"Uma solução ética para a crise da justiça?"

Direito
"Uma solução ética para a crise da justiça?"
Sábado, 13 de Novembro de 2021 in Expresso Online

Manuel Fontaine Campos, Diretor da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
As notícias que chegam do mundo da justiça, desde há uns anos a esta parte, são preocupantes. A imagem dos atores forenses (sejam juízes, procuradores ou advogados) sofre uma progressiva erosão. Os “casos” enchem o espaço mediático e a administração da justiça é, cada vez mais, escrutinada através desses exemplos concretos. Os escândalos sucedem-se, sejam juízes demitidos por ilícitos diversos, magistrados do Ministério Público (MP) nomeados sob suspeita de favoritismo político ou, ainda, advogados detidos, em conjunto com os seus clientes, por suspeita de cumplicidade nos seus crimes. Ainda que a visão transmitida à sociedade por estes casos seja parcial e não reflita o que se passa com a esmagadora maioria dos atores da justiça, não deixa de ser inquietante. Pior, coloca em causa a confiança que os portugueses devem depositar na administração da justiça e, com isso, a confiança no Estado de direito democrático. Em sondagem de abril, quase dois terços dos inquiridos não confiavam nos juízes e nos tribunais (que era, aliás, a instituição pública mais mal colocada) e o MP também não tinha avaliação positiva. Nas sondagens de opinião internacionais, a advocacia encontra-se recorrentemente entre as profissões em quem o público menos confia.
Não penso que exista uma “bala de prata” que resolva esta crise da justiça. A mediatização da justiça veio para ficar e não é opção esconder os problemas dos olhos do público. Uma justiça disciplinar rápida (salvaguardadas todas as garantias de defesa) é, sem dúvida, parte da solução — não só para mostrar ao público que os infratores são sancionados, mas também pelo efeito de prevenção geral que produz nos próprios atores da justiça. É essa, aliás, parte crucial da razão de ser dos organismos de governo das profissões jurídicas, dos conselhos superiores à Ordem dos Advogados: a de garantir o exercício idóneo das profissões. Diga-se, aliás, que bem melhor estariam alguns desses organismos se se concentrassem em garantir esse exercício idóneo, “separando o trigo do joio”, em vez de procurarem, corporativamente, limitar o acesso à profissão através da exigência de qualificações não comprovadamente indispensáveis ao exercício da mesma.

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