Passaportes de imunidade. Chave para o regresso ao normal, ou mais dores de cabeça Covid?

Bioética
Passaportes de imunidade. Chave para o regresso ao normal, ou mais dores de cabeça Covid?
Segunda-feira, 8 de Fevereiro de 2021 in Renascença Online

São já vários os países que discutem a possibilidade de se criar um passaporte de imunidade Covid-19 que possa permitir a algumas pessoas regressar à dita vida normal e viajar, aceder a certos espaços e eventos e evitar quarentenas ou confinamentos, mas há questões éticas e jurídicas complexas a considerar.

O princípio é bastante simples. O documento incluiria a informação sobre o estado de imunidade da pessoa, seja porque foi vacinada, seja porque já esteve infetada e tem um grau de imunidade comprovada. Embora sejam, por vezes, descritos como "passaportes de vacina", a verdade é que a informação sobre a vacinação é apenas um aspeto entre vários e o importante é aferir a imunidade do portador.

Países como a Alemanha, Dinamarca, Suécia, Reino Unido e Chile, entre outros, já estão a explorar a ideia e há várias empresas de tecnologia a trabalhar na criação de soluções nesse sentido. Para Ana Sofia Carvalho, pode ser uma solução para o regresso à normalidade, mas a discussão é prematura.

"Obviamente que isso pode ser uma solução muito interessante no sentido de nos permitir de alguma forma voltar ao normal, ou de parte da população conseguir voltar ao normal. O que acontece com a imunidade é que nós temos, neste momento, muitas dúvidas científicas, ou seja, não se sabe nem qual é o grau, nem o tipo de imunidade adquirida, e aqui estamos a falar não só das pessoas que já foram vacinadas, mas também daquelas que apanharam a doença, ou seja, não sabemos se aquilo só vai atenuar sintomas graves, se vai prevenir o aparecimento de sintomas, se vai prevenir a infeção subsequente, se realmente previne a transmissão. E mesmo relativamente aos vacinados, não se sabe quanto tempo é que aquela imunidade dura", diz à Renascença a professora do Instituo de Bioética da Universidade Católica Portuguesa.

Não obstante, para esta especialista há uma dimensão ética indiscutível e que vai no sentido de se aceitarem os passaportes. "Do ponto de vista ético é sustentável que, se se provar verdadeiramente que as pessoas têm um grau de imunidade e que não transmitem a infeção, não é legítimo mantê-las em confinamento", diz. "Porque nós sabemos que o confinamento põe em causa um conjunto de princípios éticos, como por exemplo a autonomia e a liberdade, e outras garantias que estão constitucionalmente protegidas. Portanto, sabendo, e tendo dados fiáveis de que essas pessoas realmente não só não ficam doentes como não transmitem a doença, é complicado do ponto de vista ético e jurídico mantê-las em casa."

Ana Sofia Carvalho defende que, se o objetivo é apenas registar a vacinação, então é curto, pois tendo em conta os planos de vacinação na Europa o desejo de relançar a economia não seria conseguido, uma vez que se está a dar prioridade a profissionais de saúde e a pessoas mais vulneráveis, nomeadamente os idosos. Já o registo da imunidade conseguida por outros meios, sobretudo por infeção e recuperação, apresenta outras preocupações éticas. "Uma das grandes críticas relativamente ao passaporte da imunidade é de as pessoas de alguma forma poderem querer apanhar a doença só para ter direito ao passaporte, ou mesmo, em situações mais precárias, serem coagidas a ficar doentes."

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