Francisco Dias: “A melhor forma que tenho de materializar o que sinto é fazer um filme.”

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Francisco Dias tem 25 anos e é natural do Porto. É licenciado em Som e Imagem e mestre em Cinema pela Escola das Artes. “Na Católica temos liberdade”, confessa. O seu premiado filme “I don’t like 5pm”, feito a partir de fotografias suas, tem uma importância grande no seu percurso. Depois deste, destaque para o “Litoral”, onde retrata uma realidade singular. Viveu na Noruega e em Paris e afirma que é importante “sair da zona de conforto”. Porquê o cinema? “Para mim, toda a arte acaba por girar à volta do cinema.”

 

De onde surge o interesse pelas Artes?

A minha mãe tirou o curso de Pintura e o meu pai de Arquitetura, por isso a cultura sempre esteve presente na minha vida. Levavam-me a museus, ao cinema…  Acho que fui cultivando este lado artístico ainda que de forma inconsciente.

 

Começou cedo a fazer curtas-metragens…

Com 12 anos. As férias de verão eram quase infinitas, tínhamos de nos entreter de alguma forma. Divertíamo-nos muito. Algures nessa idade também comecei a ver muito cinema. O gosto pela fotografia surge quando eu estava no ensino secundário. A fotografia também me levou ao cinema. Fui percebendo que para mim era muito intuitivo expressar-me através de imagens.

 

“O que pretendo é criar uma experiência para onde o espectador se sinta verdadeiramente transportado.”



“I don’t like 5pm” foi o seu projeto de fim de licenciatura.

O meu projeto final do curso foi muito importante para mim. “I don’t like 5pm” estreou no Curtas Vila do Conde e na competição Take One! acabou por ganhar o prémio principal. Este prémio deu-me muita força. O “I don’t like 5pm” é difícil de categorizar, está entre o experimental, o documentário e a ficção. É feito através de fotografias que tinha tirado no ano anterior, sem nunca ter o objetivo de fazer um filme com elas. Acaba por ser um processo muito orgânico em que o filme quase se constrói a si próprio. O filme é um percurso de descoberta do primeiro amor, que espelha as minhas próprias experiências. É o que tento fazer nos meus filmes – em vez de falar do que não me diz nada, tento falar daquilo que me é próximo. Não tanto através de palavras, porque eu sou mais uma pessoa que pensa através de imagens e de sons. Por isso, o filme acaba por ser praticamente sem diálogo.

 

Quando cria um filme o que é que mais quer que o espetador sinta?

O que pretendo é criar uma experiência para onde o espectador se sinta verdadeiramente transportado.

 

“Litoral” é o nome do seu filme de final de mestrado.

Venceu o Prémio PrimeirOlhar Cineclubes dos XXIV Encontros de Cinema de Viana e ficou em terceiro lugar no Sophia Estudante 2024, na categoria de Curta-Metragem de Mestrado e Doutoramento. É um filme que fala sobre uma problemática que toca a muita gente. Muitas pessoas que vivem na costa veem cada vez mais as praias a ficarem mais pequenas e o mar a ficar cada vez mais próximo. Há pessoas que se veem obrigadas a sair das suas casas. É uma realidade forte e singular. Neste filme já uso personagens. É uma ficção mais clássica. Para este filme trabalhei com uma equipa muito generosa, que se dedicou muito a este projeto.

 

Depois de licenciado em Som e Imagem, porquê continuar a sua formação no mestrado em Cinema?

Quis especializar-me. A licenciatura em Som e Imagem é muito abrangente e eu procurei alguma especialização. Quanto ao cinema, não tive dúvidas. Desde que entrei para a licenciatura que soube que era este o meu caminho. Procurei mais bases teóricas e procurei conhecer mais sobre a arte e a contemporaneidade. Também sentia que queria ter mais uma oportunidade para fazer um filme num contexto académico, onde podia experimentar à vontade, errar, demorar o tempo que fosse necessário. O que me interessava era mesmo aprender e fazer o melhor projeto possível.

 

“O mais importante é que a Escola das Artes nos desafia a encontrarmos a nossa singularidade enquanto artistas.”

 

Porquê a Católica?

Porque a Católica tem uma dimensão muito contemporânea, que me interessa muito. A Escola das Artes também tem uma dimensão histórica e cultural muito forte. Para além disto, na Católica temos liberdade.

 

O que é que destaca do ensino da Escola das Artes?

Destaco a diversidade de matérias. Como me licenciei em Som e Imagem tive a oportunidade de conhecer muitas outras áreas e isso enriqueceu muito o meu percurso. Ficamos a dominar uma linguagem comum. Mas o mais importante é que a Escola das Artes nos desafia a encontrarmos a nossa singularidade enquanto artistas. Na Católica, não somos incentivados a copiar ou a reproduzir o que os outros já fizeram. A Católica desafia-nos a encontrarmos o nosso olhar próprio. É isso que vai fazer de nós artistas únicos.

 

Cada um deve contar as suas próprias histórias?

Sim, temos de tentar contar as nossas histórias, aquilo que nos é próximo.

 

A sua inspiração são as suas histórias?

Sim, há qualquer coisa dentro de mim que é impossível de conter e é assim que nasce a vontade de contar as histórias. A melhor forma que tenho de materializar o que sinto é fazer um filme. O que me inspira é a minha própria vida, as minhas experiências e as de quem me rodeia. A relação dos nossos corpos com a arquitetura e com a paisagem também me inspira muito.

 

Depois do mestrado ruma a Paris…

Fui para Paris fazer um estágio na Luxbox, uma empresa de vendas internacionais, com presença nos principais festivais do mundo. Fui à procura de mergulhar na indústria do cinema. Quis perceber o que é que acontecia depois de um filme ser feito. Como é que é vendido? Como é que passa em vários países? Porque é que passa nuns e noutros não? Fui à procura de respostas para estas perguntas.

 

Gostou de viver fora de Portugal?

Sim, e também já tinha tido a experiência de Erasmus na Noruega. Quando saímos da nossa zona de conforto, acabamos por aprender muito mais.

 

Porque é que o cinema é especial?

Gosto muito de pintura, escultura, música e fotografia. A fotografia foi, aliás, a minha porta de entrada para o cinema. De repente, o cinema permite-me criar uma fotografia que tem movimento, som, música. O cinema é uma arte muito completa. Cada vez mais ao ir a museus, galerias, exposições e concertos, começo logo a juntar tudo na minha cabeça e a pensar em imagens em movimento. Para mim, toda a arte acaba por girar à volta do cinema.

 

Referências nacionais do cinema?

Cláudia Varejão e Marco Martins. São muito importantes porque orientaram o meu projeto final de licenciatura e o meu projeto final de mestrado, respetivamente. Para além disso, destaco o Sandro Aguilar, sobre quem tive a oportunidade de falar na minha tese. E também o Pedro Costa. Estou agora a fazer um ensaio audiovisual sobre o seu primeiro filme, “O Sangue”, com o professor Carlos Natálio. Estas quatro pessoas, pela relação que têm com o meu corpo de trabalho, são das minhas principais referências nacionais.

 

Vê muito cinema?

O mais possível. E sempre que posso tento ver em sala. Ver em sala é uma experiência única. Como estou do outro lado, sei que um realizador quando faz um filme está a fazê-lo para que seja visto em sala e por isso só vendo em sala é que se tem uma experiência completa. Os realizadores e as equipas pensam em fazer um filme para uma sala, ou seja, para que tenha a melhor imagem possível, o som com a maior qualidade possível e para ser uma experiência partilhada.

 

O cinema é uma experiência de ligação entre as pessoas?

Sim, é tão bom que a experiência seja partilhada. Vivemos num mundo cada vez mais individual e acho que isso se nota muito no facto de haver muitas pessoas que preferem ver filmes sozinhas em casa. É muito bonito quando as pessoas vão ao cinema e podem conversar e trocar impressões sobre um filme.

 

Um filme marcante?

“O Espelho”, de Tarkovsky. É um filme muito pessoal, se calhar é o mais pessoal da sua filmografia. E, de repente, ele teve de convencer todas as pessoas com quem trabalhava a fazer algo tão pessoal. Qual era a relação que elas iriam conseguir criar com o filme? Que relação é que o espectador iria conseguir criar com o filme? Ele resolveu todas estas questões muito bem e conseguiu criar uma obra que lhe é próxima e familiar e ao mesmo tempo é relevante para os espectadores. Consegue criar um filme que acaba por ir muito para além da vida dele e isso é extraordinário.

 

Mais uma vez as histórias… Tarkovsky trabalhou a partir das suas histórias…

Não foi à procura de histórias de outros, mas das suas. Tarkovsky procurava sempre a singularidade. É isto que eu valorizo num filme.

 

pt
25-07-2024