Arménio Rego: "Devem os líderes colocar-se na pele do outro?"

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Arménio Rego: "Devem os líderes colocar-se na pele do outro?"
Quarta-feira, 9 de Junho de 2021 in Líder Online

"Coloca-te na pele do outro" parece ser um bom conselho. O gesto empático ajuda-nos a compreender o sentimento e o pensamento do outro. Permite-nos identificar a melhor maneira de lidar com as outras pessoas - para ajudá-las, confortá-las, persuadi-las, gerir conflitos, encontrar a paz, ou mesmo fazer negócios. A expressão inglesa "Put yourself in others shoes" (literalmente: "coloca-te nos sapatos dos outros") contém o mesmo ensinamento. Mas, contrariamente ao que frequentemente pensamos, esta postura empática tem limitações. Se queremos compreender verdadeiramente as outras pessoas e como elas reagirão a determinados acontecimentos e decisões, precisamos de criar-lhes condições para nos mostrarem o que realmente sentem, o que lhes vai na alma, ou o que desejam. Na literatura científica, a diferença está refletida em dois conceitos que, dadas as dificuldades de tradução, apresento no original: "perspective-taking" versus "perspective-getting". A diferença pode ser traduzida numa recomendação: em vez de eu pensar sobre como se sente e deseja a outra pessoa, devo perguntar-lhe ou criar-lhe condições para que ela partilhe o que lhe vai na alma.

A diferença tem grandes implicações para vários domínios, designadamente a liderança. Quando toma a perspetiva do liderado, um líder decide em função do que, do seu ponto de vista, o liderado pensa, sente ou quer. Mas as experiências, os valores e as necessidades do liderado não são as do líder. O que o líder pressente que os liderados sentem que é melhor para eles pode não corresponder ao que os liderados realmente sentem e pretendem. Há mesmo riscos de o líder, ao fazer um esforço mental empático, adotar uma postura paternalista e até arrogante perante o outro. Pode mesmo sobrestimar a sua capacidade de identificação daquilo que o outro pensa ou deseja. O perigo é agravado por dois motivos. Em primeiro lugar, o desnível de poder entre líderes e liderados pode tornar estes menos propensos a expressar aos líderes o que lhes vai na alma. Em segundo lugar, muito líderes operam num habitat físico, relacional e mental diferente do habitat dos restantes empregados. Vivem numa bolha. Projetam sobre o empregado o que eles próprios sentiriam ou fariam se estivessem no lugar desse empregado - o facto é que não estão nesse lugar.

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