Sofia Salgado: “Quanto mais tecnologia temos à disposição, mais importantes são as competências pessoais.”
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Sofia Salgado é alumna e docente da Católica Porto Business School. De 2013 a 2020, foi diretora da Escola, tempos de “grande desafio e realização”. Vem de uma família de “educadores”, missão que também abraça com grande convicção. Divide a sua vida entre a academia e o tecido empresarial, assumindo atualmente cargos de gestão em empresas como a Monta-Engil, a EDP e a Corticeira Amorim. Sobre a Católica, Sofia Salgado destaca a importância da proximidade, como marca identificativa da Universidade. “Maníaca com listas e agendas”, a sua prioridade é “a Família sempre em primeiro lugar.”
Principais memórias de infância?
Sempre memórias felizes, sobretudo em família. São estas memórias que ficam. Tenho duas irmãs e tenho os meus pais ainda vivos. São com eles as principais memórias que tenho. Muito tempo em família, muitas brincadeiras com muita imaginação. Eram tempos onde havia menos coisas, mas eram tempos onde se usava verdadeiramente a imaginação.
Quando é que surge a ideia da Gestão na sua vida?
Algures na adolescência, não sei precisar bem quando, mas lembro-me de, a uma dada altura, saber que queria trabalhar em empresas. Não sabia bem a fazer o quê, mas a ideia estava nas empresas. Durante a minha juventude, estive sempre muito ligada à Igreja e sempre envolvida em muitas atividades. Fiz parte de muito projetos, era muito intensiva nas atividades e no dia-a-dia. Acho que este meu perfil já indiciava a minha tendência para a Gestão.
“Faço parte de uma família de educadores e gosto muito disso.”
Havia alguma referência na área da Gestão na família?
Não, aliás grande parte da minha família está ligada ao ensino. O meu pai tem quatro irmãos e dos cinco só ele é que não seguiu a carreira do ensino. Os meus avós também tinham um colégio. Faço parte de uma família de educadores e gosto muito disso. Mal sabia eu que também ia ser professora. Gosto desta vocação de educadora, ajudar os outros a desenvolverem-se.
Ingressa em Gestão na Universidade Católica Portuguesa no Porto. Quando entra para a licenciatura, já havia algum sonho profissional?
Não, nenhum objetivo profissional, nem grandes sonhos. Fui à descoberta. Postura, aliás, que fui mantendo e que mantenho, ainda hoje, relativamente ao meu percurso. Fiz um caminho sem um rumo determinado, de alguma forma gosto de lhe chamar incerto. Eu sabia que gostava de Gestão, de empresas e das matérias estudadas, mas fui fazendo o caminho sem grandes objetivos. Só mais tarde é que foram surgindo algumas questões. Foi no quinto ano da licenciatura que começaram a surgir as primeiras questões. Eu não queria especializar-me só no marketing ou só nas finanças, sabia que queria continuar com um leque alargado de possibilidades. Lembro-me inclusivamente que os meus colegas diziam a brincar “tu queres é ser diretora-geral” (risos). Na verdade, eu não tinha ambição disso, simplesmente não me revia particularmente em nenhuma especialização e foi nessa altura que surgiu uma oportunidade que considero ter sido um privilégio e uma grande escola no meu percurso. Ainda antes de terminar o curso, comecei a trabalhar numa empresa, enquanto assessora da direção. Foi uma excelente oportunidade onde pude aplicar os meus conhecimentos de uma forma transversal e onde pude acompanhar novos projetos. As pessoas têm apelos diferentes e eu senti que aquele era o meu.
De estudante passa a professora assistente na Católica …
Sim, depois de terminar o curso fiquei como na altura se chamava de “monitor”. Atualmente, diríamos um professor assistente. O meu percurso como docente na Católica começou após terminar o curso. Depois, houve uma altura em que por motivos profissionais e pessoais acabei por não conseguir conciliar tudo e tive de deixar de dar aulas. Regresso em 1997, ano em que também comecei a fazer o meu mestrado. Mais tarde surge o desejo do doutoramento. O que me levou a fazer o mestrado foi também o que me levou a fazer o doutoramento. Em ambas as situações, eu estava insatisfeita com o que sabia e queria saber mais. Na altura, eu tinha percebido que gostava de gestão de operações e gestão de serviços, no fundo é uma área que mantém a lógica da não especialização por área funcional. Foi sempre aquilo que procurei, uma visão transversal e abrangente da Gestão.
Parte para Warwick para o seu doutoramento…
Sim, nessa altura já tinha duas filhas e, por isso, ir para Inglaterra foi uma decisão pensada em família. A família ficou cá. No primeiro ano, eu ia à terça e voltava à sexta. Foi preciosa a ajuda dos avós. Foram quatro anos dedicada exclusivamente ao doutoramento.
Como descreve a experiência do doutoramento?
O doutoramento realizou-me em várias dimensões e cresci muito. Foi um tempo importante para me conhecer e perceber o que é que era esta minha curiosidade constante. Fui-me descobrindo e fui descobrindo, também, todo este contexto da academia, da investigação e das publicações. Ter estado numa universidade boa e com grande dimensão foi muito importante. Foi uma experiência muito rica quer na universidade, quer na própria cultura inglesa que gostei muito de conhecer.
Uma cultura de trabalho bastante diferente da portuguesa…
É uma cultura muito exigente em termos de mérito e na qualidade do trabalho, mas, simultaneamente, são informais na relação uns com os outros, são cuidadosos. Para eles o que interessa é a qualidade do trabalho, os títulos não importam.
Para quem sempre quis estar ligada às empresas, o doutoramento não foi um processo um pouco solitário?
No meu doutoramento desenvolvi um estudo empírico, por isso acabei por estar ligada às organizações. Estudei os handlings aeroportuários, na altura a TAP e a Portugália (PGA), nos seus serviços em terra. Passei muitas horas no aeroporto de Lisboa, nos corredores que ninguém conhece, entrevistei administradores da TAP e da PGA, ia no avião da manhã do Porto para Lisboa, passava o dia no aeroporto e vinha no último avião do dia. Com a minha tese aprendi muito sobre o escrito e o não escrito, o comportamento das pessoas, fiz muita observação. Mas falando sobre trabalho solitário, é claro que um doutoramento tem uma carga de trabalho de secretária muito grande e dessa parte eu não gosto tanto. Eu gosto de interação, gosto do envolvimento com pessoas. É isto que também me define profissionalmente, a minha capacidade de interagir com os outros e de envolver uma equipa.
“O maior desafio começa antes de entrar numa sala de aula.”
E depois do doutoramento regressa à Católica?
Quando acabei o doutoramento, perguntei-me “E agora?” Foi claro para mim que eu gostava de dar aulas, já tinha dado aulas na Católica e fui dando algumas durante o doutoramento. Apesar disso, a ideia de carreira é uma coisa que nunca me encaixou muito bem na cabeça. Nunca tive um plano definido e, por isso, nunca pensei “quero fazer esta carreira, quero chegar àquele grau ou àquela posição”. Até este momento o que me tinha movido tinha sido a minha curiosidade em saber mais. É com base nisto que posso afirmar que as grandes questões profissionais surgiram precisamente na altura em que terminei o doutoramento e não propriamente quando entrei para a faculdade. Porque é que eu fiz isto? Porquê este caminho? Porque é que eu não me especializei? O que é que eu faço agora com isto que tenho na mão? A verdade é que o caminho depois seguiu com muita naturalidade na Católica. Regressei para dar aulas e quando se começa a dar muitas aulas não há grande tempo para pensar (risos).
Em 2008, integra a equipa de direção da Católica Porto Business School.
Sim, na altura era diretor o Prof. Álvaro Nascimento. Fiquei surpreendida quando me convidou para fazer parte da sua equipa. Foi a partir daqui que comecei a desempenhar cargos de gestão na faculdade. Em 2013, sou nomeada diretora, mas continuava a dar aulas. Tudo fazia sentido, porque eu ensinava o que fazia e fazia o que ensinava.
Tempos desafiantes?
Muito desafiantes. Na altura, já tinha a minha terceira filha, por isso a minha vida requeria uma ginástica grande para que ninguém nem nada de importante ficasse para trás. Nesse tempo, os dias eram muito longos e tudo muito intenso. Foi uma altura da minha vida particularmente exigente, mas também foi uma altura em que as coisas fizeram muito sentido e, por isso, de uma grande realização pessoal.
Qual é o maior desafio de ser professora?
O maior desafio começa antes de entrar numa sala de aula. Tento parar sempre um bocadinho para pensar. O que é que estes alunos podem aprender com isto? Como é que eu consigo desafiar os meus alunos? É um exercício muito importante.
Enquanto gestora, o que é que mais aprende com o facto de ser professora?
Continuo a acumular cargos de gestão, apesar de serem não executivos. Estou na Mota-Engil no meu terceiro mandato, na EDP no segundo e este ano aceitei o desafio da Corticeira Amorim. Tem-me feito muito sentido, porque me permite aprender a indústria, aprender a empresa, aprender as equipas de gestão, conhecer áreas de atividade diferentes. Integro, também, o Conselho Fiscal da Media Capital. O que é que estas experiências me permitem? Permitem-me acompanhar de perto os momentos em que as organizações estão a enfrentar fases mais críticas. Porque estando num cargo não executivo, não nos chegam os problemas do dia-a-dia, mas os momentos mais críticos e de alguma forma estruturais. Temas como a pandemia, as guerras, a inteligência artificial, a digitalização. É um privilégio acompanhar as empresas nesse furacão e estas experiências ajudam-me muito nas minhas aulas. Levo para as aulas casos concretos, levo quadros de análise, levo uma capacidade de ver os problemas de uma forma muito mais abrangente. E, porque não estive num setor de atividade muito tempo, levo-lhes, também, uma independência grande. Tenho um quadro mental independente, não condicionado pelas áreas de atividade, o que me permite uma abordagem e uma análise global e transversal.
“Temos de ajudar as próximas gerações a pôr pés ao caminho.”
Internacionalmente, integra, também, uma entidade em Bruxelas.
Sim, dois dias por semana são dedicados à EFMD Global, como Associate Director. É uma entidade que dá as acreditações às Escolas, como por exemplo a acreditação EQUIS que a Católica Porto Business School tem. Eu fiz o percurso todo com a escola, desde a primeira acreditação e posterior reacreditação. Depois comecei a colaborar com a EFMD em pequenas coisas de forma voluntária e, há um ano, desafiaram-me a começar a trabalhar com eles. Sou a única portuguesa na minha equipa que conta com um espanhol, um alemão, uma escocesa, um chinês e um italiano. Gosto muito de trabalhar em equipas internacionais, é uma experiência muito rica.
O que é que distingue e caracteriza a Católica Porto Business School?
Na Católica Porto Business School damos prioridade à proximidade, porque um mundo de distância não funciona. Temos de ajudar as próximas gerações a pôr pés ao caminho. No mundo da Gestão em particular, se eu quero fazer acontecer, eu tenho de ir bater à porta, tenho de ir ter com o meu colega, tenho de cultivar a interação. Na Católica abrimos as portas para essa proximidade e trabalhamos com os estudantes as competências transversais. Já o fazemos há muitos anos e sabemos fazê-lo muito bem. Isto é uma marca que continua a identificar a nossa Escola. Quanto mais tecnologia há, mais importantes são as competências pessoais.
O trabalho tem uma grande importância para si …
Nasci numa família de pessoas trabalhadoras. O meu avô materno, que conheci bem, é uma referência para mim. Lembro-me das histórias de que ele trabalhava em duas empresas e trabalhava horas a fio para poder sustentar a família em alturas difíceis da história e da economia portuguesa. A noção de ter de trabalhar e de se ter gosto em trabalhar está em mim de forma muito natural.
A família ocupa também um lugar muito importante na sua vida. Qual é o segredo para haver tempo para tudo?
A família está sempre em primeiro lugar. Diria que não tenho um segredo. Coloco-me frequentemente a questão: qual é a coisa com a qual eu não quero mesmo falhar? Ajuda-me muito a discernir sobre o que é ou não é prioritário. Sejamos realistas, quando fazemos muitas coisas, nalgumas poderemos falhar. Esta pergunta ajuda-me a orientar as minhas escolhas de forma a não falhar naquilo que é mais importante. Tenho um perfil muito perfeccionista e não gosto de falhar e esta é a minha forma de definir prioridades. Sou, também, um bocadinho maníaca com agendas e listas. Revejo a minha agenda do ano, a minha agenda do mês e a da semana. Costumo, aliás, dizer que não há super-mulheres ou super-homens, há famílias que tomam opções em conjunto. E, na minha vida, a família está em primeiro lugar. Se só uma prioridade houver, a minha família é a minha prioridade. Nunca foi uma questão para mim falhar aos momentos importantes da minha família, das minhas filhas, do meu marido, dos meus pais e das minhas irmãs. Pela minha família eu largo tudo. Ao mínimo sinal de que algum deles precisa de mim, eu largo tudo e vou.
Conseguir esse equilíbrio implica algum discernimento …
E no meu caso esse discernimento e equilíbrio vem da oração. Eu não faço isto sozinha, não é? Desta forma, a minha experiência é muito mais rica. Em alturas intensas e de caos, ofereço a minha vida a Deus. Digo-lhe “Olha, isto está complicado e difícil …” E, de repente, tudo encaixa…
Que livros tem na sua mesinha de cabeceira?
Estou a ler dois livros: o “The Coming Wave”, sobre a Inteligência Artificial, e o “O perigo de estar no meu perfeito juízo”, da Rosa Montero, uma jornalista espanhola.
10-10-2024