André Baltazar: “A tecnologia pode potenciar um artista e a sua criatividade.”

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Engenheiro de formação e com fortes ligações ao mundo das artes, André Baltazar é docente, investigador e Vice-Diretor da Escola das Artes. Como se não bastasse, é consultor de diversas instituições culturais. Foi durante o doutoramento na Católica em Ciência e Tecnologia das Artes que fez investigação na Universidade de Stanford. Garante que quem vem à Escola das Artes fica apaixonado pelo seu ambiente altamente tecnológico, criativo e desafiante. Nos tempos livres? Brinca com os filhos, integra os be-dom, uma banda de percussão, e faz pranchas de surf, com as quais pratica esse desporto.

 

O que é que desde sempre o ligou ao mundo das artes?

Desde miúdo que sempre estive ligado ao mundo do teatro e da performance, os meus pais sempre fizeram teatro amador (ainda hoje sobem ao palco) e por inerência era eu que fazia a banda sonora, a programação das luzes, cenários, enfim... Para além disso, exatamente como resultado duma peça de teatro em que participei, desde os meus catorze anos que faço parte de uma banda de percussão - os be-dom -, uma banda que usa lixo e objetos do quotidiano como instrumentos de percussão. Esta experiência permitiu-nos viajar pelo mundo inteiro e fazer temporadas, por exemplo, no Fringe de Edimburgo, no Casino Venetian em Macau, em festivais em Itália, Alemanha, França, Bahrain, etc. No fundo, foi através deste meu histórico que, mais tarde, enquanto aluno de engenharia, percebi que, através da tecnologia, era possível potenciar um artista e a sua criatividade. E tem sido nisso que tenho trabalhado.

 

O que é que o levou até à Faculdade de Engenharia?

Sempre gostei muito de desconstruir os objetos. Em pequeno, gostava de perceber como é que os brinquedos funcionavam e gostava de fazer experiências, e creio que apesar da minha ligação à arte, o meu raciocínio sempre foi mais de lógica e pragmático. Foi este meu fascínio que me levou até à Faculdade de Engenharia para estudar Engenharia Eletrotécnica.

 

É no seu Doutoramento que descobre a Escola das Artes …

Precisamente, quando eu comecei a estudar estava longe de pensar que ia fazer o doutoramento, até porque quando estava a terminar o mestrado já tinha praticamente um contrato com uma grande consultora para trabalhar em Lisboa. No entanto, a vida deu uma volta e após me candidatar e ganhar uma bolsa da FCT ingressei no Doutoramento em Ciência e Tecnologia das Artes, onde acabei por investigar e desenvolver um framework que, com recurso a Machine Learning, permitia a um bailarino controlar todo o aspeto tecnológico da sua performance - som, música e luz, por exemplo -, através do reconhecimento dos seus gestos, que eram capturados por uma câmara de vídeo.

 

“Nós temos quer os meios, quer o know-how, quer a infraestrutura para desenvolver projetos de elevadíssimo nível”

 

O seu doutoramento permitiu-lhe passar algum tempo a desenvolver a sua investigação na Universidade de Stanford. Como é que foi a experiência?

Vivi lá cerca de cinco meses, permitiu-me ter contacto com os gurus da computer music e com todo o conhecimento que lá existe. Foi uma oportunidade muito boa não só pelo networking que fiz, mas, também, pela experiência de estudar em Stanford e viver em Silicon Valley, numa altura em que os gigantes tecnológicos como a Google ou o Facebook estavam em franca expansão. O ambiente que se vive na Universidade é muito exigente e o campus tem uma dimensão enorme, comparado aos nossos. Eu entrava no campus e fazia ainda cerca de um quilómetro e meio de bicicleta até chegar ao edifício onde eu trabalhava (e o campus continuava). Sentia-se uma imensa abertura porque praticamente não havia uma sala de aula formatada. Estas decorriam no mesmo open space onde eu fazia investigação e sentia-se um ambiente muito descontraído, mas, ao contrário do que isto possa dar a entender, a exigência era muito alta. Também aqui na Escola das Artes, aos poucos, estamos a tentar desconstruir a formalidade de um anfiteatro ou de uma sala de aula.

 

De que forma é que a Escola das Artes é capaz de desafiar os seus alunos?

O que nós pretendemos é que os nossos alunos, professores e investigadores façam parte duma comunidade criativa. É isto que fomentamos com as imensas atividades que oferecemos paralelas às aulas, é também através destas que pretendemos estimular os nossos alunos e que estes se desenvolvam enquanto artistas, pensadores e profissionais. Também temos trabalhado na abordagem de ensino baseada em projeto. Queremos que os nossos estudantes desenvolvam connosco um portefólio artístico que lhes abra muitas portas no futuro.  Um bom exemplo, é o nosso programa de residências artísticas nacional e internacional e as aulas abertas que realizamos durante os semestres de Primavera. Através destes programas trazemos até à Escola das Artes vários artistas de relevo que acabam por ativar e desafiar a nossa comunidade. Temos também um corpo de professores forte e fazemos questão que realizem não só investigação científica, mas que, também, tenham uma produção artística vasta. Por exemplo, neste preciso momento está um professor nos estúdios a misturar um filme com um realizador internacional. E ainda há pouco tempo o Professor Carlos Lobo soube que o seu filme, rodado com o apoio da EA, foi selecionado e estreará na Berlinale2022.

 

Qual é o impacto da Escola das Artes na vida de todos os que por aqui passam?

Quando as pessoas vêm à Escola das Artes ficam apaixonadas por aquilo que fazemos. Nós temos quer os meios, quer o know-how, quer a infraestrutura para desenvolver projetos de elevadíssimo nível, altamente tecnológicos, e com uma componente artística muito forte. É isto que nos diferencia, é este ecossistema artístico inovador que nos caracteriza.

 

“É minha missão e vontade ajudar na formação de todos os meus alunos. Perseverança, calma, humildade.”

 

Que posição é que a Escola das Artes assume no panorama do ensino das Artes em Portugal?

A Escola das Artes está cada vez mais consolidada a nível nacional e quando nos referimos à Escola das Artes, referimo-nos, também, aos seus dois centros de investigação: o Centro de Criatividade Digital e o Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes. A produção destes dois centros, e das parcerias que criam a nível regional, nacional e internacional, projeta e cimenta a posição da Escola das Artes. Para além disto, somos uma escola totalmente aberta ao exterior. Temos uma relação de proximidade com muitas entidades culturais e artísticas. Somos uma escola que transmite competências artísticas de alto nível e somos uma referência na área da arte mediada pela tecnologia e na conservação e restauro de arte e património.

 

Serralves é um dos grandes parceiros da Escola das Artes …

Temos uma relação muito próxima com Serralves. Não somos apenas parceiros, podemos dizer que temos uma relação de amizade e de contribuição mútua. Colaboramos nas exposições que promovem e ajudamos e fazemos consultoria no desenvolvimento de novos projetos. Esta relação dinâmica e de partilha é extremamente positiva porque o conhecimento não vive só dentro da Escola das Artes, mas estende-se a toda a comunidade envolvente. Outro bom exemplo é a relação que também estabelecemos com a Fundação Gulbenkian. Em parceria, desenvolvemos este outono um curso de curadoria de exposições para alunos dos PALOP totalmente online e estamos a trabalhar juntos num projeto ainda mais ambicioso já para este ano que em breve será anunciado.

 

O que é que tenta transmitir, essencialmente, aos seus alunos?

Eu, às vezes, até digo aos meus alunos que estou a ficar um bocadinho paternalista (risos)! É minha missão e vontade ajudar na formação de todos eles. Perseverança, calma, humildade. Eu falo-lhes muito disto nas minhas aulas, ainda que de forma subliminar.  As minhas aulas são muito ligadas à tecnologia e à programação e nestas áreas há mil e uma maneiras de resolver o mesmo problema, o que faz com que cada um possa e deva ter o seu caminho, porque todos os caminhos são válidos, desde que não fiquem pelo caminho (risos). Tento salientar que devem aproveitar estes anos na universidade para experimentarem, errarem e para aprenderem, verdadeiramente, com os erros. Sempre com sentido crítico e com responsabilidade.

 

O que é que o preocupa nas gerações mais jovens?

Os jovens estão a crescer numa altura que tem tanta informação disponível e tão imediata que o grande desafio é fazer com que tenham a capacidade de parar e avaliar o que consomem. O conhecimento a que estão expostos deveria ser assimilado com muito mais ponderação e de forma mais estruturada e crítica. É neste ponto que reside alguma da minha preocupação, se eles saberão fazer a triagem do que realmente importa. Para além disso, parece-me que têm poucos mecanismos de filtragem de informação, o que faz com que sejam muito mais reativos no imediato, do que pró-ativos para atingirem os fins que ambicionam a longo prazo.

 

Será por esse motivo que às vezes se sente uma grande distância entre os jovens e a cultura?

Com tanta informação e com poucas capacidades de a filtrar, os mais jovens acabam por beber daquilo que lhes chega mais facilmente pelos canais mais massivos e por isso perdem muito conhecimento e muita cultura disponível (que na verdade está ao seu redor). Aqui na Escola das Artes tentamos reverter isto, na medida em que colocamos à disposição dos alunos uma programação cultural intensa que os desafia e os provoca.

 

“Quando vejo uma peça de arte, não só tento ver a estética, como todo o conceito envolvido e toda a parte tecnológica que permitiu o seu desenvolvimento.”

 

Enquanto membro da direção da Escola das Artes, quais são os principais objetivos traçados para 2022?

Temos feito um caminho muito positivo e já estamos numa fase de velocidade de cruzeiro que nos permite ambicionar mais alto. Um dos grandes desafios é a internacionalização. Queremos não só integrar redes internacionais, como, também, criar as nossas próprias redes e parcerias e expandir a Escola internacionalmente. Alicerçado a isto, temos, claro, o constante desafio de inovar! Gostamos de surpreender os nossos estudantes com a nossa atmosfera criativa. Queremos, também, criar uma rede de alumni sólida, com mecanismos de comunicação que nos permita fortalecer a relação com os antigos alunos, estreitando, também, as relações entre toda a comunidade.

 

O que é que mais gosta de fazer nos seus tempos livres?

Apesar de ser cada vez mais raro, devido às profissões de todos, ainda vamos conseguindo marcar alguns concertos dos be-dom, o que é muito bom para desanuviar. Além disso, realmente, gosto é de surfar, e também faço as minhas pranchas. Ao fim de semana ou estou na água se o mar estiver bom, ou estou a fazer pranchas, neste momento estou a acabar uma de madeira. Gosto dos processos de desenhar, esculpir, lixar, fibrar e depois surfar nelas, claro. São hobbies que me ajudam a desligar do dia a dia e esses momentos são muito importantes para mim. Para além disto, tenho dois filhos pequenos que me ocupam a maior parte do tempo (risos)!

 

Há alguma exposição que o tenha marcado de forma especial?

Talvez a Untitled (Orchestral) de João Onofre, no Museu MAAT, em que estive envolvido no desenvolvimento através do CCD.  Consistiu numa instalação sonora na Casa das Caldeiras  para a qual desenvolvemos o software e também 16 braços robóticos que tocavam uma partitura musical que era controlada pela luz solar que incidia na janela do edifício. Resultou muito bem e prolongaram até a exposição em vários meses. Quando visito uma exposição tento sempre perceber como é que chegaram àquele resultado. Quando vejo uma peça de arte, não só analiso a estética, como todo o conceito envolvido e fascina-me, claro, toda a parte tecnológica que permitiu o seu desenvolvimento.

 

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10-02-2022