Arménio Rego: “Uma das melhores maneiras de ajudar alguém a crescer é ajudá-lo a autocompreender-se.”

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Professor catedrático da Católica Porto Business School, Arménio Rego dedica-se ao estudo da Liderança e assume, também, o cargo de diretor do LEAD.Lab. Aos 19 anos começou a dar aulas e até aos dias de hoje nunca mais parou: “Na minha profissão tenho o privilégio de ser pago para aprender”. Nesta entrevista, Arménio Rego fala-nos sobre a infância, os acasos da vida e a sua missão. Através das suas palavras, viajamos, também, até à Birmânia, até ao Japão e até Timor.

 

Dedica-se ao estudo da Liderança. Como é que define um bom líder?

Não há perfis universais, isto é, pode haver alguém que pode ser muito bom líder num determinado contexto, mas não noutro. O que podemos tentar resumir são alguns aspetos que são importantes em qualquer líder e importa clarificar que tudo depende do enfoque que colocamos na avaliação: se o enfoque for o sucesso do líder, eu chego a uma conclusão, mas se o foco for o papel do líder no desenvolvimento das suas equipas ou da sua organização, eu chego a outras conclusões. Tendo em conta esta segunda opção há alguns aspetos importantes: o primeiro é o chamado “tough love”. O que é que nós precisamos num líder? Que seja apoiante, amistoso, que se preocupe com as pessoas, mas que seja, simultaneamente, exigente.  Costumo usar o exemplo dos pais que pensam ensinar o seu filho a andar de bicicleta. Há duas maneiras possíveis de lidar com o assunto: se o miúdo começar a andar sozinho vai acabar por cair e por se ferir e, por isso, o melhor é nem pegar na bicicleta; no outro extremo deixa-se que o miúdo pegue na bicicleta e se cair, paciência, leva-se ao hospital. Tanto uma como outra não são recomendáveis.  O certo é dar ao miúdo a oportunidade de pedalar e de ir aprendendo, e estar por perto para o socorrer caso seja necessário. Esta combinação é muito importante num bom líder. O segundo aspeto é que o líder tenha a capacidade de criar condições para que as pessoas lhe digam a verdade. É crucial que os líderes saibam a verdade e que tenham liderados que lhes comuniquem a verdade. Para isto, é preciso que um líder estimule o “speak up” junto das suas equipas. O terceiro aspeto prende-se com a combinação importante da determinação, garra e perseverança com a humildade. Por exemplo, um líder que é muito perseverante e muito determinado não abandona um projeto se não tiver um bocadinho de humildade. Este líder vai acabar por perseverar em prol de projetos que não têm viabilidade. Mas, se o líder for muito humilde, mas não for determinado, acaba por se tornar pouco proactivo. O importante é a combinação entre a determinação e a humildade. A virtude está no meio, não é?

 

“Enquanto liderados, também temos de ter coragem e não podemos assumir uma atitude passiva.”

 

É importante ensinar-se a ser líder, mas, também, a ser-se liderado?

Nós tendemos a colocar a tónica nos líderes e, portanto, a responsabilidade por aquilo que corre bem e corre mal é sempre dos líderes. Muitas vezes, lavamos as mãos das nossas responsabilidades, enquanto liderados. Há uma coisa que me incomoda muito: quando os trabalhadores discordam de uma decisão do seu líder, manifestam-se contra, mas quando chegam à reunião votam favoravelmente. Terminada a reunião, continuam a manifestar-se contra aquilo que votaram favoravelmente. Compreendo este comportamento nas pessoas que recebem o salário mínimo, que têm uma família para sustentar e que, por isso, não podem arriscar, mas não compreendo esta atitude em pessoas que vivem confortavelmente. Quero com isto dizer que, enquanto liderados, também temos de ter coragem e não podemos assumir uma atitude passiva.

 

“Quem sou eu? Como é que os outros me veem? Este autoconhecimento é crucial, porque se eu não sei quem sou, não posso saber em que áreas é que devo investir.”

 

Como é que se ensina isto aos alunos?

Eu não sei o que nasce e o que não nasce com as pessoas, mas há uma coisa que eu acho que posso dizer: há componentes da liderança que podem ser aprendidas e o facto de alguém não ter competências, neste momento, não significa que não as possa adquirir e desenvolver. Tento, por isso, transmitir aos meus alunos a mensagem de que não podem partir do princípio de que não são capazes. Estimulo a encararem o erro e o fracasso como uma oportunidade de aprendizagem. A participação em atividades fora da universidade é, também, uma forma muito boa de educar para estas questões. Considero que os alunos deviam trabalhar desde cedo, designadamente nas férias e fora da universidade. No trabalho e no voluntariado vivem-se experiências e enfrentam-se circunstâncias que fazem emergir diferentes competências, antes desconhecidas. Por fim, não posso deixar de referir que o autoconhecimento é crucial. Uma das melhores maneiras de ajudar alguém a crescer é ajudá-lo a autocompreender-se. Quem sou eu? Quais são as minhas forças? Como é que os outros me veem? Este autoconhecimento é importante porque se eu não sei quem sou, não posso saber em que áreas é que devo investir. Para este autoconhecimento, coloco a tónica na forma como somos vistos pelos outros, porque a liderança é relacional. Eu só sou líder na relação com os outros.

 

Quais são os grandes desafios de se ser professor?

Um professor tem de estar sistematicamente atualizado. Tenho que saber o que se passa no mundo, sob pena de não ser uma mais-valia para os meus alunos. É um desafio exigente. Para além de ensinar, um professor tem de fazer investigação e de assegurar a transferência de conhecimento. A combinação destes vários papéis é exigente, mas agrada-me imensamente porque temos o privilégio de ajudar pessoas no nosso dia-a-dia. 

 

Estudar na Católica Porto Business School é diferente porquê?

A marca e a reputação da Católica são muito importantes. Um empregador que se confronta com um aluno com o certificado Católica não tem que despender muitas energias para perceber o que é que está a receber. Depois, há aqui um constante profissionalismo com foco na melhoria, e há a combinação e o equilíbrio entre a componente científica e a componente prática. A criação e a transposição de conhecimento para a realidade das empresas. É esta a filosofia de atuação da Católica Porto Business School e é isto que nos distingue.

 

“É bom pensarmos nas complicações da vida para nos apercebermos do quão bom é tê-la.”

 

Dirige o LEAD.Lab da CPBS. Qual o foco da atividade?

Com o LEAD.Lab queremos, fundamentalmente, criar conhecimento na área da liderança. Obtendo dados no terreno, queremos criar e partilhar esse conhecimento com a comunidade científica e com as empresas. Com o LEAD.Lab temos como objetivo contribuir para criar organizações que sejam, simultaneamente, mais eficazes e mais virtuosas. E atenção que quando falo em virtuosas, não quero falar de organizações perfeitas. A humildade é uma virtude, mas tem que ser combinada com outras…

 

Nasce em Viana do Castelo… Que memória da sua infância é que não esquece?

Sim, nasci numa aldeia chamada Subportela, onde ainda hoje vou com frequência. Fiz a vida normal de escola e de aldeia. Era uma criança tímida e introvertida. Em contrapartida, a minha irmã mais nova é que era a dominadora (risos). O meu pai foi imigrante na Argentina e foi para lá quando eu tinha três anos e meio e, portanto, a memória que eu tenho do meu pai, enquanto miúdo, é muito ténue. Fiquei durante sete anos sem ver o meu pai e a minha infância ficou marcada por isso. Na minha cabeça, tenho a imagem de um momento em que vejo a minha mãe chorar, depois de ter recebido uma carta, sentada na soleira da porta, e eu pergunto-lhe “Porquê?” e a minha mãe responde “Porque eu não sei se o pai volta”. Chorava porque acabara de ler que o meu pai estava internado, com um cancro de próstata. É bom pensarmos nas complicações da vida para nos apercebermos do quão bom é tê-la.

 

Porquê a escolha pela Licenciatura em Gestão e Administração Pública?

Cheguei a querer medicina e depois veio a ideia do Direito. Aquando do momento da candidatura, coloquei em primeiro lugar Direito em Coimbra, depois Direito em Lisboa e em terceiro lugar Gestão e Administração Pública, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Se me pergunta porquê tenho de lhe responder que não faço ideia (risos). Pode parecer estranhíssimo, mas mostra-nos como a vida é muitas vezes feita de acasos. Quando entrei na minha terceira opção, percebi que tinha mesmo de ganhar juízo e, atendendo às condições financeiras, tinha mesmo de agarrar a oportunidade e de me esforçar para adquirir empregabilidade no futuro. Dediquei-me de alma e coração ao meu curso.

 

A entrada na Universidade teve, por isso, uma importância grande para si?

Sim, sem dúvida, principalmente porque resultou de uma decisão não muito fácil porque me vi confrontado com duas possibilidades. Aos 19 anos, fui lecionar matemática para Ponte de Lima, gostei muito da experiência e possibilitou a minha independência financeira. Dado isto, tinha a hipótese de continuar a trabalhar e de estudar ao mesmo tempo, que era a minha intenção, ou então ia para Lisboa fazer o curso, com as dificuldades e os desafios que isso acarretava. Por isso, a ideia de ficar 4 anos em Lisboa foi dura, mas eu sabia que isso era necessário para o futuro e nessa altura percebi a importância dos meus pais, porque só nos apercebemos disso quando saímos de casa, não é? Quando fui para Lisboa estudar, eu já não era mais trabalhador-estudante, mas trabalhei, verdadeiramente, como estudante. Estudava muito, muito, muito.

 

O que é que mais o preocupa nas gerações mais novas?

Do que tenho lido e daquilo que me é dado a observar, temos de ter cuidado com as generalizações. Hoje em dia, as gerações mais jovens são uma população muito diversa e aquilo que mais me preocupa é que, no futuro, haja um fosso ainda maior entre duas subgerações. Temos, neste momento, uma grande quantidade de pessoas jovens que, por razões várias, não investe na sua qualificação e, por isso, vai experienciar circunstâncias de precariedade e vai acabar por reproduzir na sua vida a vida dos seus pais. Noutro lado, temos um grupo de jovens que, fruto de condições socioecónomicas superiores, investe na sua educação e acaba por estar preparado para enfrentar muitos desafios. Isto é resultado de um fosso cada vez maior que se tem vindo a cavar ao nível dos rendimentos. As desigualdades são cada vez maiores e isto dificulta a mobilidade social, o que me preocupa bastante.

 

“Os frutos do desenvolvimento têm de ser mais equitativamente partilhados.”

 

Olha para o futuro de Portugal com entusiasmo?

Depende do que nós fizermos por ele. É a responsabilidade de cada um de nós. Mas receio a polarização política, porque a certa altura não há diálogo possível. Os discursos xenófobos e de ódio criam-me muita perplexidade. Há pessoas que se sentem totalmente alienadas dos frutos do desenvolvimento e, por isso, aderem a narrativas de ódio, porque no fundo essas narrativas ajudam as pessoas a lutarem contra algo que, de outra forma, não conseguem. Os frutos do desenvolvimento têm de ser mais equitativamente partilhados, caso contrário a polarização será um problema muito grave em Portugal.  

 

O que é que mais gosta de fazer nos seus tempos livres?

Adoro viajar. Gosto de conhecer outras culturas, principalmente as distintas da europeia. Se me perguntar se prefiro ir ao Nepal ou a Oslo, irei certamente dizer Nepal. Gosto, também, muito de ler e gosto de ler literatura que não seja, exclusivamente, científica. Mas, antes de tudo isto, o que gosto mesmo é de estar com os meus filhos.

 

“Para eu ensinar tenho que aprender, mas ao ensinar, também, estou a aprender. Este binómio cíclico motiva-me muito.”

 

Tem alguma viagem que tenha sido particularmente marcante para si?

Adorei conhecer o Myanmar, a Birmânia. É um país com um enorme potencial que tem sido desbaratado pelas suas lideranças terríveis, por um regime militar horrível. Tem um património monumental muito rico e gostei muito das pessoas. Foi aí que me despertou interesse pela líder que tem sido muito criticada, a Aung San Suu Kyi, e que está, novamente, presa. Gostei, também, muito do Japão e já lá estive duas vezes. Acho que é uma cultura que combina muito bem a amabilidade, a cortesia, a organização e a eficiência.

 

Como é que definiria a sua missão no mundo?

Tenho uma missão que é antes de mais para com os meus filhos. São eles que me mobilizam. Para além disto, acho que procuro fazer o bem, mas, na verdade, nem sei se o faço. Já fiz muita asneira na minha vida. Essencialmente, quero contribuir um bocadinho para ajudar os meus alunos a serem mais responsáveis como cidadãos, como membros das suas famílias, como executivos, como membros das organizações. Enquanto professor, acredito que posso ter algum impacto e isso é uma das coisas que mais prazer me dá. Na minha profissão tenho o privilégio de ser pago para aprender. Para eu ensinar tenho que aprender, mas ao ensinar, também, estou a aprender. Este binómio cíclico motiva-me muito. Ter impacto na vida dos outros, por mais pequeno que seja, vale muito a pena. A propósito disso, há uns dias os meus filhos perguntaram-me em que situação é que eu tinha sentido que o que estava a fazer estava a ter um verdadeiro impacto. Em 2000, estive em Timor a ensinar português, no âmbito de uma missão de voluntariado da Fundação das Universidades Portuguesas. Estive lá dois meses e para além de ensinar, também, estive envolvido noutras funções. Adorei. Qualquer coisa pequena que nós pudéssemos fazer tinha impacto na vida daquelas pessoas.

 

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03-03-2022