É um grupo de discussão de diferentes temas. Achei muito interessante e acabei por me envolver muito nessa iniciativa. Depois fui entrando muito naturalmente noutras iniciativas da paróquia. Integrei o coro, fui voluntário e animador das edições seguintes do Alpha. Aos poucos e poucos fui entrando, fui-me envolvendo mais e inevitavelmente nasceram em mim muitas questões e alguma inquietação interior. Sentia que andava à procura de alguma coisa…
Começou a fazer discernimento?
Sim, em 2018. Entro em contacto com o reitor do seminário, que era quem estava responsável pela parte vocacional, e comecei a fazer o meu percurso de discernimento. Agora que olho para trás, reconheço que talvez já estivesse há mais tempo a fazer este discernimento.
“A faculdade tem um forte cariz familiar.”
Foi uma decisão difícil?
Claro, foi uma decisão difícil e uma mudança grande na minha vida. Eu tinha a minha vida estabilizada, trabalhava, tinha a minha casa, a minha independência. Foi um ato que, na altura, até pode ter parecido de alguma loucura, mas precisei de arriscar. Eu gostava bastante daquilo que fazia profissionalmente, gostava mesmo muito. Mas ao mesmo tempo também sentia que faltava alguma coisa.
É finalista do Mestrado Integrado em Teologia. Como é a Faculdade de Teologia?
Na Faculdade de Teologia conhecemo-nos todos, conhecemos os professores. Há uma excelente relação com os professores e com os colaboradores. A faculdade tem um forte cariz familiar.
Veio das Ciências para as Humanidades…
Não foi fácil para mim. A minha aptidão natural é para a área das ciências e vim para a Teologia estudar letras, filosofia e todas as outras áreas associadas. Um grande desafio. Vim com alguns receios, mas que acabei por ultrapassar.
Alguma disciplina que o tenha marcado de forma especial?
Escritos joaninos, com o Professor José Carlos Carvalho. Foi uma disciplina que acabou por me marcar de forma especial, essencialmente pelo entusiasmo que o professor passava. Já referi isto em algumas conversas. O entusiasmo que transmitia aos alunos era impressionante e nesta cadeira senti-o de forma especial. É um professor que marcou pelo exemplo.
Está prestes a entregar a tese de mestrado. O que se segue depois da entrega da tese?
Ainda vou fazer um ano de formação avançada na Católica. Depois, será um ano onde terei diferentes experiências pastorais, que poderão ser em paróquias, em hospitais ou noutros locais. Talvez no ano seguinte seja ordenado diácono e depois talvez mais um ano para a ordenação sacerdotal. Mas o plano pode mudar e por isso vou fazendo o caminho…
É um caminho longo …
No início parecia que tinha infinitos anos à minha frente, mas agora que olho para trás parece que passou tudo tão depressa. Tenho respeitado o tempo e o caminho. Quando arrisquei e entrei para o seminário foi precisamente com esta ideia de caminho. Não dou como garantido que venha a ser ordenado padre, apesar de ter sido esse o objetivo da minha entrada no seminário. O caminho vai-se revelando e é com esse espírito que tenho vivido estes anos da minha vida. Estou em constante discernimento.
O que é o move? O que é que procura?
Foram a minha fé e a minha espiritualidade que me levaram a este caminho. Quero estar a 100% ao serviço de Deus e da Igreja. Este serviço reflete um serviço aos outros e uma vontade grande de poder contribuir para que mais pessoas se encontrem com Deus e possam viver a sua vida com Deus.
“A Igreja não pode ter as suas portas fechadas, porque o mundo está a acontecer lá fora.”
Como é que se alimenta a fé?
A fé tem de ser alimentada e renovada. É curioso, porque o estudo da Teologia ajuda muito nisto, porque nos vai dando ferramentas que nos ajudam a ir procurar a nossa fé. Faz parte da fé querermos procurar sempre cada vez mais. O Mistério vai-se revelando, mas nunca na sua totalidade.
Qual tem sido para si o grande desafio de estudar Teologia?
O grande desafio e a grande sabedoria é conseguir ler a Bíblia nos dias de hoje. A Bíblia tem contextos sociais, temporais e outros. É preciso saber transportar aquilo que lemos para os dias de hoje, para a nossa vida, para os meios onde nos inserimos. À medida que vamos estudando e mergulhando na Escritura vai-se fazendo luz dentro de nós e naquilo que só conseguíamos ler de uma determinada forma agora já conseguimos ver um outro significado e uma nova mensagem.
O diálogo ocupa um lugar central no estudo da Teologia?
Claro que sim. Sem diálogo não crescemos. Sem diálogo não há Universidade. Desde logo, o diálogo com o ateísmo. Há algum tempo li num livro que o ateísmo até pode servir para aprofundarmos a nossa fé. Temos de procurar o diálogo com todos. Temos de estar inseridos no mundo.
“Temos de estar abertos a tudo e saber acolher o que surgir.”
O que é que quer dizer com estar inserido no mundo?
Significa que não podemos viver de portas fechadas. A Igreja não pode ter as suas portas fechadas, porque o mundo está a acontecer lá fora. É um caminho que a Igreja tem vindo a fazer. E já nem é tanto só a abertura em si, é o estar lá verdadeiramente. Nós estamos na Igreja, somos católicos, mas também fazemos parte de uma sociedade. Aquilo em que nós acreditamos tem de estar na sociedade, não pode estar à margem. A religião faz parte da nossa vida e temos de ser capazes de estar no mundo com os nossos valores e com a nossa fé. A Igreja não tem de deixar de ser o que é, mas tem de saber estar onde as pessoas estão.
Como olha para o futuro?
Olhos abertos! Espírito aberto! Não penso muito em como é que será o futuro. Estou aqui e, por isso, é aqui que me é pedido para estar. É no presente que me vou preparando para o futuro. Venham desafios, dificuldades … Temos de estar abertos a tudo e saber acolher o que surgir.
Isso exige alguma liberdade interior …
Sim, sem dúvida. É uma liberdade que se vai ganhando e que se vai construindo. Porque é que temos de criar prisões? Às vezes até as criamos inconscientemente, mas acabamos por ficar limitados e por não nos abrirmos verdadeiramente à vida e ao que ela nos vai trazendo de bom e de mau. Deus quer-nos livres.
29-08-2024