Pedro Melo: “Quem não escolhe pela essência nunca conseguirá ser feliz.”

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Enfermeiro, docente do Instituto de Ciências da Saúde da Católica no Porto, ator, locutor, apresentador e escritor. Um profissional de mão cheia, literalmente. Nasceu em Lisboa, viveu no Seixal, mas o Porto é a sua casa. Aos 41 anos e inquieto por natureza, acredita que “nada é coincidência” quando somos levados por “escolhas inspiradas na nossa essência”. Onde é que o poderemos encontrar? No campus da Católica ou num fim de tarde pela Ribeira do Porto. Nesta entrevista, Pedro Melo fala-nos do seu percurso, do seu interesse pela área da saúde comunitária e daquilo que o move e que o faz querer estar sempre a criar.

 

O que é que um ator e um enfermeiro têm em comum?

É uma excelente pergunta porque, realmente, têm muito em comum.  A primeira coisa que têm em comum é a necessidade de conhecer muito bem as pessoas. Para um ator poder levar para a personagem o melhor de si tem de conhecer a essência das emoções, dos sentimentos, a forma como o corpo transmite essas emoções e com o enfermeiro é igual. Temos de usar o mesmo conhecimento das pessoas para interagir com elas e para as ajudar.  

Podemos dizer que são duas áreas diferentes que têm um mesmo objetivo?

Sim, com o mesmo propósito. No limite é procurar o amor, não é? Quer como enfermeiro, quer como ator, o que nós procuramos é ir ao mais profundo do ser humano e isso talvez seja a grande missão das duas áreas.

 

Queria ser ator, mas acabou por equacionar, também, a área da saúde ….

Desde o Ensino Básico que a minha professora dizia que eu ia ser alguém ligado à comunicação. Quando aprendi a ler e a escrever comecei logo a escrever histórias e quando havia festas de família eu era sempre o bobo da corte. Mais tarde, por via de algumas complicações de saúde da minha mãe, comecei a pensar que talvez, também, fosse boa ideia seguir uma área onde pudesse ajudar pessoas que estivessem doentes. Durante muitos anos vivi confuso.

 

O que é que aconteceu quando se aproximou o momento de decidir que caminho ia seguir?

Com 17 anos fui fazer um casting para uma série da RTP que se chamava “Riscos”, costumo dizer que foram os primeiros Morangos com Açúcar. Acabei por ficar com um papel e quando soube da notícia foi um dos momentos mais fantásticos que já vivi. Claro que depois lembrei-me que tinha de contar à minha família e aí ficou um sabor um bocadinho mais amargo. A verdade é que, paralelamente a isto, acabei por concorrer a Enfermagem e estava pronto para conciliar o curso com as gravações. Por lapso, foi um erro do universo, estou certo, em vez de concorrer para as Escolas de Enfermagem de Lisboa e de Faro, que era onde iam decorrer as gravações da série, selecionei o Porto. Eu já me estava a candidatar à segunda fase, porque na primeira fase tinha estado ocupado com os castings. Eu soube numa sexta-feira que na segunda-feira seguinte tinha que estar no Porto para começar as aulas. Foi o fim de semana mais difícil da minha vida. E já se percebeu qual foi a minha decisão porque estou aqui hoje, não é? Mas depois percebi que podia continuar a fazer formação na área da representação e, hoje, também trabalho numa companhia de teatro. No fundo, acabo por conciliar as minhas duas paixões.

 

“Apaixonei-me pela Católica e já nunca mais saí.”

 

Vem para a Católica no Porto quando decide fazer o seu doutoramento …

Na altura fui pesquisar sobre onde é que eu podia realmente aprofundar a investigação na área da Enfermagem e a Católica acabou por ser a minha escolha. Apaixonei-me e já nunca mais saí.

 

A Enfermagem da Católica no Porto aparece entre as melhores a nível mundial, segundo o U-Multirank 2021. O que é que o ICS-Porto faz de diferente?

Temos muitas coisas diferentes que nos deixam muito orgulhosos. A primeira é a proximidade com os estudantes. Nós conhecemos, realmente, cada estudante. Cada um tem um nome, uma história e objetivos específicos. Nós professores acompanhamos cada estudante de uma forma muito personalizada e isso faz a diferença na forma como ele constrói a sua aprendizagem e o seu processo. Para além disto, o ICS tem os três ciclos de estudo: licenciatura, mestrado e doutoramento. Os nossos estudantes podem fazer aqui um caminho muito consistente. Por fim, temos um dos melhores centros de investigação em enfermagem do país, o que nos permite aplicar a nossa investigação no ensino. A distinção do U-Multirank não nos surpreende, porque trabalhamos muito para esse resultado, mas deixa-nos profundamente orgulhosos.

 

Como é que se ensina essa proximidade aos estudantes?

Transmite-se pelo exemplo. Os nossos alunos veem a forma como nós somos e como estamos com eles. Tentamos influenciar positivamente pelo exemplo. É o tal sentido de comunidade que tentamos transmitir. Quando dentro da comunidade há um perfil e um padrão, as pessoas acabam por se influenciar e por se deixar contagiar. Este contágio pelo exemplo acaba por ser a melhor forma de ensinar a proximidade.

 

“Em tudo aquilo que faço a minha missão é, através da comunicação, dar poder às pessoas para que consigam tomar decisões em vários níveis.”

 

No seu percurso dar aulas foi um feliz acaso?

Foi, talvez, um acaso, mas diria que não uma coincidência. Como fui sempre ligado à comunicação, dar aulas é uma forma de comunicar. Acabo por dizer que de alguma forma estou sempre ligado a um palco, seja a um palco de um anfiteatro para dar uma aula, seja no teatro, seja no programa de rádio onde sou locutor. Em tudo aquilo que faço a minha missão é, através da comunicação, dar poder às pessoas para que consigam tomar decisões em vários níveis.

 

Enquanto professor, para além dos domínios técnicos, o que é que tenta transmitir essencialmente aos seus estudantes?

Eu tento acima de tudo demonstrar-lhes o poder que têm as palavras e que tudo é intencionalmente resultado de uma opção. Nós podemos escolher usar palavras que destroem ou palavras que constroem e acho que as pessoas têm pouca consciência disso. Julgo que, desde a infância mais precoce, devíamos estimular mais as crianças a ler e a perceber o impacto que as palavras têm. Na profissão de Enfermagem e nas relações humanas a comunicação é a ferramenta mais importante.

 

“Este ano usei uma música dos Amor Electro que se chama “Procura por mim” e que fala especificamente da necessidade de procurarmos por nós. Temos de nos encontrar.”

 

Como é que se desafia as novas gerações a serem mais inquietas e menos conformadas?

Eu nas aulas de Criatividade e Inovação desafio os meus alunos a pensarem diferente. Costumo fazer um exercício logo na primeira aula que consiste em desligar os telemóveis para que se concentrem totalmente e de olhos fechados na música que vão ouvir. Este ano usei uma música dos Amor Electro que se chama “Procura por mim” e que fala especificamente da necessidade de procurarmos por nós. Temos de nos encontrar. Eu sinto que as pessoas se estão a perder de si próprias, cada vez com menos pensamento próprio, com pouca autonomia, com pouca capacidade de discernimento e sem sentido de comunidade. Enquanto professor, tenho o desafio de contribuir neste sentido para a transformação dos meus alunos.

 

O voluntariado também pode ter um papel fundamental nessa transformação …

Sim, e é uma componente importantíssima que tem também múltiplas facetas. O voluntariado não tem sempre de estar associado ao trabalho social com pessoas carenciadas. Por exemplo, para além do voluntariado que faço com os sem-abrigo da cidade, através do projeto Ronda da Caridade, também trabalho como voluntário enquanto locutor na Rádio Metropolitana do Porto, com o programa Saúd’Arte, e enquanto apresentador do programa “Saúde em Direto”, na Agência de Informação Norte. Aqui está um exemplo de como também podemos ser voluntários no exercício da cidadania. A sociedade está muito distraída e é essencial que se incuta o desejo de ajudar desde pequenos. O meu filho tem agora 14 anos e sinto que começa a sentir-se curioso e provocado em, também, começar a ajudar. Talvez porque acompanhe de perto aquilo que faço. Uma vez mais, o exemplo é a melhor forma de ensinar.

 

“Dentro da saúde pública e da saúde comunitária a área que me interessa é a do empoderamento comunitário.”

 

Uma das suas subáreas de investigação é a Saúde Comunitária. Este assunto desperta em si tanto interesse porquê?

Mais uma vez, é a forma como a comunicação influencia as pessoas em massa a tomarem decisões. A questão da pandemia foi um bom exemplo da forma como é tão importante comunicar adequadamente para que as pessoas adiram às medidas de proteção. Dentro da saúde pública e da saúde comunitária a área que me interessa é a do empoderamento comunitário. Tem tudo a ver com estratégias de marketing e de comunicação para que se promova a adesão das pessoas a comportamentos saudáveis.

 

Os enfermeiros foram sempre muito falados durante estes tempos de pandemia. Acha que a sua missão sai reforçada e valorizada?

Não tenho nenhum problema em afirmar que foram os enfermeiros que ajudaram a salvar a nossa economia, porque esta, também, só se aguenta devido à taxa de vacinação que hoje temos. Foram muitos os colegas que trabalharam horas seguidas, todos os dias, sem parar. Falamos muito da atual vacina, mas não nos podemos esquecer que o programa de vacinação em Portugal é o melhor do mundo desde os anos 60 e os enfermeiros sempre estiveram lá para dar resposta.

Veio para o Porto quando veio estudar Enfermagem. Como é que foi mudar-se sozinho para uma nova cidade?

Foi muito difícil, porque foi a primeira vez que estive realmente longe da família toda e totalmente sozinho, mas eu diria que foi o grande momento em que eu cresci e em que me tornei eu próprio. Para além disso, o Porto é uma cidade tão apaixonante que nos acolhe de uma forma tão profunda que eu nunca mais consegui sair daqui. O Porto é a minha casa.

 

Qual é o lugar mais especial da cidade para si?

O Porto é uma cidade cheia de lugares especiais, mas eu sou completamente obcecado pelos jardins do Palácio de Cristal, é um espaço mágico que nos permite ter uma visão diferente da cidade, porque nos permite olhar sobre o rio. Também gosto muito da zona da Ribeira, não da zona mais comercial, mas daqueles espaços mais escondidos, onde se misturam as sombras. O fim de tarde nessa zona com aqueles candeeiros laranja e com aquelas sombras é maravilhoso.

 

“A vida vai-nos levando pelas escolhas que vamos fazendo inspirados pela nossa essência.”

 

Se em adolescente lhe tivessem dito que aos 41 anos iria ser enfermeiro, professor, ator, locutor, escritor … teria acreditado?

Se calhar não teria acreditado que seria tudo ao mesmo tempo, mas teria acreditado que iria fazer caminho para o ser. Não concretamente a parte do ser Enfermeiro, porque acabou por surgir e por ser uma grande descoberta, mas, sem dúvida, que teria esta ligação à área da comunicação. Acredito que nada é coincidência. A vida vai-nos levando pelas escolhas que vamos fazendo inspirados pela nossa essência. Quem não escolhe pela essência nunca conseguirá ser feliz.

 

Se pudesse recomendar uma peça de teatro, qual escolheria?

Há várias peças fantásticas, mas eu agora diria que era interessantíssimo acompanharem tudo o que está a ser feito no Teatro D. Maria II. Houve uma atualização na direção do teatro que está empenhada em transformar o teatro para o tornar mais democrático, tanto é que agora estão a promover peças em vários pontos do país. Aqui no Porto, também, temos o Teatro Sá da Bandeira, que é um espaço que eu adoro e que tem peças maravilhosas e muito acessíveis. As pessoas ainda acham que frequentar cultura fica muito caro, mas não. Se tivesse de escolher uma peça de teatro específica, talvez recomendasse a “As Árvores Morrem de Pé”. Esta peça foi a última do nosso teatro, mas estará com certeza em algum ponto do país. Recomendo vivamente porque nos faz perceber, realmente, a essência dos seres humanos.

pt
27-01-2022