Arménio Rego: "É possível escapar aos dois cumes da estupidez?"

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Arménio Rego: "É possível escapar aos dois cumes da estupidez?"
Quarta-feira, 26 de Maio de 2021 in Líder Online

A minha autoconfiança atingiu os píncaros. Aos que não reconheciam o meu brilhantismo mostrei que eram ignorantes. Quando descarrilei pela primeira vez, imputei a responsabilidade aos que me rodeavam e ao azar. Quando voltei a tombar e fui colocado entre a espada e a parede, dei-me então conta de que me tornara arrogante.

Eu passara, simplesmente, de ignorante a amador. E, como amador, não sabia quão pouco sabia. Eu atingira o cume da estupidez. Este processo (conhecido como efeito Dunning-Kruger, os nomes dos autores que identificaram o fenómeno), que não atravessei na área das finanças, mas de alguma forma vivi noutros domínios, é um perigo - para nós e os outros, sobretudo quando exercemos funções de liderança, mas também quando ensinamos, investigamos ou nos dedicamos a uma função que requer conhecimento, experiência e aprendizagem contínua.

Após descarrilar pela segunda vez, compreendi que continuava a saber muito pouco sobre finanças. Frequentei pós-graduações e um MBA especializado, e devorei livros e artigos. Quanto mais praticava, mais me apercebia das minhas limitações. Estava desesperado. Sabia quão pouco sabia. Fazia esforços permanentes de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e profissional. Com o decurso do tempo, o reforço da minha experiência e os efeitos da aprendizagem, tornei-me bem-sucedido.

As minhas empresas cresceram e os resultados eram excelentes. Eu era agora profusamente elogiado. E, quando deixei de sê-lo, pouco me ralei. Afinal, eu sentia-me um ás em finanças. Os meus críticos, pensava eu, eram cegos ao meu sucesso. Também eram invejosos - e era essa a razão pela qual me criticavam. Persisti nos meus sábios processos. Quem eram os críticos para me apontar o dedo?! Que sucessos tinham eles para contrapor ao meu?!

Eu acabara de atingir novo pico da estupidez. Deslumbrei-me com o meu sucesso. Desenvolvi a soberba. Desta vez, a minha vida não descarrilou - mas, com a minha conduta, espatifei a empresa. Os dois cumes podem ser vividos por qualquer pessoa. Criam danos ao próprio - e, quando experienciados por líderes, podem causar estragos aos outros, às organizações e mesmo à sociedade. Mesmo que não atinjamos esses picos, podemos atravessar, ao longo da carreira, várias etapas.

Começamos por ser incompetentes conscientes: somos ignorantes e incompetentes, e disso estamos conscientes. Porque nos sentimos incompetentes, fazemos esforços de desenvolvimento e aprendemos. Tornamo-nos então competentes conscientes. Mas, com o decurso do tempo, essa competência torna-se inconsciente. Não pensamos nela. Fazemos naturalmente bem o que temos que fazer. Pedalamos a bicicleta sem refletirmos sobre os nossos movimentos.

A prática torna-se natural. Mas o mundo transforma-se. As qualificações e os conhecimentos requeridos para a função também vão mudando. Se não nos autoconhecermos nem compreendermos as nossas limitações, voltamos ao estádio de incompetência inconsciente: passamos novamente a ser incompetentes, mas não temos disso consciência. Como ultrapassar estes riscos? Primeiro: é necessário que façamos esforços de autoconhecimento e estejamos atentos ao modo como os nossos liderados nos descrevem. Ampla evidência académica mostra que uma quantidade significativa de líderes sobrestima as suas capacidades e influência.

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