Tiago Braga: “A tolerância, a cooperação e a bondade foram valores que aprendi na Universidade Católica.”
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Tiago Braga é licenciado pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa e ocupa atualmente o cargo de presidente do Conselho de Administração da Metro do Porto. Dos anos passados na Católica, destaca os valores de “tolerância, bondade e cooperação”, que continua a transportar para a vida profissional. Tem, desde a sua infância, um grande interesse pelo mundo natural e pelas questões do ambiente e foi no curso que encontrou “estrutura para transformar inquietações em soluções”. Sobre a necessidade de mudar mentalidades e hábitos no que à mobilidade sustentável diz respeito: “Ainda há um longo caminho a percorrer.”
Quando era criança, que ideias tinha para o seu futuro profissional?
Tive aqueles sonhos habituais das crianças. Sonhava ser piloto da Força Aérea, jogador de futebol e até quis ser bombeiro. Mas, desde muito cedo, comecei a sentir um fascínio muito grande pelo mundo natural. Lembro-me de passar horas a observar girinos, rãs, tudo o que tivesse a ver com o mundo animal. Ainda miúdo, tornei-me membro da Greenpeace. Recordo-me bem da discussão sobre energia nuclear em Portugal, dos autocolantes antinucleares com os smileys amarelos, e do impacto que esses temas já tinham em mim, apesar de ser ainda muito jovem. No 9.º ano, na Escola Secundária de Valadares, tive um professor que marcou bastante o meu percurso. Com ele e outros colegas, formámos um grupo ligado à questão ambiental. Montámos um sistema de suporte de vida para peixes, uma estrutura mais próxima de um pequeno ecossistema do que de um aquário comum. Já naquela altura, percebia que a minha curiosidade estava muito ligada às ciências da natureza e ao ambiente e, de forma especial, ao meio aquático.
Porquê esse fascínio pela área do ambiente?
Não tive propriamente referências familiares e de amigos nesta área. Foi uma área que fui explorando e que me inquietava. Naquela altura, o ambiente não era um tema “da moda”. Mas, para mim, já tinha importância. Sentia que havia uma relação emocional forte com a natureza, um impulso para querer compreender e proteger. Não conhecia os conceitos que hoje usamos, como “economia circular”, mas já intuía que não era possível mantermos uma lógica predatória sobre os recursos naturais.
É na sequência desse seu interesse que se candidata à licenciatura em Engenharia do Ambiente da Escola Superior de Biotecnologia.
Cheguei a estar muito inclinado para o curso de Ciências do Meio Aquático no ICBAS, mas acabou por não acontecer, porque um primo meu, que estudava Direito na Universidade Católica, falou-me de um curso novo que ia abrir em Engenharia do Ambiente da Escola Superior de Biotecnologia. A proposta pareceu-me interessante e acabei por me candidatar ao ano zero.
De que forma é que a licenciatura foi ao encontro do seu entusiasmo e inquietação pelas questões do Ambiente?
O curso veio dar estrutura e racionalidade a uma inquietação que era, até então, sobretudo emocional. A Engenharia ensinou-me a pensar em soluções, ensinou-me a colocar-me diante de problemas e procurar como os resolver. Começávamos a viver uma fase em que a União Europeia desenvolvia legislação ambiental relevante: na área da água, dos resíduos, das emissões… Não se falava ainda de clima com a intensidade de hoje, mas o tema das alterações climáticas e do aquecimento global começava a ganhar terreno. Como o curso era da Escola Superior de Biotecnologia, tinha uma abordagem multidisciplinar e diferenciada. Estávamos rodeados de alunos e professores das áreas da Microbiologia e da Engenharia Alimentar, e isso obrigava-nos a pensar de forma mais aberta e articulada.
O que é que foi mais marcante para si no seu percurso na Universidade Católica?
A tolerância, a cooperação e a bondade foram valores que aprendi na Universidade Católica e que me marcaram profundamente até hoje. Éramos poucos alunos e isso criou um ambiente muito próximo. Entre alunos, havia uma ligação forte, quase como uma grande turma. Entre alunos e professores, havia proximidade e respeito. A autoridade não se exercia de forma autoritária, mas sim pelo exemplo. Nunca assisti a conflitos ou tensões, nem dentro nem fora das aulas. Ao contrário de outras universidades onde se falava de contextos mais agressivos, na Católica vivia-se um ambiente profundamente bom, onde imperava a tolerância, a cooperação e a bondade. O bar da Escola, por exemplo, era frequentado por alunos de outras instituições, precisamente porque ali se sentia um ambiente diferente, mais saudável e respeitador.
De que forma é que esse ambiente o influenciou?
O ambiente da Católica não foi apenas um contexto favorável. A Católica influenciou o que sou hoje e todos os colegas daquela geração partilham, de certa forma, essa marca. Aprendemos a pensar de forma holística, a integrar diferentes áreas do saber. Até ao terceiro ano, tínhamos várias cadeiras em comum com os outros cursos. Isso obrigava-nos a discutir problemas em conjunto, a encontrar soluções a partir de olhares complementares.
Como aplica essa visão enquanto presidente do Conselho de Administração da Metro do Porto?
Vivemos num mundo cada vez mais instável, volátil e ansioso. As relações de força mudam de um dia para o outro, as decisões são contraditórias, os cenários imprevisíveis. Neste contexto, é fundamental manter a consistência e a clareza de propósito. E isso só se consegue com pensamento coletivo, empatia, tolerância, uma visão integrada e humanista.
A Metro do Porto é uma infraestrutura absolutamente transformadora. É a espinha dorsal da mobilidade da região. Estamos num momento de grande expansão com novos investimentos, novas linhas, maior cobertura. Estamos a chegar a territórios onde não havia transporte público estruturado e a melhorar o serviço onde já existia. É uma operação com um investimento global de cerca de dois mil milhões de euros, com enorme impacto na vida quotidiana das pessoas. Liderar esta organização significa estar permanentemente a gerir múltiplas dimensões. A motivação nasce da clareza do propósito e da perceção do impacto do nosso trabalho. Gosto de lembrar a quem trabalha comigo que estamos do lado certo da história. Que aquilo que fazemos tem um efeito que se sente todos os dias: na redução do tempo de deslocações, na coesão territorial, na criação de oportunidades para quem vive longe dos centros urbanos. Na Metro, trabalhamos muito sob pressão. Os projetos são complexos, os prazos apertados, os interesses múltiplos. Há momentos de tensão, é inevitável. Mas é exatamente nesses momentos que é preciso recordar a missão maior: estamos a ajudar a transformar a cidade e a melhorar e transformar a vida das pessoas.
Acha que a sociedade está, hoje, mais desperta para a importância da mobilidade sustentável?
Gostava de dizer que sim, mas temo que ainda haja um longo caminho. Em alguns contextos, até parece que estamos a andar para trás. Veja-se o debate atual nos Estados Unidos sobre o fim dos incentivos aos veículos elétricos. Até podemos discutir se a eletrificação é a única solução, mas o essencial é reconhecer que as alterações climáticas existem e que as emissões de carbono contribuem para esse fenómeno. Mas mesmo para quem insiste em negar estas evidências, há factos que se impõem na nossa realidade, como são exemplo os congestionamentos. Um estudo do Tribunal de Contas Europeu de 2021 apontava que os congestionamentos urbanos custam à Europa 280 mil milhões de euros por ano. Na Área Metropolitana do Porto, um cidadão passa em média 70 minutos por dia no trânsito. Isso dá cerca de 30 dias por ano. Ou seja, estamos mais tempo no trânsito do que em férias. Será que as pessoas já pensaram verdadeiramente nisto? Mas, por agora, o essencial é garantir mais e melhor oferta de transporte público: com mais frequência, mais conforto, mais pontualidade e mais regularidade. Só assim se consegue que a escolha pelo metro, pelo autocarro ou pelo comboio seja uma escolha racional e vantajosa. É, também, preciso que o serviço exista, que funcione e que responda às necessidades das pessoas. É preciso oferecer mais conforto, frequência, pontualidade. O transporte público tem de competir com o carro, que tem a seu favor um enorme investimento publicitário. Mas claro que só a oferta não é suficiente, é mesmo necessário uma mudança de hábitos e sabemos bem como é difícil mudá-los.
O que é que o move?
Desde a minha juventude, o propósito é o mesmo – o ambiente. A mobilidade está no centro das questões ambientais. Quando falamos de mobilidade, o impacto é mais do que apenas ambiente. Estamos a falar de impacto social, económico e humano. Quando expandimos uma linha, damos acesso a novos mercados de trabalho, reduzimos desigualdades, melhoramos a qualidade de vida das pessoas. Por isso, estamos a falar de dar às pessoas a possibilidade de uma vida melhor e isso é o mais importante. Que, no fundo, entronca com o espírito da Universidade Católica, o tal espírito de tolerância, bondade e cooperação que acaba por motivar e dar propósito à minha vida.
03-07-2025