João Paulo Vieira: “A linguagem da Católica deve ser a linguagem do Evangelho"

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João Paulo Vieira tem 31 anos e é natural de Coimbra. É estudante da Universidade Católica no Porto desde os seus 18 anos e garante que tem uma “grande paixão por esta instituição”, porque é aqui que se sente “em casa”. Atualmente é estudante do doutoramento em Ciências da Educação e a sua investigação prende-se com a missão da Universidade Católica. Para além de também ser professor de Educação Moral ainda tem tempo para se dedicar à formação cristã de jovens e não dispensa de um bom passeio para ver o mar.

 

É estudante na Universidade Católica no Porto há mais de 10 anos. O que é que o liga a esta instituição?

Há treze anos quando entrei na Católica foi praticamente imediato o sentido de pertença a esta casa. Senti logo que fazia parte de uma pequena família. Não foi nada difícil identificar-me profundamente com a Católica e rapidamente isto passou a ser a minha segunda casa. Aqui todos se conhecem, ou conheciam, pelos nomes e isso faz toda a diferença. Rapidamente surgiu em mim uma paixão muito forte pela instituição e nunca mais quis daqui sair. Comecei com o Mestrado Integrado em Teologia, depois fiz um segundo Mestrado em Educação e com especialização em Educação Moral e Religiosa Católica e agora sou estudante do Doutoramento em Ciências da Educação.

 

Mas antes de estudar Teologia, esteve um ano no curso de Anatomia Patológica.

Sempre tive algum gosto pela área da saúde. Sempre tive interesse em compreender as questões do corpo humano na sua dimensão biológica e anatómica. Claro que este meu interesse surge, essencialmente, da minha condição física e da deficiência com que nasci. A minha primeira candidatura ao ensino superior só tinha cursos ligados à saúde. Ainda nem eu imaginava a possibilidade da Teologia. A Teologia surge quando entro para o seminário. Embora tenha acabado por sair, continuei a estudar Teologia e a perceber o verdadeiro interesse que tinha por esta área.

 

O que é que o fascina na Teologia?

O ser humano é um ser espiritual. Nós temos "anima", alma, aquela dimensão que nos distingue dos outros seres, que nos dá "ânimo", ou seja, vida e uma vida pensada, com "lógica". Só por este ponto, o estudo da Teologia já se justificaria, na medida em que a capacidade que o ser humano tem para a dimensão do transcendente deve ser estudada. Embora no meu caso seja difícil desligar daquilo que também é a minha fé. Dentro da Teologia eu tornei-me mais sistemático. Debruçando-me mais sobre aqueles que são os fundamentos da fé cristã.

 

“A fé em Jesus Cristo é uma fé encarnada nas realidades humanas.”

 

O tema da sua tese de mestrado foi sobre o Papa Emérito Bento XVI. Porquê esta escolha?

Porque Bento XVI foi a inspiração para todo o meu curso. O curso acabou por culminar numa tese sobre ele, mas mais concretamente sobre a questão da razão e da ciência. Até que ponto a verdade e a razão são horizonte da fé? Foi este o caminho que quis explorar e foi com muito agrado que desenvolvi este estudo.

 

De que forma é que o conhecimento alimenta a fé?

Posso responder a essa questão através de São Tomás de Aquino: “creio para compreender e compreendo para crer.” A fé tem de se alimentar da razão, porque nós somos seres racionais. O cristianismo baseia-se numa pessoa que é Jesus Cristo. A fé em Jesus Cristo é uma fé encarnada nas realidades humanas e uma das capacidades que Deus reproduz no ser humano, à sua imagem e semelhança, é a inteligência. Esta não pode ser descartada na dimensão da fé. Não podemos dissociar a nossa capacidade intelectual da nossa capacidade transcendental. É isso, que no meu entender, a Teologia deve também tentar fazer: recusar o cientificismo, que por si é estéril, bem como o "fideísmo cego". A razoabilidade é certamente fecunda e "amiga" da fé.

 

“Sempre desejei colocar a Teologia na agenda e dar-lhe voz e espaço.”

 

Para além de Bento XVI, há mais alguém que o inspire e que seja uma referência para si?

Também me inspira um grande homem e santo a quem devo o meu nome: São João Paulo II. Foi um homem que soube compilar aquilo que era a fé da Igreja para o século XXI e para o mundo de hoje. Inspira-me a leitura que soube ter sobre o mundo e da forma como tão humildemente soube governar a Igreja. Há, também, duas figuras muito marcantes na Igreja em Portugal que são os pastorinhos: Santa Jacinta e São Francisco. Têm algo de absolutamente maravilhoso que nós, infelizmente, ainda subvalorizamos. A forma como expressaram aquilo que viram e aquilo em que acreditavam e a pressão com que viveram. É verdadeiramente extraordinário.

 

A sua ligação forte à Universidade Católica e concretamente à Faculdade de Teologia levaram-no a ser Presidente da Associação de Estudantes de Teologia. O que é que o moveu?

O meu envolvimento com a Católica sempre foi imenso. Sempre desejei colocar a Teologia na agenda e dar-lhe voz e espaço. Foi isso que me moveu a ser Presidente da AE de Teologia e, também, acabei por integrar os órgãos da Federação Académica do Porto. Aquilo que me movia era a vontade de afirmar a Teologia na Academia. Claro que a Teologia existia, mas houve sempre um espaço por preencher durante muitos anos e eu quis voltar a ocupar esse espaço. Sempre senti que a minha missão na Católica devia ir muito para além do curso que frequento. Senti uma missão com a própria. O meu desejo é que a Teologia saia fora de portas e não se baste aqui dentro. Nós, enquanto Católica, defendemos uma marca muito própria e por isso temos de deixar a nossa marca nos diferentes espaços e é importante sairmos para a sociedade.

 

“Quero contribuir para a concretização da missão da Católica.”

 

Atualmente é doutorando em Ciências da Educação e a sua tese é especificamente sobre a Universidade Católica. Em que é que consiste a investigação?

Estou a estudar e a investigar sobre como é que a Universidade Católica no Porto, na sua administração, ensino, investigação e vida estudantil vivifica o seu ethos, a sua cultura, a sua identidade. Estamos a cumprir aquilo que é a nossa missão? Estamos a cumprir a missão que a Igreja nos confia? Uma das coisas mais curiosas é que durante toda a minha pesquisa e durante todos os inquéritos que foram realizados tenho notado que há uma preocupação generalizada com este tema, o que significa que é um tema que importa e que as conclusões podem  vir a ser úteis para pensarmos a identidade da nossa Universidade no futuro. Acredito que deste estudo poderão sair conclusões que serão muito úteis para a prossecução da missão da Católica. Este doutoramento vem, também, continuar a dar voz àquela que é a minha paixão e entrega a esta universidade. Quero contribuir para a concretização da missão da Católica. Acredito que temos de ser capazes de seguir aquilo que o Papa Francisco disse relativamente às universidades católicas. O Católica no nome não é uma mortificação. Muito pelo contrário. Enquanto Universidade Católica temos uma proposta muito diferenciadora para oferecer. A nossa linguagem deve ser diferente da linguagem do mundo de hoje, a linguagem da Católica deve ser a linguagem do Evangelho. A nossa identidade assenta na pessoa de Jesus Cristo e não nos podemos esquecer que o espírito cristão tem de estar sempre imbuído em tudo aquilo que fazemos. 

 

“A humanização do dia-a-dia era muito mais transparente.”

 

É, também, professor de Educação Moral e Religiosa Católica. Qual foi a experiência mais marcante até agora?

Comecei a dar aulas em São. Pedro da Cova e foi muito marcante para mim. Foi fascinante dar aulas naquele contexto, naquele sítio e com a idade que eu tinha na altura, 23 anos. Eu era confundido com os próprios alunos (risos). O que mais me marcou foi a autenticidade. A realidade que aqueles alunos viviam, por muito difícil que fosse, era profundamente genuína. A humanização do dia-a-dia era muito mais transparente. Para o bem e para o mal. Eu, por ter esta deficiência, era muitíssimo protegido pelos alunos. Um certo dia, passa um aluno por mim a correr desenfreadamente e acaba por vir contra mim e por me atirar contra a parede. Mal isto aconteceu, houve um aluno, daqueles mais violentos, que foi logo dar um estalo ao miúdo que tinha vindo contra mim. Eles eram altamente protetores connosco. Isto revela um lado muito humano, mas pouco polido, claro. Provavelmente, chegamos aqui à cidade e o que vemos é apenas um polimento aparente. Dá que pensar.

 

Quais são os seus planos para o futuro?

Não faço ideia (risos), mas chega de estudar (risos). Como é que vou deixar a Católica? Pergunto-me isto muitas vezes. Vou ter de arranjar uma desculpa qualquer para continuar a vir cá com frequência. Mas claro que qualquer doutorado que tenha feito aqui o seu projeto, tem obrigação de continuar a contribuir para a investigação e, por isso, a minha relação com a Católica permanecerá. Não sei como será o futuro, mas quero continuar a ensinar, mas também a abraçar outros desafios profissionais. Há muitas consultoras que já começam a contratar pessoas da minha área para os gabinetes de ética, de saúde ou de coesão social. Também me interessa explorar esta área.

 

O que é que gosta de fazer nos seus tempos livres?

Gosto muito de trabalhar com jovens e dou formação a jovens do 12º ano na Paróquia de Nossa Senhora da Boavista. Também ajudo na preparação de jovens para o Crisma. Para além disso, pertenço a um grupo de canto litúrgico em Coimbra, gosto muito de cantar. Também gosto muito de ir ao ginásio, até porque preciso e porque me faz bem. Tenho prazer em receber amigos em casa, particularmente em contexto de jantar. Gosto imenso de ver o mar, especialmente nos dias em que ele está mais bravio. Viver aqui no Porto, com o mar tão perto, é um privilégio.

 

 

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10-11-2022