Alberto Castro: “Nunca fui um economista teórico”

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Alberto Castro é professor catedrático convidado da Católica Porto Business School (CPBS) e o novo Provedor do Estudante da UCP no Porto. Lecionou no primeiro curso de Gestão da Católica no Porto, tendo vindo a ser seu diretor, e esteve na fundação da CPBS, assumindo o cargo de diretor durante dois mandatos. Assume-se como um “economista pouco teórico” e durante todo o seu percurso privilegiou o contacto com o tecido empresarial. Para além da sua atividade académica, assume, e assumiu, várias outras posições em diversas instituições, sendo membro do Conselho Económico da Diocese. É um adepto ferrenho do Futebol Clube do Porto e gosta de ocupar os seus tempos livres com bom cinema e boa música.

 

“Gosto da possibilidade que a Economia nos dá de podermos minorar os problemas de uma parte significativa da população.”

 

Olha para o futuro de Portugal com entusiasmo?

Olho com preocupação, mas não uma preocupação negativa, porque acho que nós temos potencial. Temos de o explorar e parar de ficar à espera da sorte e do acaso, sob pena de não conseguirmos melhorar o bem-estar da população, promover uma maior equidade e igualdade. A economia e as escolas têm um papel a desempenhar. Uma das coisas que realmente me preocupa é o facto de haver muitos jovens qualificados que emigram. Em paralelo, tem de haver um esforço para atrair jovens de outros países. Sou muito a favor desta liberdade de movimentação. Das coisas de que mais me orgulho é do programa INOV CONTACTO, que nasceu aqui, na Católica do Porto, e que visa dar mundo aos nossos jovens, dando-lhes a oportunidade de estagiar 9 meses no estrangeiro. É, também, essencial não perdermos a ligação com os portugueses que estão lá fora, porque eles são os nossos embaixadores, e nós não temos investido e temos falhado na gestão dessas redes, tão importantes para o nosso desenvolvimento.

 

O que é que o fascina na Economia?

Para alguns dos meus colegas aquilo que os fascina é a parte da formalização e quantificação. Eu confesso que me fui afastando dessa visão. Quando eu estudava, a Economia era vista como uma ciência social. Eu sou do tempo em que a Economia se chamava economia política, ou seja, que tem a ver com a pólis, com a cidade, com o mundo. É uma disciplina que lida com os problemas das pessoas e que pode ajudar a resolvê-los, na qual confluem muitas áreas do conhecimento como a História e a Sociologia. Gosto da possibilidade que a Economia nos dá de, através dela, podermos minorar os problemas de uma parte significativa da população, como são exemplo as situações de pobreza, de exclusão e de desigualdade.

 

Como é que se dá a escolha da Economia?

Na escola eu gostava de Matemática e de História, de forma particular. Na primária, como então se chamava, a minha professora chegou a proibir-me de responder às perguntas de cálculo mental, porque eu respondia logo. Relativamente à História, interessava-me, especialmente, por algumas figuras e heróis, gostava de ler as suas biografias, perceber aqueles tempos.
A Economia surge por exclusão de partes. A minha primeira ideia era a Engenharia, porque eu era um bocado engenhocas, mas, ao mesmo tempo, não tinha jeito nenhum para o Desenho e, como achava que isso era essencial, acabei por excluir esta hipótese. Fiquei com duas alternativas: ou Direito ou Economia. Acabei por ir para Economia por influência do meu pai que tinha o curso comercial. No fundo, escolhi Economia por exclusão de partes mas, como se costuma dizer, “o hábito faz o monge”, não é?

 

Fez o seu doutoramento na Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Que memórias tem desses tempos?

Fui para os Estados Unidos no princípio de 1981. Custou deixar cá a família. A primeira memória que tenho é do frio, quatro ou cinco graus negativos. Outra coisa que me marcou foi o facto de na Carolina do Sul, que foi o último estado a arrear a bandeira confederada, ainda haver muito marcada a relação entre raças, apesar da dessegregação já ter ocorrido há mais de 15 anos. Houve um episódio muito surpreendente. No primeiro dia de aulas, apanhámos o autocarro para irmos para a universidade e sentámo-nos nos primeiros lugares que vimos. Quando chegámos à nossa paragem, uma senhora que saiu connosco pergunta-nos “Vocês não são de cá, pois não?”. Nós respondemos que não e quisemos saber o porquê da pergunta e a senhora respondeu que nos tínhamos sentado nos “lugares dos pretos”. Aquilo marcou-nos imenso.
Relativamente ao doutoramento em si, a experiência internacional foi, em si, muito enriquecedora, tendo permitido, no plano académico, aprender, aprofundar e sedimentar muitos conhecimentos durante os quatro anos em que me dediquei, quase em exclusivo, à investigação.

 

“O centro de estudos aplicados é um pilar na nossa ligação à comunidade.”

 

Iniciou o seu percurso na Católica há 35 anos. Como é que recorda esse percurso?

O meu caminho aqui começou no primeiro ano do curso de Gestão, à época uma extensão do de Lisboa. Na altura o diretor era o Professor Oliveira Marques que me convidou para lecionar Microeconomia. Mais tarde, o Professor Marques foi para Lisboa e sugeriu o meu nome, ao Professor Carvalho Guerra, para o substituir. Embora eu fosse de Economia e não de Gestão, o Professor Guerra considerou que eu tinha a competência necessária para assumir o lugar e assim foi. Uns anos mais tarde, começou a ser claro que o estatuto de extensão nos limitava: a Economia é uma disciplina de contexto que, tem uma base teórica comum, mas em que, depois, existe uma aplicação específica, idiossincrática. No Norte, as pequenas empresas e a internacionalização são muito importantes e, por isso, é essencial proporcionar uma formação mais polivalente que englobe o Marketing, a Contabilidade, as Finanças, a Economia, o Direito, etc. Por isso, o curso ganhava em ser diferente do de Lisboa. Fomos forçando essa autonomia. Com o apoio do Professor Carvalho Guerra começámos a pensar na hipótese de ter uma faculdade própria, cá em cima. Entretanto, criou-se o curso de Economia e fomos formando, também, um corpo docente próprio. O processo foi ganhando dinâmica, porque, também, era muito estribado num pilar essencial da doutrina social da Igreja que é a subsidiariedade, ou seja, o melhor espaço da decisão é o espaço da proximidade. Dom José Policarpo, na altura Reitor da Universidade Católica, dizia que no Porto se sentia o verdadeiro espírito da Católica, tínhamos um sentido de pertença único, vestíamos a camisola e tínhamos uma grande proximidade com a envolvente. Após alguma resistência inicial, persistimos e o projeto acabou por ser aprovado e, até, acarinhado. Estive à frente da faculdade dois mandatos e, dezasseis anos depois de ter assumido a direção do curso de gestão, achei que era altura de passar a uma nova geração.

 

Uma das suas primeiras decisões quando veio para a Católica foi a criação de um Centro de Estudos Aplicados (atual CEGEA), algo muito inovador à época.

Eu nunca fui um economista teórico. Já a minha tese de doutoramento foi uma tese aplicada. Na altura, em conjunto com o Dr. Guilherme Costa, decidimos que um centro de estudos aplicados era essencial para a nossa diferenciação estratégica. O nosso primeiro grande trabalho foi com o setor do calçado na elaboração do seu plano estratégico. Desde aí que mantemos uma relação, praticamente, umbilical com a APICCAPS. Sentimos os sucessos e os insucessos do setor como se fossem os nossos. Fomos, também, fazendo um caminho de ligações com outras associações, empresas e indústrias. O CEGEA é um pilar na nossa ligação à comunidade, cuja atividade constitui motivo de orgulho para a Escola. 

 

Fez sempre questão de estar ligado à disciplina História e Iniciativas Empresariais…

Sim, é uma disciplina que junta a História, a Economia da Empresa e o Empreendedorismo. Há uma pessoa, o Professor António Almodôvar, infelizmente já falecido, que foi muito importante na sua criação, embora num formato algo diferente. Nesta disciplina, os alunos têm que estudar empresas nacionais ou estrangeiras que já estão estabelecidas e que, portanto, têm um histórico que deve ser analisado e com o qual se deve aprender. Numa segunda parte, há uma aproximação ao novo empreendedorismo. Pelo meio, há vários testemunhos presenciais, de empresários e gestores, aquilo a que podemos chamar de história empresarial vivida. Através destes testemunhos pode-se perceber o que é ser empresário ou o que é ser gestor, sem a intromissão de uma narrativa professoral…
Ou seja, a disciplina permite fazer as pontes entre a Economia e a História e depois desaguar no empreendedorismo, conhecendo pessoas, projetos e aplicando conceitos. Damos aos alunos a cultura necessária e a possibilidade de se desmistificarem algumas questões como a de que criar uma empresa é uma complicação. Queremos colocar no seu espaço de decisão a possibilidade de criarem uma empresa se tiverem uma boa ideia, se tiverem vontade e se tiverem a capacidade de enfrentar o desconhecido.

 

“Devia haver um investimento maior na difusão de boas práticas.”

 

A Qualidade da Gestão é uma área que lhe é muito querida. Continuamos a ter baixos indicadores na qualidade da gestão em Portugal?

Essa é uma das nossas obsessões aqui na faculdade: ajudarmos a melhorar aquilo que se pode chamar de qualidade de gestão ou, se quisermos, os processos de gestão. No início do século XXI, foi-se sedimentando uma evidência internacional sobre a qualidade das práticas de gestão empresariais, nas quais Portugal aparecia na cauda da Europa. O que esses estudos mostravam era que se fosse possível, diria quase por milagre, darmos às empresas portuguesas os processos e os métodos de gestão que tinham, por exemplo, as empresas suecas, a diferença entre os dois PIB per capita podia ser diminuída em cerca de um terço. Há coisas que têm a ver não, propriamente, com as competências das pessoas, mas com a forma como estamos organizados e como aplicamos essas competências. Eu gosto muito de futebol e costumo dizer que sou o Mourinho do sofá (risos). Um bom exemplo para explicar a falta de eficácia na economia portuguesa é pensarmos no Porto e no Benfica, este ano. Os jogadores do Benfica eram, um a um, talvez melhores que os do Porto. No entanto, o Porto tinha uma equipa que funcionava melhor, mais coesa, que sabia bem o que queria e que atuava com eficácia. É isto que a economia portuguesa precisa. Precisamos de eliminar de vez os processos que são pouco eficazes e que não nos deixam evoluir. Precisamos de nos comparar com os outros, de não inventar desculpas e de assumirmos as nossas responsabilidades.

 

“É importante que os incentivos batam certo com as prioridades do país.”

 

Qual seria a melhor forma de as universidades chegarem às empresas?

Devia haver um maior investimento na difusão de boas práticas. Sobre este tema costumo dizer que os empresários e os gestores portugueses são muito devotos de São Tomé, ou seja, vivem muito a lógica do ver para crer. Claro que as escolas têm o seu espaço próprio no ensino, mas era muito importante que reforçassem esta ligação aos estudos de caso e o fizessem em colaboração com empresários e gestores.

O setor do calçado é um excelente exemplo disso. Quando começámos a trabalhar com eles já havia uma lógica de exposição à concorrência internacional, mas as empresas ainda eram relativamente débeis e estavam, sobretudo, mal equipadas e organizadas. O layout da empresa era muitas vezes completamente errado. Na altura, havia o PEDIP, um programa para o desenvolvimento da indústria portuguesa, e o setor do calçado apostou naquilo que se chamavam as ações de demonstração. No fundo as empresas, as melhores, as que iam à frente, mostravam às outras o que, e como, estavam a fazer. Era uma medida importante que rompia, inclusivamente, com aquela ideia de que “o segredo é a alma do negócio”. As empresas competiam todas no mercado mundial. O importante era serem capazes de competir lá fora. Os resultados dos novos investimentos que fizeram foram muito visíveis e, em 4 anos, a indústria do calçado deu um salto enorme e tornou-se, provavelmente, na mais moderna da Europa, ultrapassando até a Itália. E isto aconteceu porquê? Não fui eu, enquanto professor, que lhes fui dizer o que deviam fazer, mas as empresas viram com os seus próprios olhos através do exemplo. Eu até posso vir dar uma aula sobre isto, até posso trazer alguns exemplos ou mostrar um filme sobre o tema, mas nada se irá comparar ao poder que tem verem com os seus próprios olhos e falarem com iguais. E, em cima disso, então pode-se explicar as condições necessárias para dar sustentabilidade e ambição aos projetos. A massificação destas iniciativas seria extremamente importante.

 

Que áreas de investimento considera prioritárias para Portugal?

As áreas já estão mais ou menos identificadas e são consensuais. Falámos, por exemplo, do reforço das energias renováveis e, eventualmente, um investimento na Economia do Mar que possa trazer resultados ou acabar com mitos. E, obviamente, o reforço das qualificações e da formação. No geral, deve-se inovar sobre as nossas competências, por extensão. Há muita “inovação mediática”. Na prática, vai-se a ver, e pouco acrescenta. É importante que os incentivos batam certo com as prioridades do país, que haja uma desburocratização dos processos, bem como uma justiça mais célere. Em Portugal, as coisas são sobre-regulamentadas, porque vivemos uma completa cultura de desconfiança, alimentada pela ineficácia da justiça. No fim, isso dá origem a processos complicadíssimos e muito morosos.

 

Acaba de ser nomeado provedor do estudante da Universidade Católica Portuguesa no Porto. Qual a missão de um provedor do estudante e como encara este desafio?

Começando pelo fim. O convite que a Presidente do Centro Regional do Porto(CRP) e a Reitora me fizeram encheu-me de orgulho. Encaro este desafio com a responsabilidade de suceder, no cargo, a uma pessoa única, um símbolo da Católica no Porto, que ele ajudou a fundar e afirmar na cidade e no País. Não é impunemente que o Professor Carvalho Guerra era chamado de “Pai Guerra” pelos alunos daquele tempo. Como um pai era exigente, capaz de dar o raspanete mais desabrido que conjugava com o carinho, o estímulo e o respeito paternais.
Quando fui Diretor, recusei vários pedidos de alunos, sempre que os considerava não fundamentados. Dizia-lhes que não estava preocupado com a minha popularidade, mas com o prestígio da Escola. E tinha a certeza de que no futuro me entenderiam. Ainda assim, se entendia que os alunos tinham razão, fazia o necessário para que fosse reconhecida. A missão do Provedor do Estudante é, de algum modo, afim, dando ao estudante um canal complementar a que possa recorrer, com garantias de isenção, sempre que, em geral, considere que a Universidade não agiu de acordo com o preceituado pela doutrina social da Igreja. É uma figura que muitas organizações, hoje em dia, têm e que a Universidade Católica, por maioria de razão, não pode deixar de ter e, sobretudo, dignificar e respeitar.

 

Como é que gosta de ocupar os seus tempos livres?

Sou um grande desportista de sofá, sobretudo de futebol. No resto, sou igual à imensa maioria: gosto de ler, de ouvir música, de cinema e arte. Com um grupo de amigos temos um cineclube que reúne uma vez por mês. Juntamo-nos para ver um filme, uma boa desculpa para convivermos, para beber uns copos e comer boa comida (risos). Na música, tenho gostos diversificados. Por exemplo, no carro, se é verdade que tenho a M80, também é verdade que tenho a Antena3. Não sou nostálgico: estou atento às novas tendências e aos novos nomes.

 

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15-06-2022