Arménio Rego: "Revisitando a Gestão por Objetivos"

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Arménio Rego: "Revisitando a Gestão por Objetivos"
Quarta-feira, 17 de Março de 2021 in Líder Online

A Organização Internacional do Trabalho publicou um guia prático para a gestão do teletrabalho em período de pandemia (e para lá da mesma). Entre as recomendações mais ou menos diretas encontra-se a gestão por objetivos (GPO). A sugestão faz sentido. Dada a dificuldade em realizar supervisão direta, a gestão controla o trabalhador remoto através da combinação de dois processos: (1) definição de objetivos e (a) medição do nível de alcance desses objetivos. Importa, no entanto, ser prudente. A GPO, com ou sem COVID, padece de múltiplas fragilidades, das quais destaco as seguintes.

  1. Muitos objetivos (sobretudo os de natureza comportamental) só podem ser avaliados subjetivamente. Requerem a avaliação por outrem, normalmente a chefia. Pródiga investigação mostra que essa avaliação é contaminada por inúmeros enviesamentos cometidos pelos avaliadores. A distância física pode criar novos enviesamentos ou reforçar os habituais (e.g., os resultantes da gestão de impressões).
     
  2. Esses enviesamentos são evitados, parcialmente, quando os objetivos são… objetivos. O tempo de duração das chamadas, o volume de vendas, ou a quantidade de linhas de código produzidas durante o mês não merecem discussão. Contudo, mesmo quando os resultados são objetivos, os riscos estão presentes. Por exemplo, os dados inseridos no sistema informático sobre algumas métricas podem ser adulterados. Ou, para alcançar o resultado, o trabalhador não olha a meios.
     
  3. Está amplamente documentado que a GPO, sobretudo quando os objetivos são agressivos, pode instigar comportamentos desonestos. Os funcionários bancários abrem contas falsas em nome dos clientes, ou emitem cartões de crédito que os clientes não solicitaram. Os académicos manipulam os dados para que os seus artigos sejam publicados nas revistas mais prestigiadas. As unidades de saúde, para fruírem de melhor financiamento ou de prémios, não registam ocorrências que poderiam contaminar a beleza dos resultados. As unidades de intervenção cirúrgica, para manter um currículo de sucesso, recusam cirurgias a doentes mais problemáticos – os que mais precisam da cirurgia. O prestador do serviço sobrefatura o cliente de modo a alcançar objetivos de vendas. O óbito é registado como COVID ou não-COVID consoante o que for mais conveniente para o profissional ou a unidade de saúde.
     
  4. Ao canalizarem esforços para objetivos mensurados, os trabalhadores desviam as atenções de objetivos que, embora importantes, não constam do rol das métricas. A solução poderia passar por incluir esses objetivos na lista. Mas uma tal implementação pode redundar num complexo sistema de controlo que transforma o trabalhador num autómato.
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