Tiago Mesquita: “Ter um pincel na mão, ou uma caneta para escrever, ou uma câmara para filmar pode ser uma arma muito positiva.”

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Tiago Mesquita é realizador e produtor de Cinema e é licenciado em Direito pela Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Estudou, também, no Colégio da Europa e na Los Angeles Films School. Desde criança que viveu rodeado de estímulos artísticos, o que acabou por influenciar a sua vida para sempre. Ainda assim, garante que o percurso em Direito lhe deu ferramentas importantes para a sua vida. Vive em Bruxelas há quase quinze anos, cidade onde fundou a sua própria produtora de Cinema. Qual é o seu sonho? “Criar e partilhar beleza no dia-a-dia.”

 

É realizador e produtor de Cinema, mas, em 1993 começa a licenciatura em Direito.

Sim, ingressei na Faculdade de Direito da Católica para estudar Direito. A verdade é que só quando comecei a estudar Direito é que me apercebi que me fazia muita falta explorar o meu lado mais criativo. Ainda assim, até no meu percurso em Direito pude aplicar aquilo que mais gostava de fazer. Recordo-me que, a uma dada altura, me deram a missão de fazer o chamado “serrote”, uma espécie de peça de teatro a brincar com os professores que se fazia no quinto ano do curso. Em vez de teatro, eu fiz uma longa-metragem. Longuíssima-metragem, aliás. Foi uma coisa mais ou menos a sério (risos), porque estive empenhado nisso meio ano, obriguei os meus colegas a serem atores e ainda consegui um patrocínio de uma pequena produtora de televisão, terminando com a projeção no auditório do Seminário de Vilar, cuja sala era ótima e permitiu albergar as centenas de pessoas que vieram ver o nosso filme.

 

O que é que influenciou e estimulou o seu lado mais criativo e ligado às Artes?

Sempre fui muito estimulado pela minha família a criar, a fazer pequenas curtas-metragens, a inventar histórias. Aliás, as principais memórias da minha infância estão precisamente relacionadas com aquilo que faço atualmente. Em miúdo, sempre quis brincar com tudo que tinha a ver com projeção, com sombras chinesas e fachos de luz. Portanto, tudo o que tem a ver com luz, sombras, som, audiovisual e música sempre me fascinou. Sempre gostei de inventar histórias. A minha mãe também estava sempre a escrever teatros e nós eramos os atores das suas criações. Cresci rodeado por esta explosão criativa e de imaginação.

 

Quais foram os momentos mais marcantes dos seus anos na Católica?

Na Católica, o momento mais importante e que marcou a minha vida para sempre foi o ter encontrado a minha mulher. É inevitável referir isto (risos). Foi uma história muito bonita que acompanhou praticamente todo o período do curso, que envolveu poesia, cartas anónimas, muitos amigos a ajudarem na conquista. Mas, também, foi uma relação marcada pela distância de vários países e estadias, viagens, bailes e uma imensa crença e persistência. O meu Erasmus em Paris também marca profundamente o meu percurso e, também, o ter sido presidente da comissão de curso e ter integrado a Associação de Estudantes. Sempre fui muito movido pela vontade de fazer a diferença e de trazer algo inspirador para as pessoas e na Católica tinha espaço para isso. Tenho memórias muito engraçadas e felizes. Como sabiam que eu era um criativo e com ideias diferentes, nomearam-me o ministro do pelouro do “Amor”. No fundo, na Associação de Estudantes, eu tinha a função de pensar nas pessoas, de organizar ações de mobilização, integração, solidariedade e de prestar atenção às pessoas que mais precisavam e estimular as demais para o fazerem. Trouxe sempre muito humor durante o ano, gostava de pensar no marketing criativo, na comunicação, na imagem e adorava provocar algum pendor demasiadamente conservador. Arrisco-me a dizer, por vezes, pseudo-conservador, patente só nalguns dos colegas da altura, mas não a maioria.

 

Apesar de sempre ter alimentado o seu lado criativo, terminou a licenciatura e prosseguiu os seus estudos na área do Direito …

Na verdade, já me começava a passar pela cabeça a ideia de trabalhar profissionalmente na área do Cinema, mas ainda assim continuei pela via do Direito. No fim do curso, tive uma bolsa para o Colégio da Europa e lá fui eu. Nunca deixei de explorar a minha veia criativa e, por isso, durante esse tempo em Brugge, dediquei-me à produção de um filme que se chamava “The art of being portuguese in Brugge”, inspirado na Arte de Ser Português, de Teixeira de Pascoaes, mas, claro, não tinha praticamente nada de semelhante, só mesmo o nome (risos). Tratava-se da história burlesca e cómica de que todo o mundo, um dia, se ia nacionalizar português, para poderem usufruir das vantagens únicas desta nacionalidade, do estado de espírito, do charme, etc.

 

“O facto de ter tido alguns professores brilhantes instigou em mim esta vontade de argumentar e de negociar.”

 

Depois do Colégio da Europa, ruma para os Estados Unidos para estudar Cinema …

Sim, mas antes ainda estive a trabalhar na Comissão Europeia. Só depois, é que fui para os Estados Unidos. Conheci o John Malkovich num filme realizado por ele, onde pude ter uma pequena participação. Deste trabalho resultou uma boa relação entre nós e ele acabou por me escrever umas cartas de recomendação que me abriram portas em Los Angeles.  Acabo por conseguir uma bolsa para estudar Cinema na Los Angeles Films School. Nessa altura já tinha alguma bagagem técnica de todas as experiências que tinha tido e também já fazia os meus projetos, alguns filmes e curtas-metragens. Eu sempre tive um fascínio pelo Cinema americano e, por isso, entre ficar na Europa ou ir para os Estados Unidos não tive dúvidas. Agarrei-me àquilo com uma paixão enorme.  

 

Atualmente, vive em Bruxelas. Foi em Bruxelas que montou a sua própria produtora.

Precisamente. Tenho um estúdio de cinema visual, com todo o tipo de infraestruturas para filmar, produzir cinema, também com estúdio para cinema virtual, infraestruturas completas de pós-produção, efeitos visuais, imagem, som, montagem, estúdio para gravação musical, maquiagem, adereços, design, guarda roupa - (cobrindo a produção de filmes de A a Z, atualmente com grande enfoque nas mais recentes tecnologias, combinado com a arte de cinema tradicional e bastante cinema internacional e americano).  Oferecemos um serviço muito completo. Cobrimos filmagens históricas: Roma antiga, Grécia, Egito, época medieval e até futurista, cinema de ação, etc.

 

Sempre foi importante para si conhecer de perto todas as dimensões do Cinema?

Sim, essa foi sempre a minha prioridade. Sou produtor e realizador, sobretudo, mas com uma bagagem técnica muito forte. Quis conhecer tudo e quis entender profundamente toda a técnica que está por trás do Cinema. Passei por tudo e é isso que, hoje em dia, na minha produtora me faz poder oferecer um serviço de A a Z. A ideia do Cinema é a colaboração de todas as dimensões. O Cinema é, na sua natureza, profundamente colaborativo.

 

“Um líder só é líder quando serve os outros.”

 

De que forma é que liga o Direito àquilo que faz hoje em dia?

Uma das coisas que o Direito me trouxe, através das várias experiências internacionais que vivi, foi esta visão abrangente do mundo. Este lado da diplomacia e das relações internacionais e do conhecimento das instituições comunitárias influenciou-me muito. Também influenciou algumas das temáticas dos guiões que escrevo. Outro aspeto em que o Direito me ajuda é, sem dúvida, nos aspetos formais, como os contratos e as negociações. O facto de ter tido alguns professores brilhantes instigou em mim esta vontade de argumentar e de negociar. Ajuda-me imenso nas negociações a convencer as pessoas. Consegui facilmente convencer atores conhecidos a trabalhar em alguns dos meus filmes, quando não havia sequer um orçamento razoável para os convencer.

 

Como é que fez isso?

Percebi que podia haver muitos motivos, para além do orçamento, para convencer atores a entrarem nos nossos filmes. Uma tática que utilizamos muito foi o tentar ter um acordo inicial com um ator muito consagrado, que tenha ganho um Óscar ou que tenha estado nomeado. A partir do momento em que conseguimos este acordo, é muito mais fácil convencer atores mais novos, porque todos querem trabalhar com alguém desse gabarito. Tive oportunidade de trabalhar com atores absolutamente incríveis, uns que ganharam Óscares e outros que não. Alan Arkin, Bruce Dern, James Earl Jones, David Spade e também alguns atores mais controversos como Steven Seagal, Lindsay Lohan e outros.

 

O que é que o fascina na sua profissão?

A inocência de continuar a acreditar que é possível fazer a diferença e inspirar. Alguns cineastas mais conservadores vão dizer que a missão de alguém que faz um filme não é de todo inspirar, nem influenciar. Eu não concordo. Acredito que sim, que há um poder enormíssimo. Ter um pincel na mão, ou uma caneta para escrever, ou uma câmara para filmar pode ser uma arma muito positiva. Se for bem utilizado, claro. Acredito que a nossa missão, como cineastas, também pode ser a de fazer a diferença. Entretenimento sim, mas também partilhar, mostrar algo de novo, ensinar – História por exemplo – e dar alento. O que não quer dizer que um bom filme seja dar todas as respostas. Pelo contrário. Um bom filme faz a diferença, porque coloca as boas questões, em vez de dar as respostas, que poderão levar o público, ou uma parte do público, a chegar a conclusões, por vezes profundíssimas e abaladoras.

 

Assume muitas funções de liderança na sua profissão. O que é um bom líder?

Ser um bom líder é ser-se líder servindo os outros. Se eu pensar que quero liderar para que todos me sirvam, é certo que não vai funcionar. É precisamente o contrário. Eu sou líder quando sirvo os outros. Houve muitas pessoas da Católica que me inspiraram a este nível, porque tinham precisamente esta visão. Os meus melhores dias de filmagens são sempre aqueles onde consegui que o meu foco fosse Give the best time to people, de forma a conseguir que cada um desse o seu melhor e se sentisse radiante por isso. Claro que isto, às vezes, acontece à custa de nós próprios nos sentirmos bem. Mas é assim que eu vejo um líder. Um líder só é líder quando serve os outros.

 

Projetos para o futuro?

Agora estou concentrado no filme da história de Inês de Castro. Tenho um fascínio grande pela História. É um episódio lindíssimo da História portuguesa e que, embora tenha havido vários filmes feitos em Portugal sobre ele, lá fora não é de todo conhecido. Estou a investir muito tempo para fazer uma versão em inglês e com um casting internacional. Há quem diga até que foi na história de Inês de Castro que Shakespeare se inspirou para a criação do Romeu e Julieta. Estou, também, a trabalhar num filme baseado nos ataques terroristas no Aeroporto da Bélgica, que aconteceu aqui há uns anos. Entrevistei algumas das vítimas que sobreviveram e estive no aeroporto a acompanhar polícias durante um ano.  Com base nisto, escrevi um guião que, necessariamente, teve de ter alguns elementos de ficção, para não invadir a privacidade das vítimas, mas é profundamente baseado em factos reais. Não há praticamente uma semana em que não tenha uma ideia forte. Uma das coisas que aprendi é que nunca se pode deixar uma ideia na cabeça, é preciso apontá-la logo para que não se esqueça. É isso que eu faço. Às vezes, acordo a meio da noite com boas ideias e vou logo apontá-las.

 

“Há um equilíbrio absolutamente excecional em ser português.”

 

Qual é o seu sonho?

O meu ideal? É conseguir criar e partilhar beleza no meu dia-a-dia. Acho que é isso que os verdadeiros artistas conseguem fazer. Eles conseguem olhar para uma mesma realidade, nem que seja lixo na rua, e ver algo de belo, e a partilha dessa visão poderá inspirar os demais. O meu objetivo com aquilo que faço hoje em dia é criar beleza e transmiti-la.

 

Um português, que vive há tantos anos longe de Portugal, de que é que tem mais saudades?

Acho que há uma Arte de se ser português fora de Portugal. É isso que tenho tentado fazer. Estou fora de Portugal há muitos anos, mas acho que sempre tentei isso espontaneamente. Aquilo de que me tenho apercebido ao longo de tantos anos fora e ao longo de tanto contacto com outras nacionalidades é que há algo de muito equilibrado em ser português. Temos uma simpatia e um calor muito particular. Há um equilíbrio absolutamente excecional em ser português.

 

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08-02-2024