Raquel Sampaio: “O Direito deu-me inúmeros caminhos intelectuais por onde continuo a reger a minha vida.”

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Raquel Sampaio é natural do Porto, tem 42 anos e é licenciada em Direito pela Escola do Porto da Faculdade de Direito, da Universidade Católica. É advogada e diretora executiva da Associação Direito Mental, que promove a saúde mental na comunidade jurídica. Durante o seu percurso profissional, esteve em diferentes sociedades de advogados e passou, também, por Timor, Nova Iorque e Moçambique. A sua vida é “muito estimulante” e nela procura sempre “coisas novas para aprender”. Sustentabilidade, inovação e tecnologia são alguns dos mais recentes temas que têm merecido a sua atenção.

 

Como é que descreve a sua vida?

Acho que criei uma vida muito estimulante, onde me sinto chamada a tentar fazer a diferença, quer seja numa organização, quer seja nas pessoas que se cruzam comigo. Sinto-me sempre rodeada de coisas novas, de diferentes pessoas, de novidades para aprender. Às vezes, a minha vida pode parecer um bocadinho dispersa, mas vai tudo dar ao mesmo rio…

 

Quando é que soube que queria estudar Direito?

Eu sabia que queria ler e escrever. Era aquilo que eu mais gostava de fazer. O Direito acabou por surgir no 12º ano e foi uma escolha muito prática. No fundo, fui à procura daquilo que me podia dar alguma segurança profissional.

 

Estudar Direito foi surpreendente?

Descobri que no Direito havia um grande espaço para ler, escrever e refletir. O Direito deu-me inúmeros caminhos intelectuais por onde continuo a reger a minha vida profissional e também a minha vida com os outros, a vida em sociedade, a vida na política. O curso permitiu-me criar na minha cabeça uma espécie de arquétipos através dos quais consigo pensar e refletir o mundo.

 

“o curso é uma arma de defesa que me ajuda a enfrentar o mundo real.”

 

Quais são as suas principais memórias de infância?

Eu sou mesmo um produto da Foz (risos). Geograficamente cresci à volta da Universidade Católica e, por isso, as minhas memórias de infância são do meu dia-a-dia no colégio, na praia, em Serralves, andar de elétrico e ir até à praia.

 

O que é que distingue a Universidade Católica?

Aqui o Direito é de excelência. O curso estava muito bem estruturado e tinha os professores certos a acompanhar as matérias. Lembro-me que quando fiz o meu estágio senti-me muito melhor preparada que os outros. Muitas vezes senti e ainda sinto que o meu curso é uma arma de defesa que me ajuda a enfrentar o mundo real. Tive acesso a um bloco de conhecimento valioso que me preparou verdadeiramente para o futuro.

 

“Uma das coisas mais marcantes foi ter feito parte da Tuna Feminina.”

 

Quais são as suas memórias mais marcantes durante a licenciatura?

Na Católica, fiz um bocadinho de tudo. Foram anos animados. Uma das coisas mais marcantes foi ter feito parte da Tuna Feminina. Isso permitiu-me um contacto próximo com pessoas de outros cursos e deu-me, também, a possibilidade de viajar pelo país a tocar e a cantar. Integrei, também, a Associação Académica e lembro-me que vivíamos intensamente a vida na faculdade. No outro dia, em conversa com uma amiga, lembrei-me que foi logo desde o primeiro ano do curso que começámos a estar envolvidas na tarefa de fazer as flores para decorar o nosso carro para o cortejo. Tenho, também, excelentes recordações das aulas e é engraçado porque ainda hoje tenho bem presente na minha cabeça a nossa distribuição pelas mesas nas salas. Até há bem pouco tempo também votava na Católica e por isso este lugar sempre fez parte de mim. Desde a infância até à vida adulta.

 

Com que vida profissional sonhou durante o curso?

A minha única certeza era a de que queria ir trabalhar para fora. Sonhava qualquer coisa entre a diplomacia e o viajar pelo mundo.

 

Mas acaba por fazer o estágio para ingressar na Ordem dos Advogados …

Sim, e foi durante o estágio que tomo conhecimento de uma oportunidade que havia em Timor, na missão de apoio aos crimes cometidos em 1999. Estive lá com a Procuradoria Geral da República cerca de 8 meses. Regressei a Portugal para fazer o exame da ordem.

 

“Queremos contribuir ativamente para a criação de uma cultura positiva e de apoio à saúde mental na comunidade jurídica.”

 

O que é que foi mais marcante dessa experiência em Timor?

O mais marcante é estar do outro lado do mundo e de precisar quase de 24 horas para lá chegar ou para voltar para casa. Senti uma diferença cultural enorme, mas ainda assim era muito bom ver a facilidade com que o povo nos recebia. A experiência profissional foi muito rica, porque foi a primeira vez que tive contacto com procuradores gerais da república e com um tribunal a sério. Foi importante para perceber como é que era trabalhar numa organização internacional e perceber que tipo de carreiras é que estavam associadas a isso. A experiência em Timor foi determinante para perceber que queria continuar a trabalhar fora.

 

Depois de Timor, também esteve em Nova Iorque e em Moçambique. Duas realidades também muito diferentes.

Sim, essas experiências surgiram depois de períodos de trabalho em Portugal como advogada. Logo depois de regressar de Timor, estive a trabalhar na Vieira de Almeida e posso dizer que foi onde aprendi quase tudo o que havia para saber sobre o Direito e sobre o ser advogada. Foi muito importante para mim, porque foi aí que percebi que ser advogada também me realizava. A experiência em Nova Iorque surgiu porque integrei a missão de Portugal junto das Nações Unidas e, como se pode imaginar, viver naquela cidade e trabalhar ali tão perto da ONU é qualquer coisa de muito marcante. Acabo por regressar novamente a Portugal e passo a integrar a Abreu Advogados que tinha aberto vagas para o estrangeiro. Vou para Moçambique. Era suposto ter lá ficado 6 meses, mas acabei por ficar 3 anos. Foi uma experiência muito boa, quer ao nível profissional, como pessoal. Nestes países que não funcionam à maneira ocidental, há stress e ansiedades que ficam necessariamente pelo caminho. Foi uma descoberta importante para mim.

 

Stress, ansiedade, gestão de tempo, trabalho fora de horas … É fundadora e diretora executiva da Direito Mental. Em que consiste?

É uma Associação que tem como objetivo promover a saúde mental, através da sensibilização, da literacia, da recolha e divulgação de conhecimento e do apoio à comunidade jurídica e às pessoas em concreto. Queremos contribuir ativamente para a criação de uma cultura positiva e de apoio à saúde mental na comunidade jurídica, em particular no local de trabalho e nos estabelecimentos de ensino. É muito gratificante ir às sociedades de advogados e às universidades falar sobre o tema e sobre estas novas formas de trabalhar.

 

Depois de regressar de Moçambique, esteve também a trabalhar no Governo.

Depois de regressar de Moçambique, surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o Governo. Quem trabalha a parte do Direito Público quer sempre perceber o lado da administração e por isso foi uma experiência muito gratificante porque tive a oportunidade de perceber como é que o Estado decide, como é que se move e como é que legisla.

 

Depois de tantas experiências diferentes, como é, atualmente, a sua vida profissional?

Fruto da pandemia, há um mundo que se abre na minha vida profissional, porque se cria uma nova forma de estar no Direito. Começo a perceber que ser só advogada não me realiza e que preciso de adicionar outros projetos e outras formas de estar. Começo a estudar Inovação e a interessar-me pelos temas da sustentabilidade, da inteligência artificial, das tecnologias e das novas tendências. Hoje em dia divido a minha vida entre a advocacia, a Direito Mental e uma constelação de coisas novas que vão acontecendo.

 

“Os jovens não querem é trabalhar assim. E ainda bem.”

 

O que é que sonha para a Direito Mental?

Gostava que a Direito Mental tivesse importância ao nível individual e organizacional. Para que as pessoas peçam ajudam antes de chegarem a situações limite e que criem bons hábitos nas suas vidas.
Quero que a Associação seja um repositório de boas práticas, no qual as organizações sejam capazes de se contagiar umas às outras.

 

No seu contacto com as gerações mais jovens, como é que acha que olham para as questões da saúde mental?

Os jovens nesta altura têm muito mais autoconhecimento do que nós tínhamos. Sabem o que é a ansiedade, o que é a depressão e sabem que quando não estão bem que querem estar bem. A ideia que eu tenho muito é que os jovens já sabem que há coisas que não querem e que há coisas que querem. Detesto aquela frase que volta e meia se ouve “os jovens não querem trabalhar”. Não podia discordar mais. Os jovens não querem é trabalhar assim. E ainda bem. Ainda bem que as coisas mudam.

 

O que é que gosta de fazer nos seus tempos livres?

Tenho uma vida cultural muito ativa. Gosto muito de cinema e de ir a concertos. Estou bem informada sobre aquilo que está a acontecer na cidade. Para além disto, tenho uma cadela e, por isso, aproveito o meu tempo para a ir passear e gosto muito de estar na natureza. Esforço-me por criar intervalos durante o dia e durante a semana. Foi difícil criar esta disciplina, mas é essencial para o nosso bem-estar.

 

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27-07-2023