Paula Castro: "Os desafios da Universidade face à indiferença"

Biotecnologia
Paula Castro: "Os desafios da Universidade face à indiferença"
Segunda-feira, 9 de Agosto de 2021 in Jornal Económico (O)

O meu filho mais velho vai para a universidade este ano – espero que sejam anos de abertura ao mundo e que a sua consciência absorva e integre conhecimento que deixe marcas para a necessária dinâmica de transformação da sociedade. Pensar a universidade remete-nos para o seu desígnio mais nobre de geração de conhecimento. O mundo encontra-se repleto de desafios – atravessamos uma pandemia, experienciamos as consequências das alterações climáticas, não acalmamos a desigualdade na distribuição de riqueza…. Entre tanto conhecimento gerado e muita tecnologia desenvolvida, porque estaremos a falhar? Será por medirmos o sucesso através da riqueza económica ao ponto de querermos sempre mais? Teremos atingido assim uma perigosa apatia moral? Poderá a universidade transformar-se e abrir os caminhos das soluções?

Não sabemos ainda o aspeto dessas soluções, mas sabemos que a universidade não se pode alhear do repto. Precisamos de soluções na esfera dos princípios – e a universidade sempre foi o anfiteatro ideal para a discussão dos axiomas sociais.

Na área das ciências e tecnologias sentimos talvez desafios extra. Com o conhecimento a evoluir a um ritmo alucinante, a aprendizagem em contextos que permitam o convívio com a geração de conhecimento de fronteira é impulsionadora de criatividade e deve ser privilegiada. No entanto, não podemos cair na tentação de usar os jovens como acumuladores de conhecimentos, muito menos de informação a que facilmente têm acesso de outras formas e que rapidamente se torna desatualizada.

O propósito tem de ser mais alargado e requer a dimensão do tempo reflexivo – precisamos de pensamento holístico, um auto- -questionamento que gera diferentes formas de ver o mundo. Sem a clareza do caminho das causas que não se coadunam com desvios é toda a sociedade que pode colapsar como aconteceu a tantas antes desta. Arrisco que serão também os jovens, porventura mais corajosos e livres de dogmas, que estão mais disponíveis para esta escala de mudança. A universidade não é a única instituição bem posicionada para fazer face aos desafios, mas é a que melhor pode ter consciência deles. Valores sociais como a solidariedade, a honestidade ou a tolerância não se ensinam através de manuais dedicados e dificilmente se transmitem quando fechados entre quatro paredes – são valores incalculáveis que não podem ser minados pela primazia daquilo a que sabemos atribuir valor.

Por outro lado, também sabemos que a melhor (e única?) educação é pelo exemplo. A universidade torna-se motor de mudança precisamente pelo processo de se mudar a si própria. A tarefa não só é grande como grandiosa. Mantenho a convicção de que a criação de desenvolvimento é motivada pela busca da felicidade. No menu de funções da universidade deveria constar este singelo botão – ser feliz para mostrar como se faz.

Todos os anos as universidades têm o privilégio de se renovar no seu serviço à sociedade recebendo espíritos que transportam a expectativa dum mundo mais justo e sustentável. É nossa responsabilidade fazer parte deste desenvolvimento com o mote da esperança que só poderá trazer felicidade a quem habita o minúsculo ponto azul-claro captado pela primeira vez dos limites do sistema solar pela Voyager 1 a pedido de Carl Sagan, oferecendo-nos uma imagem única que inspira tanto admiração como humildade.

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