José Carlos Carvalho: “Mais do que dar respostas, a Teologia coloca questões.”

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José Carlos Carvalho tem 55 anos, é natural do Porto e é professor e investigador da Faculdade de Teologia. Em 1987, chega à Católica para a licenciatura em Teologia, tendo prosseguido os estudos nesta área, especializando-se em Teologia Bíblica. O seu percurso de formação passou, também, por Roma e por Jerusalém. A fé faz falta ao mundo? “Se houvesse mais fé, o mundo seria muito melhor.”

 

É licenciado, mestre e doutorado em Teologia. Porquê estudar Teologia?   

Foi em 1987 que entrei para Teologia, tinha 18 anos. Eu tinha muita curiosidade e gosto pela Teologia e muito interesse pela Doutrina Social da Igreja, pela procura das razões da fé. Tinha, também, muita vontade em dialogar para ir à busca de um sentido. A Teologia obriga-nos a pensar profundamente. Durante a minha juventude tive uma vida bastante ativa na minha paróquia e, naturalmente, este gosto pela Teologia também surge por alguma influência de pessoas que foram uma referência para mim, como era o pároco e alguns capelães que serviam na paróquia. Durante o curso, ainda surgiu a possibilidade de seguir a via ministerial e até cheguei a frequentar dois anos de Seminário. Depois, em liberdade, percebi que afinal a minha vocação não era essa.

 

“Ter estado na Terra Santa deu solo ao que eu estava a estudar.”

 

A licenciatura correspondeu à sua expectativa?

Correspondeu pelo conhecimento que me proporcionou, pela capacidade de ler criticamente a realidade da própria Igreja, mas, também, do mundo. Acima de tudo, pela abertura de perspetivas que me abriu ao diálogo com os diferentes saberes.

 

A Teologia é multidisciplinar?

Diria que é interdisciplinar…. A Teologia tem o seu método próprio, mas agrega e dialoga com vários saberes. Para se pensar a Teologia, são precisos conselhos e critérios da Filosofia, conhecimento da Linguística, conhecimento de algumas línguas antigas, o conhecimento da História do pensamento e, também, algumas ciências humanas, como a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia e a Antropologia. Ao refletir sobre a condição humana, a Teologia tem necessariamente de dialogar e receber o contributo destas várias ciências.

 

“Quando eu conheço totalmente, deixa de haver mistério.”

 

A Teologia tem de ser estudada e pensada de forma aberta?

Aberta e arejada! A Teologia na Católica é aberta. Desde logo, porque convive com outras faculdades no mesmo espaço e, por isso, temos uma tendência natural para este diálogo. A boa Teologia é arejada e é isso que mais me fascina. Claro que dentro da Teologia, como em qualquer outra área, acabamos por nos especializar. Mas até essa especialização nos deve obrigar ao diálogo e ao confronto.

 

A que é que a Teologia vem dar resposta?

Mais do que dar respostas, a Teologia coloca questões. A resposta da mundividência cristã é uma resposta global, mas ela vem colocar questões que são, também, colocadas pelas ciências humanas e também pelas ciências mais exatas. Refiro-me à busca de sentido e à ânsia da esperança. A Teologia coloca no centro a humanidade. É um olhar sobre a pessoa humana. A Teologia olha para a pessoa humana com outras ferramentas, que outras áreas de conhecimento não possuem, porque ela é inspirada por uma base da revelação e por um testemunho, que é o testemunho de Jesus.

 

Quem estuda Teologia pode cair no erro de racionalizar demasiado e esquecer a dimensão do mistério?

É o perigo da racionalização absoluta do mistério. Nessa altura, deixa de haver mistério.
Deixa de haver aquela transcendência à qual a pessoa humana aspira. Chamamos a isto a dimensão apofática, isto é, a realidade é sempre maior do que as palavras e é algo que as palavras nunca vão conseguir conceptualizar. Quando eu conheço totalmente, eu deixo de ter mistério.

 

Vem a especializar-se na vertente bíblica.

A Faculdade de Teologia propôs-me um caminho na investigação na área bíblica. Propôs-me ir para Roma estudar esta área, para o Pontifício Instituto Bíblico. Sempre gostei de línguas e para estudar a Bíblia é necessário ter conhecimento de algumas línguas antigas. Foi uma oportunidade única. Fui com um grande espírito de missão, porque ia com a condição de trazer conhecimento nesta área para a faculdade.

 

Dos três anos de estudo em Roma, um semestre foi feito na Terra Santa …

Sim, estive cerca de 8 meses na Universidade Hebraica, em Jerusalém. Estar no terreno onde a Escritura foi sendo composta, redigida e formada dá outra encarnação. Ter estado na Terra Santa deu solo ao que eu estava a estudar. Aquele contacto com a arqueologia bíblica, com o terreno e com a memória é muito importante. Em Roma, também vivi um tempo fundamental. Foi lá que tive contacto com os maiores exegetas e com a investigação de ponta. Tive alguns professores que são verdadeiros monstros nesta área e tive contacto com investigadores estrangeiros de referência.

 

Para quem não é crente, porque é que a Bíblia importa?

Norbert Frye, nos Estados Unidos, em 1984, escreveu um livro que diz que o grande código da cultura ocidental é a Bíblia. Não é possível compreender a cultura ocidental sem a gramática que é a Sagrada Escritura. Foi a Bíblia que deu a mundividência e que formou a Cultura ocidental, ainda que muitos não gostem disso.

 

Esse desconforto é evidente na sociedade de hoje?

Claro que é. Existe claramente uma tendência revisionista. Infelizmente, há pessoas sem memória que, por isso, não conseguem fazer uma ampla leitura da História. Porquê renegar tantas pessoas que deram um contributo fundamental para a promoção dos direitos humanos e para o progresso da civilização? Porque é conveniente fazê-lo? Muitos dos grandes cientistas da modernidade eram cristãos: o Galileu, o Copérnico, o Kepler. Felizmente, na Católica, temos muita liberdade. Nós não discutimos pessoas, nós discutimos argumentos. É por isso que o debate na Faculdade de Teologia e no Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião é muito livre. Numa universidade discutem-se razões, não se avaliam pessoas. Aqui não há lugar para a política do cancelamento.

 

Faz falta que no mundo haja mais fé?

Sempre que a fé vence a indiferença e a incredulidade é uma vitória do sentido. Fé esclarecida, claro. Há muita fé radical e fundamentalista e essa não interessa a ninguém. Aliás, isso nem é fé, isso é ideologia. Se houvesse mais fé, o mundo seria muito melhor.
Aqui fica, também, a crítica aos cristãos. Se os cristãos vivessem mais autenticamente a sua fé, o mundo seria muito melhor. Estou convencido de que a fé pacifica, aumenta a alegria, cultiva a comunhão e promove o progresso e o bem-estar, descartando a guerra e a violência.

 

A fé não tem ilusões sobre a humanidade?

A fé não tem uma conceção idílica da humanidade. Isso era o que o Leibniz achava… A fé sabe que o ser humano é pecador e violento, mas, ainda assim, acredita nela e sabe que a humanidade é muito mais capaz do que aquilo que ela é. Mas não tem ilusões e sabe que ela é frágil e violenta.

 

“Todos têm de ter lugar na nossa comunidade.”

 

Continua ligado à Paróquia que, de certa forma, o trouxe até à Teologia?

Nunca deixei de estar ligado à Paróquia do Marquês que foi onde cresci, onde me formei e onde, também, me casei. Continuo por lá. Depois de trinta e tal anos de catequista, agora estou envolvido num grupo que se chama Fé e Luz e que acolhe pessoas com deficiência mental, integrando-as em várias atividades e missões. Todos têm de ter lugar na nossa comunidade.

 

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25-01-2024