Arménio Rego: "Cuidado com os relâmpagos"

Business School
Arménio Rego: "Cuidado com os relâmpagos"
Quarta-feira, 3 de Março de 2021 in Líder Online

Hitler tinha uma voz que oscilava entre a calma e a portentosa estridência. Revelava, por vezes, uma indignidade histérica. Acreditava que o discurso era mais poderoso do que a escrita. Escreveu, em Mein Kampf, que "o poder que pôs em marcha as grandes religiões e avalanches políticas da História foi, desde sempre, o poder mágico da palavra falada".

Hitler entendia que as paixões políticas, que tanto queria inflamar, eram mais despertadas pelo efeito incandescente da retórica lançada às massas do que por qualquer outra força. Os dois observadores ingleses tiveram a oportunidade de confirmar esse poder mágico. Eis como descreveram a experiência (citada em Os Grandes Ditadores, de Richard Overy, Ed. Bertrand): "Aconteceu então uma coisa extraordinária. (...) Vimos um relâmpago azulado brotar das costas de Hitler (...) Ficamos espantados com o facto de não termos sido fulminados, nós e todos quantos estavam mesmo atrás de Hitler".

Interrogaram-se os ingleses, então, sobre se Hitler não estaria possuído pelo demónio. E notaram: "Chegámos à conclusão de que estava". O que depois ocorreu dá conta de quão perigosas e diabólicas são estas dinâmicas carismáticas. Mas as sociedades nem sempre aprendem. Temos assistido, por todo o lado, a retóricas discursivas flamejantes proferidas por líderes proféticos e messiânicos que se apresentam como escolhidos por um Deus do ódio e corporizam projetos alegadamente regeneradores e capazes de resgatar o bem contra o mal.

A chama do discurso oculta o lado demoníaco das promessas - mas atrai uns poucos que, com o decurso do tempo, atraem outros, num ciclo vicioso que resulta numa multidão que transforma o ódio em virtude. Tendemos a pensar que a História tem um percurso linear e que as perversidades do passado não se repetem num presente mais civilizado. Mas, se atendermos ao percurso histórico mais longo, compreenderemos que há avanços e recuos.

pt