Arménio Rego: "Sorte e Discernimento"

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Arménio Rego: "Sorte e Discernimento"
Quarta-feira, 14 de Abril de 2021 in Líder Online

A sorte dá muito trabalho. Mas também pode ser simplesmente isso - sorte. No percurso de empresas hoje entronizadas, como a Tesla ou a Amazon, a sorte exerceu papel importante. Por sorte entendo a emergência de condições (fora do controlo da liderança) que, se não tivessem ocorrido, poderiam ter resultado na destruição da empresa. Brad Stone, que escreveu sobre a Amazon e Jeff Bezos, ilustrou essa realidade.

Não fora o sucesso da emissão de obrigações convertíveis, no mercado europeu, em 2000, a uma supertaxa de 6.9% - a empresa teria provavelmente sucumbido no ano seguinte, após o crash da bolha dot.com. Sem a sorte gerada pelo balão de 672 milhões de dólares, a Amazon poderia ter definhado - e não teria tido a oportunidade de fazer o que veio a alcandorá-la ao trono em que agora é colocada.

A tese da sorte é incompatível com a crença no mérito. Para quem lidera, pode ser difícil reconhecer que o sucesso também assenta na sorte. Afirmar o papel da mesma pode ser interpretado como sinal de fraqueza e pouca autoconfiança. Mas há quem tenha essa coragem. Numa entrevista recente, Paulo Rosado, fundador e líder do unicórnio luso Outsystems, enfatizou a importância da ambição e do trabalho árduo. Mas também afirmou, pelo menos 13 vezes, que ele e a empresa tiveram sorte.

Não conheço Paulo Rosado, nem disponho de evidência suficiente para fazer uma avaliação realista da sua liderança. Mas isso não me impede de sublinhar o ato humilde. Estando na mó de cima, Paulo Rosado poderia simplesmente ter jogado para a mesa das explicações do sucesso da empresa a parafernália de estratégias e esforços que adotou.

Ao reconhecer o papel da sorte, demonstrou discernimento. A realidade é demasiado complexa para se abrir a explicações simplistas. Muitas organizações bem geridas fracassam. E muitas organizações mal geridas florescem. A liderança, embora importante, é apenas um dos fatores explicativos do sucesso. Num livro sobre os autoenganos dos gestores, Phil Rosenzweig, professor no IMD, ajuda a compreender a natureza dessas ilusões.

O sucesso de uma organização depende de muitos fatores, e a liderança é apenas um entre eles. O facto de uma organização ser bem-sucedida não significa, necessariamente, que o sucesso provém de uma liderança eficaz ou recomendável. Frequentemente, o processo é inverso: usamos o sucesso da organização para atribuir qualidades excecionais à sua liderança.

Porque a equipa ganha, o treinador tem que ser bom - supomos nós. Mas veja-se a quantidade de "bestiais" treinadores que, num ápice, passam a "bestas". O que muda, nesse curto período, não é a qualidade do treinador - é o resultado alcançado pela equipa, dependendo este do treinador e de numerosos outros fatores. Rosenzweig acaba por argumentar que os melhores gestores têm consciência de duas coisas.

Primeira: a fórmula do sucesso duradouro é wishful thinking. Segunda: embora o trabalho árduo e a competência sejam cruciais, a sorte e o azar jogam um papel importante nos resultados da organização. Esses gestores não se desculpam com o azar, nem sacodem a água do capote, quando o insucesso bate à porta.

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