Rui Soucasaux Sousa: "Crónica de uma vacina anunciada"

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Rui Soucasaux Sousa: "Crónica de uma vacina anunciada"
Terça-feira, 22 de Junho de 2021 in Negócios

Serviços devem ser desenhados para proporcionarem uma boa experiência ao cliente. A análise "intimista" de um serviço, colocando-nos na pele do cliente, é uma ferramenta poderosa para o desenho de boas experiências. Existem várias metodologias para o fazer, como ornapeamento do trajeto do cliente.

No artigo de hoje, ilustro estaabordagem tomando como exemplo um serviço que muitos dos caros leitores experimentaram recentemente: a vacinação covid-19. Na semana passada, coube-me a mim experimentar este serviço, pelo que tive a oportunidadede fazerumexercicio informal de mapeamento da minha experiência como cliente.

O meu trajeto começou com o agendamento da vacinação.A plataforma online foi simples de utilizar e passados uns dias foi recebida confirmação via SMS, com indicação da hora (9:53) e do centro de vacinação. O segundo contacto ocorreu dois dias antes da data de vacinação, novamente por SMS: de forma lacónica a mensagem repetia a data e hora originais, mas o local indicado era diferente, sem nunca referir explicitamente que tinha havido uma alteração do local.

Sei que muitas pessoas ficaram perplexas com mensagens deste tipo e tiveram de recorrer ao telefone para esclarecer a situação (pain point 1). No dia previsto, desloquei-me ao centro de vacinação. Foi fácil estacionai; a entrada estava bem sinalizada e o check-in foi rápido e simples. Foi-me dado um questionário clínico para preencher e entregar quando chegasse ao posto de vacinação. Não fui avisado de que deveria levar uma caneta comigo para preencher o questionário (pain point 2).

O questionário incluiu a avaliação de aspetos clínicos que me poderiam excluir davacinação para a qual ali me apresentava. Felizmente, não foi o caso. Mas se o tivesse sido, teria sido mandado embora quando chegasse ao posto de vacinação. Seria mais apropriado que esse questionário tivesse sido preenchido online no momento do agendamento, evitando que pessoas não elegíveis se deslocassem em vão ao centro de vacinação (pain point 3).

Seguiu-se uma caminhada de várias centenas de metros, a céu aberto e em pavimento irregular, até chegar ao pavilhão de administração da vacina. Pela positiva, o trajeto a seguir estava muito bem sinalizado; pela negativa, pessoas com dificuldades de mobilidade passaram um mau bocado (pain point 4). Deveria ter havido um aviso para as pessoas levarem chapéu/guarda-chuva e calçado confortável. A caminhada desembocou numa fila bastante longa, onde permaneci cerca de 45 minutos, mais uma vez, quase sempre a céu aberto, no caso, sob um sol abrasador.

Na parte final da fila, existiam cadeiras e uma zona coberta, o que foi positivo. A administração da vacina em si foi eficiente e informativa. Tendo sentido a esperada picada, não detetei nenhum pain point nesta fase tão angustiante. No entanto, após a picada não recebi um comprovativo oficial de vacinação e a marcação da segunda dose ficou pouco clara - recebi um cartão com uma data (mas sem hora), tendo-me sido explicado que me poderia apresentar à mesma hora da primeira dose (pain point 5).

O cartão dizia também "recomenda-se que a segunda dose seja administrada três semanas após a primeira dose", mas a data indicada no cartão para a segunda dose dista quatro semanas da primeira data (pain point 6). Terminei numa sala de recobro, espaçosa, com ventilação e bem iluminada. Ao longo de todo o percurso, os colaboradores foram muito atenciosos e eficientes. A existência de filas tão longas neste contexto é de difícil explicação, pois existem marcações ao minuto e o tempo de administração da vacina é curto e com pouca variação de pessoa para pessoa.

Nota: Pode ler o artigo na íntegra na edição impressa do Jornal de Negócios do dia 22 de junho de 2021.

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