Francisca Guedes de Oliveira: “Temos de ter um modelo de crescimento e desenvolvimento económico que permita o bem-estar, sem prejuízo das gerações futuras.”

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Otimista, curiosa e imensamente maravilhada com a sua atividade profissional. Chama-se Francisca Guedes de Oliveira e é economista e docente da Católica Porto Business School. Cresceu numa família grande, onde recorda uma infância muito animada e divertida, e foi através do seu gosto pela Matemática, História e Filosofia que se aventurou na Licenciatura em Economia, tendo-se mais tarde especializado na área da economia política e da política pública. Nesta entrevista, fala-nos sobre o seu percurso profissional, os principais desafios da economia e o futuro de Portugal.

 

“É preciso não fazer o mesmo de sempre, sob pena de se conseguir o mesmo de sempre…”

 

Olha para o futuro de Portugal com entusiasmo?

Eu sou uma pessoa bastante otimista (risos). Acho que Portugal tem problemas complicados que tivemos oportunidade de resolver num passado relativamente recente, mas não o fizemos. Agora, vamos ter novamente oportunidade de os resolver, mas eu, confesso, que receio que não a consigamos aproveitar. Portugal tem tido um crescimento morno, tem feito uma convergência fraca com a Europa e precisava, mais que nunca, de dar um salto. Temos uma estrutura produtiva ainda muito frágil. Tivemos uma recuperação absolutamente extraordinária do ponto de vista do ensino e da qualificação nos últimos 30 anos. Temos de facto muito talento criado e talento que dá provas pelo mundo fora. Temos é de arranjar forma de ter empresas com outra escala, com valor acrescentado e com um setor industrial forte e vigoroso que faça subir o salário médio. É preciso pensar fora da caixa, é preciso ter coragem, é preciso não fazer o mesmo de sempre, sob pena de se conseguir o mesmo resultado de sempre…

 

Atualmente quais são os grandes desafios da economia?

Temos desafios brutais. O desafio do preço dos combustíveis e do gás e o desafio da inflação, que já existia antes da guerra. O principal problema é que as economias não estão suficientemente robustas para conseguirem começar a fazer uma política monetária de combate à inflação e, claro, vemo-nos perante um período de guerra que está a provocar a regressão das economias. Mas estes desafios são claros e devemos estar preparados para as suas consequências e impactos. Mais a médio e longo prazo, temos, também, o desafio da sustentabilidade. Temos de ter um modelo de crescimento e desenvolvimento económico que permita todo o bem-estar a que estamos habituados, sem prejuízo do ponto de vista do impacto ambiental e da sustentabilidade para as gerações futuras.

 

“Temos de facto muito talento criado e talento que dá provas pelo mundo fora.”

 

Identifica nas gerações mais novas maior preocupação com as questões da sustentabilidade?

Creio que há uma grande duplicidade de comportamentos. Uma das coisas que sinto de muito diferente relativamente à minha geração é o facto de andarem muito mais de transportes públicos e de manifestarem esse alerta. Em simultâneo, são gerações extremamente consumistas. A facilidade com que trocam de telemóvel, por exemplo, é tremenda. Creio que talvez ainda não tenham percebido que uma coisa tem implicação na outra e que a sustentabilidade tem de estar refletida nesta multiplicidade de comportamentos.

 

“O extraordinário na economia é a possibilidade que temos de pensar e analisar no concreto a vida das pessoas.”

 

Cresceu no seio de uma família grande. Quais as suas principais memórias de infância?

As memórias mais marcantes da minha infância são em casa da minha avó rodeada de muita gente, sempre com muito movimento e agitação. Ainda hoje temos todos uma relação muito próxima! Tive uma infância absolutamente feliz, sempre muito aconchegada. Eu era uma maria-rapaz, gostava muito de jogar futebol, de subir às árvores, a minha avó tinha um jardim enorme com um galinheiro e eu, os meus irmãos e primos andávamos sempre todos sujos por lá a correr. Foi uma infância muito alegre.

 

Que disciplinas é que mais gostava e como é que se dá a escolha pela área da Economia?

Eu sempre gostei muito de matemática e sempre tive alguma facilidade. Gostava, também, muito de Filosofia e adorava História. Acho que em certa medida, este é o motivo pelo qual escolhi Economia na universidade. Cheguei a pensar em Direito, mas não tinha matemática e, por isso, coloquei de lado essa hipótese. Economia absorvia a História, a Filosofia e a Matemática. A minha escolha, mais do que vocacional, foi ir ao encontro das coisas que eu gostava de fazer e pelas quais me interessava.

 

Quando ingressou na faculdade, com que percurso profissional sonhava?

Durante os cinco anos do meu curso, nunca pensei muito bem naquilo que queria fazer profissionalmente. O caminho mais normal era seguir pelas carreiras em empresas ou consultoras. Quando comecei a ir a entrevistas, percebi que não me identificava e que não era o que eu procurava. Lembro-me de me sentir um bocado perdida, sem saber para onde ir. Foi nesse preciso momento que surgiu a possibilidade de vir dar aulas de econometria para a Católica Porto Business School, oportunidade que decidi agarrar. Em simultâneo, surgiu a possibilidade de ir fazer um estágio para o Instituto Nacional de Estatística (INE). Foram tempos muito bons, gostei imenso de dar aulas e também adorei o estágio no INE, porque estive envolvida no Gabinete de Estudos Regionais onde contactava diretamente com a economia, facto que me fez perceber como é que o país se mexia.

 

“Proporcionamos uma preparação profundamente global.”

 

Foi no seu doutoramento que se especializou na área da economia política e da política pública…

Sim, até então o meu percurso foi muito direcionado para a matemática em si. Foi a partir do doutoramento que comecei a perceber que o extraordinário na economia é a possibilidade que temos de pensar e analisar no concreto a vida das pessoas, que é, no fundo, a relação entre os agentes económicos e a maneira como isso condiciona a vida das pessoas, bem como a forma como uma entidade definidora de políticas públicas consegue ser capaz de condicionar e moldar a vida da sociedade.  

 

É docente na Católica Porto Business School há mais de vinte anos. Como é que esta escola se destaca na formação das próximas gerações de economistas e gestores?

Em primeiro lugar, importa referir que os alunos das nossas licenciaturas em Economia e em Gestão partilham um primeiro ano comum, o que significa que proporcionamos uma preparação profundamente global, que muito contribui para o desenvolvimento dos estudantes, não só ao nível técnico, mas, também, comportamental. Temos uma grande preocupação com a preparação holística dos nossos estudantes. Atentamos a todo o envolvimento de forma a que as suas competências sejam desenvolvidas ao máximo e temos um Career and Development Office que presta apoio e acompanhamento a todos os alunos. Das cadeiras de Projeto nascem sempre ideias muito interessantes e é através desse desafio que os nossos alunos trabalham a comunicação, a empatia, a criatividade. Está, também, na nossa natureza uma profunda ligação ao tecido empresarial e isso é muito diferenciador, porque proporciona aos nossos estudantes um contacto próximo com a realidade e com o mercado de trabalho. Todos estes elementos são amplamente reconhecidos pelo mercado, facto que diferencia os nossos alunos.

 

“É absolutamente enriquecedora a diversidade.”

 

Para além da sua atividade como académica, integra, também, o Conselho de Administração da AICEP, entre várias outras posições em diversas instituições, sendo mãe de 3 filhos. É fácil conciliar a vida profissional com a vida pessoal? Para as mulheres é mais difícil ainda?

Muitíssimo mais. Qualquer ideia de que as coisas estão a ficar equilibradas é completamente falsa. Evidentemente, que as coisas estão muito melhores, mas há ainda um desequilíbrio enorme e a pandemia veio agravar a situação. Temos uma visão muito tradicional do papel da mulher e isto é culpa da sociedade, não só dos homens, mas, também, das próprias mulheres. No início cheguei a ser contra as quotas, mas, hoje em dia, sou totalmente a favor, porque já percebi que se não for pela discriminação positiva não vamos lá. As quotas são uma forma de criar condições para haver uma oportunidade de mostrarmos o que valemos e daquilo que somos capazes. É verdade que já se vai ouvindo falar de alguns casos de sucesso e de mulheres com cargos importantes, mas ainda são poucos, porque ainda os conseguimos nomear. Só estaremos bem quando lhes perdermos a conta e quando for uma coisa normal.

 

A defesa da igualdade de género é uma das suas causas?

Faço questão de me envolver na defesa da igualdade de género. A diversidade é absolutamente enriquecedora, seja de género, de raça, de opções políticas ou religiosas ou de outro aspeto qualquer. Quanto maior for a diversidade, maior é a capacidade de se pensar de forma diferente e de se chegar a conclusões inovadoras. Tenho escrito sobre este assunto e, inclusivamente, também já orientei algumas teses na área. É muito importante que haja conhecimento científico objetivo sobre o tema. Tenho, também, uma preocupação muito grande em transmitir isto aos meus filhos. Para quem é mãe de rapazes, como é o meu caso, a preocupação deve ser ainda maior.

 

O que é que a move?

A minha família. É sempre a primeira coisa que me vem à cabeça quando que me perguntam isso. A família está no centro de tudo aquilo que faço e sou. Adoro trabalhar e adoro os projetos nos quais estou envolvida. Movem-me as causas em que acredito e das quais sou militante como a desigualdade social, a desigualdade de género, a desigualdade na distribuição de rendimento, a proteção dos mais frágeis.

 

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21-04-2022