António Rangel: “O mais importante é incentivar os alunos a pensar e a evitar o uso sistemático da memorização e mecanização.”

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Docente da Escola Superior de Biotecnologia, António Rangel é licenciado em Química e foi o primeiro doutorado pela Faculdade. Confessa que foi já durante a sua licenciatura que começou a ter vontade de dar aulas e, hoje, é aquilo que mais o realiza. Investigador no Centro de Biotecnologia e Química Fina, afirma que o que explica a excelência deste laboratório é o “empenho” e “o amor à camisola.” Adepto do Futebol Clube do Porto, gosta, nos seus tempos livres, de assistir a jogos de futebol, de conduzir e de ler. O que é que o move? “O sentido de missão!”.

 

Como é que a química surge na sua vida?

É engraçado porque na escola eu gostava de muitas disciplinas, talvez a única exceção fosse o português. Eu gostava de deporto, gostava de química e de física, de matemática… Quando ingressei no ensino superior acabei por escolher química pela sua maior abertura (na altura) e também por causa da empregabilidade. Cheguei, inclusivamente, no primeiro ano do curso a ponderar mudar para física, mas depois acabei por concluir que em química poderia ter um leque maior de oportunidades. É claro que os tempos mudaram muito e, hoje em dia, a física tem uma aplicação brutal, mas na altura foi por aqui que orientei a minha escolha. 

 

O que é que o fascina na área da química?

Eu gosto de coisas lógicas, gosto de coisas que façam sentido e que tenham uma aplicabilidade prática. Nunca gostei de nada que implicasse memorização, nem de mecanização. A química é isto: envolve uma lógica e um raciocínio que me interessa imenso e para além disso pode ser aplicada em variadíssimos contextos diferentes.

 

“Fui o primeiro doutorado pela Escola Superior de Biotecnologia.”

 

Como é que surge a vontade em dar aulas?

Quando eu estava a frequentar a licenciatura, já tinha a expectativa de uma carreira na docência. Já a investigação só surgiu mais tarde. Acabei por ser convidado no meu terceiro ou quarto ano para ser monitor, ou seja, para dar umas aulas práticas ou teórico-práticas. Dei umas aulas de uma cadeira do primeiro ano, mas depois não continuei porque não havia orçamento. Gostava tanto daquilo que até disse que podia dar essas aulas voluntariamente, mas não me deixaram (risos).

 

Como é que a Escola Superior de Biotecnologia surge na sua vida?

A Escola Superior de Biotecnologia surge em 1984 e, nessa sequência, em 1985, abriu alguns lugares para assistente estagiário. Um deles era para um licenciado em química. Eu estava no último ano do curso e lembro-me, perfeitamente, que um professor me disse para me candidatar. Acabei por ser o escolhido e soube que iria entrar para a ESB antes mesmo de ter terminado a minha licenciatura. Posteriormente, surgiu a possibilidade de fazer um doutoramento, em Portugal ou no estrangeiro, mas eu acabei por fazer em Portugal. Fui o primeiro doutorado pela Escola Superior de Biotecnologia.

 

“Aquilo que gosto mesmo é de ensinar.”

 

Qual foi o projeto do seu Doutoramento?

Novos métodos analíticos automáticos para análise de vinhos foi o tema da minha tese e o trabalho foi realizado nas instalações da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. O tema que explorei foi proposto pelo Professor Costa Lima. Fui assistente dele e já gostava muito do seu trabalho e da sua postura profissional e pessoal. Foi por isso que optei por fazer o meu doutoramento aqui e não no estrangeiro. Tenho excelentes memórias destes tempos! Foram tempos desafiantes e de muito trabalho. 

 

O que é que mais gosta no mundo da investigação?

Aquilo que eu mais gosto é de ensinar. Posso-lhe dizer que de tudo aquilo que faço, ensinar é aquilo que faço menos mal (risos)! Dar aulas no sentido de poder contribuir para formar pessoas. Mesmo na investigação, aquilo que mais me prende é a parte do planeamento e da interação. Ao ser professor, tenho a oportunidade de promover a interação junto dos meus alunos e de os ajudar no seu processo de desenvolvimento. Evidentemente, que a investigação é importante e, hoje em dia, é muito valorizada. Foi através da investigação que tive a oportunidade de conhecer muitos colegas ao nível internacional e de trabalhar em parceria com outras universidades. Viajei para muitos países, de diferentes continentes, em trabalho.

 

O que é que tenta transmitir aos seus estudantes?

O mais importante é ensinarmos aos alunos a pensar de forma lógica e autónoma. Que deixem de decorar coisas e que se empenhem em raciocinar e em desenvolverem um pensamento lógico. Tenho a sorte de dar aulas a estudantes do primeiro e segundo ano de licenciatura e nessas idades ainda veem com os vícios de memorização. Gosto de lhes mostrar que podem chegar a conclusões sem terem necessidade de memorizar as coisas. Gosto de incentivar os alunos a pensar e a não terem a tentação de resolverem problemas de forma mecanizada.

 

“O CBQF é o único centro de investigação em Portugal que é laboratório associado e que não está associado a uma universidade estatal. Posso até dizer que o CBQF é quase uma utopia!”

 

De que matéria é que acha que estas gerações mais novas são feitas e que energia é que podem trazer para o ensino superior?

É difícil responder a essa pergunta, porque acabo por ser professor de idades muito distintas. Os alunos de licenciatura são diferentes dos de mestrado e estes ainda diferentes dos de doutoramento. Mas diria que o acesso que têm à informação é brutal! Sinto que os atuais alunos são muito mais abertos e já trazem uma bagagem maior de conhecimentos pessoais, possivelmente porque já tiveram mais oportunidades de viajar e de conhecer outras realidades. Ao mesmo tempo, este acesso à informação e a todos os gadgets digitais são uma grande distração. Hoje em dia, os alunos têm mais dificuldade em estarem focados e concentrados, porque estão constantemente expostos a estímulos e a distrações. Mas é engraçado, porque o mesmo objeto que os distrai, consegue também ser uma ferramenta de desenvolvimento espetacular. A propósito disto, imponho a regra aos meus alunos de não poderem usar o telemóvel durante as minhas aulas. Tento que durante a minha aula estejam totalmente focados. 

 

Como é que acha que o Centro de Investigação e Química Fina (CBQF) da Escola Superior de Biotecnologia se posiciona no panorama nacional da investigação?

O CBQF é o único centro de investigação em Portugal que é laboratório associado e que não está associado uma universidade estatal. Posso até dizer que o CBQF é quase uma utopia! Como é que é possível haver um centro de investigação, que tem normalmente custos muitíssimo elevados e que é privado, e que consegue sobreviver e até se expandir? Não é nada comum e em Portugal é completamente inédito. Para além disso, o CBQF tem uma avaliação de excelente atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, o que significa que está a cumprir com distinção a sua missão. 

 

“Foi com o Professor Costa Lima que aprendi a importância do rigor científico.”

 

O que é que pode distinguir o CBQF dos demais centros de investigação?

Aquilo que distingue o CBQF é o amor à camisola. Se não remarmos todos para o mesmo lado isto não funciona, não é? Há um grande empenho, dedicação e vontade de fazer valer e crescer este projeto. E, uma vez mais, tratando-se de um laboratório sem qualquer apoio não competitivo do Estado, o empenho tem mesmo de ser muito grande. Há, por exemplo, uma proatividade muito grande na captação de fundos e de oportunidades de investigação. Estamos constantemente atentos às oportunidades que podem surgir.

 

Existe alguma pessoa que seja uma referência para si e que tenha inspirado o seu percurso?

O Professor José Luís Costa Lima que, infelizmente, faleceu recentemente. Foi meu orientador e grande amigo. Fui, também, assistente estagiário da cadeira que ele regia. Influenciou-me muito, tanto na parte científica, como na parte pedagógica. Foi com o Professor Costa Lima que aprendi a importância do rigor científico, uma parte muito importante que está associada à ética. Para além disto, marcou-me particularmente na questão de como me relacionar com os alunos. Com o Professor Costa Lima aprendi a estar sempre disponível para apoiar e a ter uma atitude proactiva com os alunos. Neste aspeto também tive a influência do Professor Carvalho Guerra...

 

Já viajou por muitos países. Existe algum país que tenha sido especialmente marcante?

O Japão esteve durante muito tempo no meu imaginário e acabei por ir lá duas vezes e gostei imenso. Gostei muito pelo relacionamento entre as pessoas e pelo respeito pelos mais velhos. O Japão é mesmo uma referência para mim. Gostei, também, muito de ir à Austrália, é um país muito organizado, onde apesar disso se vive um ambiente muito relaxado. Também as Baleares, especificamente Maiorca:  por razões de colaboração muito próxima na área da investigação e por ser lá a universidade com a qual tenho colaborado mais, acabei por ir lá muitas e muitas vezes.

 

“O que não dispenso é a interação com os alunos e os laços que criamos.”

 

E se, afinal, não fosse professor na área da química? Que outra profissão poderia ter sido a sua?

Eu acho que sou uma pessoa que gosta de fazer aquilo que faço bem ou aquilo pelo qual tenho algum conhecimento.  Quando uma pessoa entende um assunto acaba por gostar dele, não é? Normalmente, é isso que marca os professores. Calhou ser professor na área da química, mas acho que me iria sentir realizado ao ser professor de outra matéria. O que não dispenso é a interação com os alunos e os laços que criamos. Provavelmente, eu seria feliz a ensinar outra área, mesmo que não fosse na área das ciências exatas. Quem sabe professor de História ou de Geografia...

 

Como é que ocupa os seus tempos livres?

Pelo que consegue ver do meu gabinete, sou um adepto fanático do Futebol Clube do Porto (risos). Gosto imenso de ver jogos de futebol e também gosto de ver outras modalidades. Fui praticante de ténis e também adoro conduzir. Gosto de andar pela estrada a fazer quilómetros. Para além disto, gosto de ler, mas que remédio tenho eu se sou professor? (risos)

 

O que é que o move?

É o sentido de missão. É isto que me move. Gosto de ter objetivos e de ter tarefas e se não as tenho, invento-as!

 

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13-04-2022