Nuno Crespo: "O mais novo de todos os artistas"

Artes
Nuno Crespo: "O mais novo de todos os artistas"
Terça-feira, 4 de Maio de 2021 in Público Online

Sempre fui fascinado pelos olhos do Julião. Atentos, curiosos, cheios de energia. Olhos de felino sempre vigilante a todas as criaturas e a todas as coisas que o rodeavam. A sua visão era de quem está sempre a descobrir coisas, a estabelecer relações, a encontrar motivos de conversa, de admiração, de perguntas. Um olhar que se foi sempre renovando e que fazia com que fosse, de todos, o artista mais novo.

A partir do seu modo de ver, conseguiu, mais do que desenvolver pinturas, desenhos, filmes, performances ou instalações (o que realmente fez), expressar e materializar um corpo artístico único. Um todo, como ele gostava de dizer. Se as telas brancas e o vestido preto (“the sexy litle black dress”) são as suas imagens icónicas, os diálogos que estabeleceu com outros artistas e a maneira como fez da sua prática artística um campo fundamental de experimentação e descoberta do mundo são as maiores lições que nos deixou.

Foi sempre notável a maneira como o Julião queria experimentar coisas novas, conhecer novos artistas, desenvolver novos projectos. Tinha sempre alguma ideia nova para nos contar e em que nos queria envolver. Estava sempre a puxar-nos pela manga e a dizer “Anda cá ver isto.” Não se tratava de um programa ou de uma estratégia, era a sua posição no mundo: insaciável, movido por uma enorme curiosidade e dono da maior e da melhor juventude de todas.

Essa juventude, que fez dele sempre o artista mais novo, tinha um poder mobilizador enorme. E foi à volta dessa juventude que tantos de nós crescemos: artistas, críticos, curadores, amigos. E foi sempre imenso aquilo que nos deu.

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