Fernando Silva: “Quero participar, ativamente, na valorização do papel do conservador-restaurador”

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Fernando Silva tem 36 anos, trabalha na Biblioteca Municipal de Vila Real, cidade onde também vive, e frequenta o 3º ano da Licenciatura em Conservação e Restauro na Escola das Artes. Cresceu rodeado de livros, jornais e documentos antigos e, hoje, tem a certeza de que quer trabalhar na Conservação e Restauro de documentos gráficos e, quem sabe também, na área da pintura a óleo sobre tela, ramo que o surpreendeu muito nestes anos da licenciatura. Nos tempos livres? Ainda que raros, gosta de dar passeios pela natureza com o Parque Natural do Alvão como fundo.

 

De onde é que surge o seu interesse pela área da Conservação e Restauro?

A paixão pela Conservação e Restauro é antiga, porque desde a adolescência que me vejo rodeado por livros, documentos e jornais antigos. Tenho familiares ligados a esta área do colecionismo e desde muito novo, com 12 anos, que comecei a ajudar na catalogação dos vários objetos. Por força de influência, acabei por, também, frequentar alguns eventos culturais nesta área.

 

E hoje em dia trabalha numa biblioteca …

Sim, exatamente. Trabalho na Biblioteca Municipal de Vila Real há 15 anos e por isso sou muito ligado ao mundo dos livros. Quando saí do Ensino Secundário, quis ir logo trabalhar, queria fazer uma pausa nos estudos e foi nessa altura que apareceu a Biblioteca.

 

O que é que faz na biblioteca?

Ocupo funções muito diversas, mas na maioria do meu tempo ocupo-me da conservação do acervo da biblioteca e o engraçado é que quando entrei na biblioteca estava longe de perceber que ia acabar por trabalhar nesta área, mas a verdade é que surgiu muito naturalmente e comecei a perceber que havia algo intrínseco em mim que me ligava a isto.  Em paralelo também colaboro na montagem de exposições e dou apoio aos nossos utilizadores.

 

“É para este curso que eu estou a direcionar todo o meu esforço e dedicação.”

 

Deve gostar muito de viver no meio dos livros …

Gosto muito e dentro da Conservação e Restauro espero poder trabalhar na área dos documentos gráficos, julgo que será por aqui que farei o meu percurso depois de terminar a minha licenciatura. Gosto dos papéis, das páginas, gosto do toque e do cheiro dos livros. E os antigos têm um charme especial! Não há nada igual que possa substituir o prazer físico dos livros! Não há nada digital que possa roubar isto e eu sou um fã da tecnologia e tento estar sempre na vanguarda de tudo, mas não há sombra de dúvidas que o digital não consegue competir com o prazer de se ter um livro nas mãos.

 

Quando é que decide ingressar na Licenciatura em Conservação e Restauro?

Dentro daquilo que gosto mesmo de fazer sentia que precisava de evoluir, mas foi uma ideia que ainda se demorou a efetivar. Já há alguns anos que comecei a procurar a oferta que existia em Portugal. Só a possibilidade de estudar na Católica é que me permitia, ainda que com muito esforço, ter uma vida de trabalhador-estudante. Tenho aulas quatro dias por semana e faço diariamente viagens entre Vila Real e o Porto. Antes da pandemia, eu vinha às oito e meia para a universidade, saía por volta das cinco e ia diretamente trabalhar para a Biblioteca até às onze da noite que era quando fechava. Mas quem corre por gosto não cansa …

 

Foi uma decisão difícil?

Tomar a decisão de aos 33 anos começar uma licenciatura foi muito simples, porque era mesmo isto que eu queria. Não deixa, claro, de ser uma decisão que tem implicações grandes e que exige alguma ginástica e muita vontade. Mas eu tenho a sorte de me sentir motivado desde o primeiro dia. É para este curso que eu estou a direcionar todo o meu esforço e dedicação.

 

“Um percurso muito intenso e muito desafiante, mas sempre com muita vontade de fazer este meu caminho.”

 

O que é que tem gostado mais na licenciatura de Conservação e Restauro da Escola das Artes?

A proximidade, sem dúvida. A qualquer momento consigo falar com os professores e com os funcionários da universidade. Sinto-me mesmo em casa porque a proximidade é imensa. Temos muito apoio e há uma interajuda muito grande e isto faz-me sentir que não vou ficar para trás, porque estou constantemente apoiado e seguro. No meu caso particular também tenho sentido uma grande compreensão com a minha condição de trabalhador-estudante e isso é muito importante porque de outra forma seria muito difícil conseguir conciliar o trabalho com a faculdade.

 

Está no terceiro e último ano da licenciatura. Como descreveria o seu percurso até aqui?

Muito intenso e muito desafiante, mas sempre com muita vontade de fazer este meu caminho. Acho que é isto que caracteriza estes meus três anos. Não digo que tem sido um sacrifício – embora às vezes essa palavra surja – porque eu quero muito isto e faço aquilo que, verdadeiramente, gosto. Mas não vou mentir e dizer que não deixei muita coisa para trás porque, claro, que tive de abdicar de algumas coisas, mas tenho um objetivo muito específico e quero muito cumpri-lo, na expectativa de que o esforço é recompensado. Estou a construir o meu caminho. 

 

“Quando nos colocam uma pintura à frente, sentimos o peso da responsabilidade.”

 

Apesar do seu gosto pela área dos documentos gráficos, que outra área dentro da Conservação e Restauro é que o surpreendeu?

Pintura a óleo sobre tela, sem dúvida. Foi uma grande descoberta. Muito surpreendente! É engraçado porque eu não tinha qualquer formação no campo artístico e a pintura deixava-me um bocadinho de pé atrás e quando nos colocam uma pintura à frente sentimos o peso da responsabilidade porque o nosso trabalho não pode ser feito de ânimo leve, sob pena de estragarmos obras de arte valiosas. Acabei por ultrapassar esses constrangimentos e por perceber que até tinha jeito e, hoje, acredito que esta área também fará parte do meu percurso.

 

Qual a importância do papel de um conservador-restaurador?

Um profissional desta área agrega em si conhecimentos variados que vão desde a biologia, à química, ao teor dos materiais, à arte. Para além de tudo isto, um conservador-restaurador, também, domina as técnicas artísticas. Um profissional desta área tem um perfil muito completo que tem de ser valorizado. Acho que esta profissão ainda não é do domínio público e, por isso, ainda há muito caminho a percorrer no que diz respeito à valorização e ao reconhecimento desta atividade profissional.

 

Termina o curso no final deste ano letivo. Quais são os seus planos para o futuro?

Em princípio, continuarei o meu percurso aqui na Escola das Artes da Católica. Quero seguir o Mestrado com a especialização em Conservação e Restauro de documentos gráficos. Quero muito prosseguir estudos nesta área porque é importante uma especialização e aqui estou muito bem entregue. Com este mestrado acredito que vou conseguir multiplicar a minha capacidade em dominar o assunto e ganhar mais ferramentas. Para além do mestrado, quero continuar na Biblioteca Municipal de Vila Real. É uma grande Biblioteca que tem uma matéria-prima muito boa edetém desde a sua fundação dois importantes fundos com centenas de anos que são o seu ex-líbris: o fundo do Convento de São Domingos e o do Convento de São Francisco. Quero colocar ao serviço da Biblioteca tudo o que aprendi até aqui.



Qual é o segredo para se conseguir conciliar o trabalho e os estudos com sucesso?

Escolher-se fazer aquilo de que se gosta e ter uma grande capacidade de adaptação. Neste percurso foi essencial eu ter a capacidade de me adaptar às circunstâncias e a cada desafio e de ter a capacidade de abdicar de certas coisas. Para além disto e não menos importante, faço-me rodear de pessoas que me apoiam e que me dão força e coragem.

 

“Tenho a certeza que é por aqui que quero ir e estou empenhado em dar o meu melhor.”

 

O que é que mais gosta de fazer nos tempos livres?

Fui desde pequeno um incessante praticante de desporto, algo que fui obrigado a abrandar pela agitação entre o trabalho na Biblioteca Municipal de Vila Real e o curso de Conservação e Restauro na Escola das Artes. Ainda assim, não dispenso fazer as minhas deslocações a pé, sempre que posso, e passeios pela natureza, na maioria das vezes com o Parque Natural do Alvão como fundo. Gosto imenso de passear ao ar livre e de me fazer acompanhar pelos meus 2 cães. Com tempo, gostava também de poder voltar às corridas.

 

Esse seu gosto pela natureza e pelo ar livre já vem desde criança …

Vivi uma infância muito divertida em Vila Real e, também, muito diferente daquela que as crianças de hoje vivem. Saía para as aulas de manhã e só chegava a casa à hora de jantar porque depois das aulas ia para a rua brincar. Fui um privilegiado!

 

Encontrou na Conservação e Restauro o seu caminho?

Este é mesmo o meu caminho, já não há volta a dar (risos). Tenho a certeza que é por aqui que quero ir e estou empenhado em dar o meu melhor e em evoluir e participar, ativamente, não só na valorização do património, como na valorização do papel do Conservador-Restaurador no mundo.

 

pt
10-03-2022